Se a Lua regula as marés, símbolo feminino por excelência, significa e simboliza a existência de uma Ministra do Mar uma nova maré e um novo ciclo político em Portugal?
Um Conselho de Ministros, exclusiva e especificamente dedicado aos assuntos do mar, presidido por Sua Excelência o Senhor Presidente da República, fica, necessariamente, para todo o sempre, como um Conselho de Ministros Histórico?
Assume especial relevância ter considerado o novo Presidente da República Portuguesa, no seu discurso da tomada de posse na Assembleia da República, o mar como «prioridade nacional»?
Complexo…
Fossem simples perguntas e passível seria a tudo se responder com um simples sim ou não, mas sendo verdadeiras interrogações …
Ah! Complexo, complexo, complexo _ muito complexo! …
Como se sabe e é patente, a existência de um Ministério do Mar, sobretudo numa nação como Portugal, é um absurdo. Um absurdo talvez necessário, um absurdo talvez decisivo, mas um absurdo
O Mar, grafado com maiúscula, propositadamente, para que se entenda do que se fala e se pretende significar, não é um sector como qualquer outro. Não estamos a falar da indústria do calçado, da indústria dos moldes, da agricultura, do sector vitivinícola ou seja lá de que sector for. Estamos a falar de algo que, não deixando de ser passível de ser entendido em múltiplas acepções, é, acima de tudo, conceito ou tropo para significar a Nação Marítima que, por excelência, somos _ ou deveríamos saber ser, com todas as consequências que tal implica.
É o mar transversal a múltiplas actividades? Evidentemente que sim _ e ainda bem que a Ministra do Mar assume acrescidos poderes de coordenação para, na ordem prática, colocar termo a muitas disfunções e mesmo disparates que por ai pululam. Mas não é essa a questão essencial. A questão essencial é que, sendo Portugal uma Nação Marítima, toda a política, toda a estratégia, toda a acção, não deveriam nunca deixar de ser pensadas senão tendo em conta tal realidade, desde a Defesa aos Negócios Estrangeiros, para falarmos apenas de duas das mais importantes funções do Estado, exactamente a Defesa e a Representação Externa, tornando assim algo redundante, senão mesmo equívoca, a existência de um Ministério como o Ministério do Mar que, havendo real consciência de sermos a Nação Marítima que deveríamos saber ser, sendo-o, verdadeira e consequentemente, razão alguma haveria alguma vez para a sua existência. Mas não sabendo sermo-lo, como não sabemos, então exultemos pela existência do Ministério do Mar, por mais absurdo que se figure porque, neste momento dramático que vivemos, talvez seja a última esperança de não desaparecermos na insignificância que, nos vários planos da realidade, infelizmente, temos vindo a mergulhar.
Não tem, assim, em tal circunstância, uma especial relevância um Conselho de Ministros dedicado, específica e exclusivamente, ao mar?
Aparentemente, sim. Antes de mais porque, unindo Presidência da República e Governo, foi dado ao mar um destaque e importância como nunca tinha anteriormente concedida. Logo depois porque, no calor do entusiasmo, talvez, o Primeiro-Ministro assumiu o mar como a prioridade do Governo que nem nas Grandes Opções do Plano reconhecido está e, mais do que isso, manifestando mesmo, uma correlativa preocupação com a afirmação de soberania como nunca ouvido fora antes manifestar.
Não tem tudo isso verdadeiro significado?
