Viver é, antes de mais e acima de tudo, uma permanente e contínua projecção no futuro, distinguindo-se a vida das nações, como a nossa própria vida, da restante vida meramente biológica, pela consciência que possuem disso mesmo.

Exactamente porque viver é, antes de mais e acima de tudo, uma permanente e contínua projecção no futuro, distinguindo-se a vida das nações, como a nossa própria vida, da restante vida meramente biológica, pela consciência disso, é tida como a mais alta virtude do Governante, a Prudência, que nunca deixa se se encontrar, de algum modo, relacionada com o não menos importante de Providência.

Porque importa termos consciência disso, pela consciência de tudo isto? Porque importa saber se queremos ir além da Taprobana ou deixarmo-nos simplesmente vogar no doce e hipnótico embalo dos ventos e das correntes.

Não parece errado invocarmos o nosso bom, velho e muito sábio Poeta no seu dia, quando Portugal volta a correr o risco de poder ser apenas evocado pelo passado e não já pela sua projecção no futuro.

O mundo nuca é apenas o mundo que é mas a antecâmara do mundo possível, noção entretanto perdida mas que importa recuperar.

O mundo possível não é um mundo de fantasia, como todos sabemos, mas o mundo que todos temos a responsabilidade de saber imaginar e, pelo consequente acto, realizar.

Para isso importa, com certeza, compreendermos o mundo em que vivemos, compreendendo, hoje, tanto a crescente territorialização do mar como a afirmação das nações se estruturar sempre do conceito de Defesa, seja este mais explícita ou mais implicitamente assumido.

Como também se sabe, um conceito de Defesa não respeita apenas e exclusivamente a questões de ordem estritamente militares, sendo actualmente bem patente, inclusive, como muitas das questões anteriormente militares se têm vido a transformar em questões de ordem eminentemente económica.

Concomitantemente, compreendendo para onde vai o mundo, compreendendo os sinais dos tempos, compreendendo como a crescente territorialização do mar é hoje uma inevitabilidade tendo em atenção o crescente esgotamento em terra de determinado tipo de minerais essenciais à vida e à economia modernas, como é a questão das Terras-Raras, entre múltiplos outros, bem como toda a evolução da nova Biotecnologia se encontrar, antes de mais e acima de tudo, dependente da descoberta, recolha e avançado processamento de novos biotas marinhos, com aplicação em tão determinantes e decisivos domínios como a farmacêutica, nutracêutica, cosmética ou desenvolvimento de novos materiais, para nos referirmos apenas a algumas dos mais significativos, nem necessidade sequer de citar já outras tão tradicionais e fulcrais actividades como as pescas, até pela sua importância na alimentação de milhões de seres humanos e única fonte diária de ingestão de proteínas, levando a considerar-se o mar, em todo o seu vasto âmbito, incluindo o de crucial regulador do Clima, também como o mais fundamental Capital do futuro, entendendo-se tal designação como se queira e designando-a igualmente como se entenda, apenas como Capital ou como Capital Natural, obriga-nos, evidentemente, a reflectirmos e a repensarmos a nossa atitude, posição e estratégica, em relação ao nosso mar, ou seja, ao espaço marítimo sob jurisdição nacional, de forma mais consequente, sob pena de corrermos o risco de virmos a ser rápida e completamente ultrapassados por terceiras nações com iguais interesses tendencialmente conflituantes no mesmo espaço marítimo sob jurisdição nacional.

Portugal possui, evidentemente, o seu próprio Conceito Estratégico de Defesa Nacional, tendo sido a sua última formulação, ou actualização, aprovada já na vigência do XIX Governo Constitucional, em Abril de 2013.

Todavia, trata-se, infelizmente, de um Conceito que pretende ser tão amplo e abrangente que tudo se perde um pouco e, mais do que isso, em momento algum torna perfeitamente clara a efectiva e decisiva importância estratégica do Mar para Portugal.

Basta ler, logo no início, o que se entende como «os interesses de Portugal», enunciados exactamente como: «afirmar a sua presença no mundo, consolidar a sua inserção numa sólida rede de alianças, defender a afirmação e a credibilidade externa do Estado, valorizar as comunidades portuguesas e contribuir para a promoção da paz e da segurança internacional», para se perceber do que se está a falar ou quanto aqui se pretende significar.

É também por tudo isso que reputamos da maior importância a Directiva Estratégica do Estado-Maior-General das Forças Armadas 2018-2021, agora publicada, onde, pela primeira vez, num documento oficial respeitando questões de Defesa e de Estratégia Nacional, o Mar assume, de facto, explicitamente, sem ambiguidades nem equívocos, a devida prioridade.

Os mais interessados poderão aceder e ler aqui a referida Directiva, não sendo intuito estarmos a analisá-la e comentá-la em pormenor mas apenas a de chamarmos a atenção para dois ou três aspectos que se afiguram merecer o maior relevo.

Antes de mais, para além de ser, como já referido, o primeiro documento oficial respeitante a questões de Defesa e Estratégia Nacional, onde o Mar assume, de facto, explicitamente, sem ambiguidades nem equívocos, a devida prioridade, tudo o mais daí decorrendo, se procede igualmente a uma análise das respectivas Potencialidades, Oportunidades, Vulnerabilidades e Ameaças, tornando assim também perfeitamente claro as Linhas de Acção o Plano Operacional proposto, sem esquecer a devida e determinante monitorização da respectiva concretização e realização.

Em simultâneo, nunca será demais destacar igualmente a enfeze colocada na unidade das Forças Armadas e do todo nacional, reforçando o conceito de duplo-uso e de maior proximidade das próprias Forças Aramadas à Protecção Civil, bem como, de algum modo, consequentemente, a importância da racionalização de meios, que, afigurando-se questões menores ou, eventualmente, dadas como adquiridas, infelizmente, sabe-se bem como nem sempre assim é. Bem pelo contrário.

Por outro lado, não pretendendo sermos exaustivos e independentemente de outros assuntos que ultrapassam um pouco o âmbito marítimo, como a reestruturação do próprio EMGA, não deixará de ser importante não deixar de sublinhar a atenção prestada igualmente à crescente ameaça de ciberataques, um tema, por vezes, nem sempre devidamente tido em consideração mas, hoje, de facto e cada vez mais, de crucial importância.

De qualquer modo, por inédito que seja, a publicação pelo EMGFA desta Directa Estratégica, assume indiscutível relevância num momento de tão ampla transformação estratégica sem que, tanto quanto se possa perceber, o actual Governo esteja a atribuir a necessária e devida atenção.

Como o actual Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, António Mendes Calado, não deixou de acentuar no seu discurso do passado Dia da Marinha, tanto o processo de adjudicação dos restantes seis Patrulhas Oceânicos, a serem contruídos nos Estaleiros de Viana do Castelo da West Sea, como o conhecimento do mar sob jurisdição nacional, são duas prioridades da Marinha.

Percebe-se fácil e exactamente o porquê de tal chamada de atenção, a questão, porém, não é essa mas a de saber se tanto o Comandante Supremo das Forças Armadas quanto o próprio Governo, estão igualmente conscientes da crucial importância de ambas as questões.

Se assim não for, que a Directiva posa funciona um contributo para que assim seja, é quanto resta esperar _ sob pena de nos podermos dar como nação, de uma vez por todas, definitivamente passada à História.



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