Face à recomendação do CIEM, o Governo decidiu reunir com Espanha e a Comissão Europeia e tomar medidas acrescidas de protecção da espécie, mas não tenciona proibir a pesca da sardinha
ANOPCERCO

A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, não acompanhou a recomendação do Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM, também conhecido pela sigla inglesa ICES), a entidade científica consultada pela União Europeia (UE) sobre os níveis de sustentabilidade da pesca, segundo a qual, em 2018, não se deve pescar sardinha nas águas ibero atlânticas, desde o Golfo da Biscaia até ao estreito de Gibraltar.

No parecer divulgado na passada sexta-feira, o CIEM considera que “o número de sardinhas jovens nos stocks são baixos”, o que se traduz nas taxas de produtividade, e a “biomassa do stock está substancialmente abaixo do limite” desejável. Como tais limites não podem ser alcançados antes de 2019 mesmo sem capturas em 2018, o CIEM defende as “zero capturas” durante o próximo ano.

Diz o CIEM que o stock de sardinha tem diminuído, de 106 mil toneladas em 2006, para 22 mil em 2016. Notícias vindas a público adiantam que no seu parecer, o CIEM sugere cinco cenários para 2018, conforme o aumento pretendido da biomassa, que seria de 12,6% na opção “zero capturas”. Nos restantes cenários, o CIEM admite capturas de 4.259 a 24.650 toneladas.

Para uma captura de 4.259 toneladas, o aumento de biomassa seria de 10,53%; no aso de captura de 5.208 toneladas, a biomassa cresceria 9,73%; com 16.796 toneladas de captura, a biomassa aumentaria 4,47%; finalmente, com capturas de 24.650 toneladas, a biomassa cresceria 0,08%.

O impacto da recomendação do CIEM também é desvalorizado pela Comissão Europeia (CE). Ouvido pela LUSA, um porta-voz da CE recordou que a instituição não proíbe a pesca da sardinha aos Estados-membros, apenas os aconselha “com base em pareceres científicos independentes” do CIEM. A mesma fonte admitiu a preocupação da CE, quer com a importância sócio-económica e cultural da sardinha em Portugal, quer com a sobrepesca.

 

Posição do Governo

 

Numa reacção ao parecer do CIEM, Ana Paula Vitorino já adiantou que face ao limite das 17 mil toneladas autorizado para este ano, vai propor uma redução do limite para Portugal e Espanha no intervalo entre 13.500 e 14.000 toneladas, o que permitirá um crescimento expectável da biomassa de 5,8%. Mas o Governo foi mais longe, no seu empenho em “manter a pesca de sardinha em níveis que permitam a recuperação do recurso”, e recordou que “reforçou a importância do conhecimento, passando a realizar-se três campanhas de investigação, por ano”.

O Governo considerou também que o aconselhamento  do ICES agora conhecido “demonstra que as medidas de redução do esforço da pesca, assumidas pelo sector, permitiram estancar a quebra no estado do recurso após uma redução de 80% do recrutamento da sardinha entre 2004 e 2014”, acrescentando que “em 2016 e 2017 a biomassa de sardinha aumentou ligeiramente, o que permitiu o limite de descargas na ordem das 17 mil toneladas conjuntamente por Portugal e Espanha.

“No entanto, o estado geral do recurso não permite aligeirar as medidas de gestão nem manter o actual nível de capturas”, referiu o Governo, pelo que foram adiantadas desde logo medidas a colocar em prática, que incluem “reuniões de trabalho com Espanha e seguidamente com a Comissão Europeia, estando já agendada a primeira reunião, para concertação sobre as novas medidas de gestão a adoptar” e, em conjunto com o sector, o desenvolvimento e aplicação de “um plano de co-gestão da pesca de sardinha que, com o ajustamento das possibilidades de pesca à situação do recurso, permita garantir a actividade e o rendimento dos pescadores e prosseguir a recuperação do recurso”.

O Governo pretende também “implementar programas e medidas acrescidas de proteção e apoio ao crescimento do stock”, que incluem o reforço das “linhas de investigação, com um novo projecto centrado no conhecimento das variáveis ambientais”, a execução de “um projecto de repovoamento desenvolvido pelo IPMA”, a delimitação de “áreas de não pesca para protecção dos juvenis”, o aumento do “período de defeso da sardinha” e a fixação de “limites de capturas diárias e mensais”.