Aparentemente, uma vez mais, dir-se-á que sim, mas, se o Primeiro-Ministro dá o mar como prioridade nacional, tendo tal assunção verdadeiro significado, o mesmo não será dizer também estar disposto a assumir todas as implicações daí decorrentes, como seja, por exemplo, quando refere a sua grande preocupação em termos de afirmação de soberania no que ao mar respeita, igual disposição de afrontar a União e a Comissão Europeia, caso necessário seja?…
Imagina-se tal situação? Como, se, hoje, o nosso Direito está subsumido ao Direito Europeu, com generalizado aplauso e sem crítica alguma?…
Alguma vez ouvida foi alguma palavra crítica, em devido tempo, do actual Primeiro-Ministro à cláusula do Tratado de Lisboa sobre as prerrogativas únicas e exclusivas da Comissão Europeia sobre a gestão dos seres vivos da coluna de água da nossa Zona Económica Exclusiva?…
Alguma vez ouvida foi alguma palavra do Primeiro-Ministro, ou do Governo, de simples precaução sequer, sobre a formação da nova Guarda Costeira Europeia?…
Alguma vez decisão ou palavra alguma do Primeiro-Ministro ouvidas foram sobre os Cruzeiros Científicos que navegam nas águas sob jurisdição nacional sem qualquer acompanhamento?…
Alguma vez palavra alguma ouvido foi ao Primeiro-Ministro, desde que tomou posse, sobre as missões de exercício de autoridade do estado no mar cometidas à nossa Marinha, da eventual necessidade do seu reequipamento ou sequer da prioridade de desenvolvimento de outros complementares projectos tendo em vista uma adequada vigilância das áreas marítimas sob jurisdição nacional?…
Não, não se afigura que alguém haja ouvido seja o que for mas também não valerá a pena muito mais elaborar e aprofundar porque, o importante, hoje, independentemente da dificuldade das condições que vivemos, é isto e apenas isto: a retórica deixou de ser a arte de persuadir para se transformar apenas e tão só na arte de iludir, e isso vê-se quando se percebe que nada, verdadeiramente significa ou verdadeiramente se discute. As palavras deixaram de significar _ e tanto assim que, hoje, isto mesmo, poucos o compreendem já.
Mutatis mutandis, estamos como a Vénus de Milo e o binómio de Newton de Pessoa.
Sinais dos dias correntes.
Entretanto, «mudam os tempos, mudam as vontades», uns Presidentes vão, outros vêm. E entre o Conselho de Ministros que não sabemos ainda se um dia poderá vir a ser histórico ou para todo o sempre ficará simplesmente como mais um entre tantos outros, e o momento presente, outro é o Presidente que pontifica já na organização política nacional.
Haverá continuidade no que ao mar respeita e nessa última perfeita consonância entre Presidência da República e Governo?…
Aparentemente, uma vez mais, dir-se-á que sim _ não, porém, sem alguma ironia.
De facto, no discurso de tomada de posse, o novo Presidente _ independentemente da estranha ortografia usada _, logo deixa também bem expresso o seu apego e o dever de continuarmos «a assumir o Mar como prioridade nacional».
Porquê?
Em primeira instância, aparentemente, porque o Oceano nos fez e nos faz grandes, a par do triângulo com vértices no Continente, nos Açores e na Madeira. Não se percebe bem é em que acepção é usada a expressão, «grandes». Em dimensão física, stricto sensu? Sem dúvida. Uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas da Europa e, uma vez aceites, pelas Nações Unidas, os novos limites da Plataforma Continental, mesmo a 11ª maior Zona Marítima do planeta, e a esse triângulo o devemos, sem dúvida. Quanto ao mais, ao que mais importa, foi o Oceano que nos fez grandes? Só transfiguradamente porque quem verdadeiramente nos fez e faz grandes não são senão os grandes homens, todos os grandes e verdadeiros portugueses, dos grandes Reis aos grandes Poetas, Santos, Heróis e Génios que ao longo da vida souberam «da lei da morte ir-se libertando», deixando-nos o seu legado?
Compreende-se a intenção mas, para um jurista, para quem a palavra pesa e conta, ou deve pesar e contar, dir-se-á que a formulação não será a mais feliz. Mas enfim, no calor do momento, na comoção da emoção, com os afectos, ou afetos, à flor da pele, não é grave, tanto mais quanto, em segunda instância e mais importante, logo se afirma igualmente tratar-se de uma prioridade «nascida de uma geoestratégia e, sobretudo, de uma vocação universal».
E tudo parece bem. Muito bem, mesmo. Lê-se, ou ouve-se, para quem haja estado na Assembleia da República atento às palavras de Sua Excelência o Senhor novo Presidente da República Portuguesa. Compreende-se e, quem sabe, até se concorda.
Mas será assim exactamente, i.e., não valerá a pena uma segunda leitura, ou um pequeno exercício de rememoração para quem estava só de ouvido atento?
Ah!…, de facto… De facto, se as palavras perderam significado, os conceitos perderam conteúdo. Quanto na retórica antiga era legítimo recorrer à evidência recorre-se agora simplesmente ao implícito como se evidência fora. Ao implícito ou simplesmente sugerido que, por vazio e, consequentemente, passível de receber todos e os mais variados conteúdos , passa por evidência facilmente aceite por todos, uma vez todos e cada um em particular, poder atribuir-lhe sempre o mais variado conteúdo de acordo, quem sabe, até com os seus mais dilectos afectos.
E, depois, claro, o permanente equívoco e continuado a confusão mental em que vivemos, para se dizer o mínimo.
Afinal, de que geoestratégia se está a falar?
Expôs, em algum momento, Sua Excelência o novo Senhor Presidente da República, o seu pensamento sobre a geoestratégia nacional que refere, de forma a podermos perceber, do que fala quando à geoestratégia de Portugal se refere?
Refere-se, simplesmente, ao «Conceito de Defesa Nacional»?
Se assim é, porque não dizê-lo, aberta e explicitamente? Não ficava tudo mais claro? Ou não é tal «Conceito de Defesa Nacional» aceite por todos e tão consensual quanto Sua Excelência o novo Senhor Presidente da República Portuguesa gostaria ou desejaria que fosse?…
Possivelmente…
Mas, mais enigmático ainda: porquê a estranha troca de factores e o que tal lapsus calami, a sê-lo, nos pode indicar?
Nasce a prioridade do mar para Portugal da geoestratégia ou é a formulação de qualquer geoestratégia que deve e tem de ser pensada tendo exacta e rigorosamente em conta todas as suas mais variadas dimensões de enquadramento e situação, atendendo, em suma, à sua mais real realidade e, consequentemente, à evidência da «prioritária» importância do mar para a sua afirmação no mundo enquanto nação verdadeiramente livre, verdadeiramente independente e tão soberana quanto lhe seja hoje possível sê-lo?
Por outras palavras, deduz-se o reconhecimento da importância ou «prioridade» do mar para Portugal de saber olhar, saber ver, saber pensar a sua realidade, ou resulta apenas de fantasia, mais ou menos arbitrária, mais ou menos utópica, que se pretende impor à realidade e à qual se entende dever a mesma conformar-se?
Por outras palavras, devemo-nos manter firmes na longa tradição do nosso pensamento tão caracteristicamente aristotelizante ou devemos inovar conferindo-lhe mais nórdicos e exóticos traços?
O que nos diz esse pequeno lapsus calami? Que tende mais, Sua Excelência o novo Senhor Presidente da República Portuguesa, à exótica inovação que atento se manifesta à mais inspiradora tradição?
Possivelmente, embora não falhe, naturalmente, no mesmo sentido retórico, a sempre a mesma inevitável evocação da «vocação universal» dos portugueses.
É a «vocação universal», por si só, algo que nos distinga e singularize? Não tiveram, ou têm, gregos, latinos, ítalos, germânicos, francos e britânicos, entre eventaulmente outros, vocação universal, como, na actualidade, mesmo os novos americanos, quer gosta-se ou não, dominando o mundo com a sua tecnologia e cultura, não deixarão de a ter?
Não é dar como simples evidência a suposta «vocação universal» de Portugal, sem mais, no mínimo, igualmente passível dos maiores equívocos?
De que «vocação universal» se está a falar, de facto? O que é que isso significa?…
Mas a quem é que isso interessa? Alguém se preocupa com tais ninharias? Tem tudo isso alguma importância, alguma significativa repercussão?…
Talvez …
Durante anos, enquanto comentador televisivo, nenhuma palavra significativa foi ouvida do novo Presidente da República sobre qualquer preocupação sua sobre os assuntos do mar e correlativa importância para o futuro de Portugal.
É certo não sabermos se em outros fora a sua preocupação se terá manifestado, até de forma veemente, mas, no único discurso que lhe ouvimos sobre o assunto, quando convidado pela PwC para apresentação do 5º LEME, O Barómetro da Economia do Mar, no início de 2015, ao contrário de qualquer preocupação com a importância do mar para Portugal, o que ficou patente foi a inquietação de, inteligentemente, ilibar e justificar todos os políticos que, desde os idos de 1974, nos conduziram ao abandono do mar para nos transfigurarem numa espécie de Nação Continental de segunda que nos trouxe ao triste ponto de evanescência em que nos encontramos hoje.