 

Outras reacções

 

Quem também já reagiu foi a Associação Nacional das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco (ANOPCERCO), que, terá considerado a recomendação do CIEM um insulto aos sacrifícios feitos pelos pescadores para melhorar o stock. Antecipando este diagnóstico do CIEM, no dia 19 de Outubro a ANOPCERCO reiterou o que já tinha manifestado no princípio do mês. Ou seja, que “os pescadores portugueses estão confiantes em poder aumentar as possibilidades de pesca em 2018”, segundo dados então apresentados e que eram do próprio CIEM.

A ANOPCERCO concluía então que “para as organizações de produtores da pesca de cerco o balanço positivo que resulta da apreciação deste conjunto de dados fornecidos pelo ICES não nos liberta das preocupações relativas ao futuro, pois somos os primeiros a ter clara consciência das dificuldades associadas à recuperação do stock de sardinha nas águas ibéricas atlânticas visando a sua sustentabilidade para um cenário de capturas alvo que se definiu ser de 86.000 toneladas”.

E defendeu a sua convicção de que “os dados agora divulgados são manifestamente positivos e que não podem ser ignorados devendo permitir a definição de possibilidades de captura no ano de 2018, que deverão rondar as 30.000 toneladas para Portugal e Espanha”.

Responsáveis da associação aproveitaram para esclarecer que vários factores explicam a diminuição da sardinha face a valores de há 10 ou 15 anos, mas adiantou que o sector também não precisa de um stock tão grande como então porque se adaptou a uma realidade diferente.

Segundo vários meios de comunicação social, Carlos Cruz, presidente da APROPESCA, uma organização de produtores de pesca artesanal da Póvoa de Varzim, considerou que não tem sentido proibir a pesca da sardinha em 2018. Para este responsável, a sardinha abunda na costa portuguesa e os pescadores nacionais têm feito uma “captura responsável”.

Carlos Cruz recordou que as embarcações chegam a partilhar as capturas, para não desperdiçar os recursos, considerou “catastrófico” para o sector proibir totalmente a pesca da sardinha e desafiou os peritos científicos a ouvirem a opinião dos pescadores. E sublinhou que as associações do sector reúnem frequentemente com o Governo para conseguir “gestão responsável dos recursos”.

Por seu lado, a Plataforma de Organizações Não Governamentais Portuguesas sobre a Pesca (PONG-PESCA), também já reagiu, lamentando “os impactos negativos que esta medida terá no sector da pesca, transformação e comercialização de pescado”, mas considerando “que estes devem ser menorizados através do redireccionamento para outros stocks e de medidas de valorização da actividade”.

A PONG-PESCA apelou ao Governo para “que siga as recomendações científicas, articulando as medidas de recuperação e gestão com Espanha” e Gonçalo Carvalho, coordenador da plataforma, considerou que “a situação é lamentável, mas não é de todo inesperada, pois os pareceres científicos e as informações vindas do mar já há muito tempo nos dizem que a sardinha está à beira do colapso”, sublinhando que “é tempo de parar a pesca à sardinha e tomar todas as medidas para esta poder recuperar”.

 

O CIEM esclarece

 

Entretanto, o CIEM esclareceu que nunca recomendou a suspensão da pesca da sardinha por 15 anos, por ocasião da publicação do parecer provisório de Julho deste ano. Diz o CIEM que a sua recomendação foi “de que a regra de controlo da captura (HCR) do plano de gestão não é precaucionaria no curto e longo prazo”.

Segundo o CIEM, o que terá sido indicado foi que a recuperação para um limite seguro da biomassa da sardinha poderia demorar cerca de 15 anos sem capturas. Mas nota o CIEM que “não pode ser atribuído um período de tempo específico para a recuperação, porque é desconhecido quanto tempo irá perdurar a baixa produtividade” da espécie.

O CIEM esclarece também que a publicação da recomendação sobre a captura de sardinha foi remetida para este mês (o parecer de Julho era provisório e não uma recomendação), porque “devido a questões logísticas com o diagnóstico acústico de Primavera português, os dados de 2017 não puderam ser processados a tempo do conselho habitual em Julho”.

 

 

 



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