Não, o mar não é importante para o novo Presidente da República, o que bem se vê também quando, apesar de tão veementemente proclamar o reconhecimento da sua prioridade para Portugal, até hoje, tanto quanto se saiba, não tem qualquer assessor nomeado para os respectivos assuntos nem, como é legítimo deduzir, se prevê que o venha a fazer uma vez que, fosse essa realmente a sua intenção, dada a suposta prioridade atribuída ao mar, prioritariamente o teria feito, com toda a certeza. E não será, por certo também, por lhe atribuir tanta e tão alta importância que ainda impossível lhe terá sido encontrar a pessoa adequada para o fazer. Se assim fora, se, de facto, tão alta importância e prioridade ao mar para Portugal atribuísse, como deveria atribuir, muito antes de ser eleito, tempo teria encontrado para reflectir no assunto.
Não, o mar não é considerado importante e prioritário para Portugal pelo novo Presidente da República, como não o será pela maioria dos políticos portugueses e como, infelizmente, não o será sequer mesmo pela maioria dos portugueses. Ou seja, em termos políticas, real e verdadeiramente, o mar, em Portugal, conta pouco.
Como tampouco para o Primeiro-Ministro o mar assume a prioridade que afirma assumir porque, compreensivelmente, muitas outras prioridades o assolam, a começar, evidentemente, pela economia que hoje tudo domina e esmaga.
Se o mar pagasse as contas já no fim do mês… Mas leva tempo …
Mas assim é, porque se fala então agora tanto da sua importância?
Porque se tornou numa espécie de modinha para embalar tolos, como diria o povo das papas e dos bolos.
Sim, só há uma genuína preocupação na actualidade: a economia, sem mais, sem se perceber sequer que, a economia, a riqueza das nações, se assim se pode dizer, é sempre resultado, antes de mais, da imaginação e consequente acto, não um dado de partida, sempre categoria relativa e nunca nada garantido de uma vez por todas.
E o grave, nesta situação, é que as pessoas percebem que toda a actual retórica em torno da «prioridade» do mar é apenas vã retórica. Grave porque vivemos também um momento de particular cepticismo, de particular falta de ânimo, senão mesmo de desânimo, de descrédito e quando alguém ouve falar da importância do mar ou sua prioridade para Portugal, percebendo bem quão vazia é a vã retórica, a imediata reacção é a dizer para si mesmo, «lá estão eles…», e passar à frente, sem mais, sem um minuto de reflexão, sequer. E a consequência é o que tem sucedido até aqui, ficarmos sentados no cais a elaborar grandes discursos e a vermos o tempo e os navios a passar, a passar, a passar …
Por isso o apelo aos nossos políticos e, muito em particular, ao novo Presidente da República Portuguesa: se nada têm de relevante e significativo a dizer, nada digam porque sempre é preferível o silêncio a contribuírem para o reforço da irrelevância para que caminhamos como nação verdadeiramente livre, realmente independente e ainda relativamente soberana, ao levarem as pessoas a afastarem-se mais e mais do mar.
E aqui chegados, neste enquadramento, terá ainda a Ministra do Mar capacidade de levar a uma mudança de maré e ao início de um novo ciclo, como se formulava na primeira interrogação?
Pelo conjunto e amplitude dos diplomas aprovados e dos assuntos discutidos no referido Conselho de Ministros que, esperamos, possa vir a ser realmente Histórico, a percepção é que, por tudo quanto já noticiado, se está no bom caminho. E mesmo que haja sempre um ponto ou outro menos consensual ou mais discutível, como sempre há, mesmo isso é claro sinal de estarmos no bom caminho porquanto se assim não fora nem sequer que discutir haveria.
Ou seja, dominados pela economia, fazendo o Ministério do Mar o seu trabalho, isto é, aprovando os diplomas e promovendo as medidas que libertem o mercado dos terríveis constrangimentos em que vive, o que fica a faltar são as ideias, as iniciativas e o ânimo dos verdadeiramente empreendedores e investimento dos respectivos investimentos, «transmutando o conhecimento do Mar em verdadeiro poder de acção estratégica e consequente capacidade de realização económica», como foi desde sempre lema deste Jornal.
Mas a mudança de maré, a entrada de um novo ciclo, já não dependerá tanto da Ministra como de todos nós, de quem acredita verdadeiramente na importância do mar para Portugal, dos novos e verdadeiros heróis do mar, se assim se pode dizer, de quem, sem temor, com a coragem, a determinação e a sabedoria dos que souberam fazer Portugal verdadeiramente grande, souberem imaginar «os novos mundos a dar agora ao mundo», sabendo também, como os melhores e mais antigos, «da lei da morte ir-se libertando».
Nada de extraordinário.
Afinal, é exactamente para isso que aqui estamos também.