Diz a sabedoria popular que não há no mundo mal tão absoluto que não contenha em si mesmo ainda o resíduo de algum bem, exactamente o que se afigura suceder com a actual greve de estivadores no Porto de Lisboa.

É difícil não defender o direito à sindicalização como um direito inalienável das pessoas a associarem-se livremente da forma que mais lhes aprouver em perseguição dos seus interesses, sejam profissionais, culturais, religiosos, de lazer e entretenimento ou sejam lá eles quais forem. Já as prerrogativas, privilégios, excepção e impunidade concedidas aos sindicatos se afiguram completamente inadmissíveis, como toda a radicalizada situação vivida actualmente no Porto de Lisboa o manifesta e prova de forma insofismável.

No entanto, a radicalização de posições tem, por vezes, também as suas eventuais virtudes, como seja, por exemplo, no caso, tornar patente quanto, nas preocupações do dia-a-dia, vai passando despercebido ou não se atribui a devida importância, obrigando assim, por consequência, a uma igualmente radical atitude, profilática, como agora não pode deixar de suceder.

De facto, se não há mal tao absoluto no mundo que não contenha em si mesmo o resíduo de algum bem, ou do qual não resulte sempre algum bem, como ensina a sabedoria popular herdada de Santo Agostinho, também neste caso, em toda a aparenetemente perniciosa situação vivida actualmente no Porto e Lisboa, há um bem, pequeno que seja, que importa preservar acima de tudo: a Porlis.

Sim, discutem-se as repercussões nacionais da greve, a sua desproporcionalidade, os eventuais interesses obscuros por detrás de tudo, ponderando-se agora as mais variadas possibilidades, desde a instauração de uma possível requisição civil a sabe-se lá mais o quê, quando, afinal, o ponto crítico, crucial, como os sindicatos bem sabem, é apenas este: libertar o mercado da estiva e o Porto de Lisboa, de uma vez por todas, do monopólio contranatura e contra-económico existente que, nesse particular, o atrofia, esmaga, corrói e destrói, deixando operar livremente a Porlis e todas as outras Porlis que eventualmente daí venham a nascer, em defesa e louvor dos próprios estivadores,.

Tão simples como isso, aplicando também, evidentemente, com o rigor que se impõe, a lei vigente, sem as concessões nem as excepções habituais concedidas aos sindicatos e ao Porto de Lisboa como se o Porto de Lisboa não fora território nacional sujeito às mesmas universais leis aplicáveis a todo o território nacional.

Capitular neste ponto não será apenas uma vergonha, será cometer o maior erro político que neste momento se poderá cometer, adiando um problema que aí permanecerá pronto a explodir e a agravar-se a qualquer momento, só porque sim ou só porque não.

Que o Governo tenha verdadeira consciência disso e actue consequentemente, com verdadeiro sentido de Estado, com verdadeira visão Política, é o mínimo que se espera e se impõe. Nada mais.

O resto virá por acréscimo.



Um comentário em “Em Defesa e Louvor dos Estivadores”

  1. Marco diz:

    Isso teria alguma lógica se fosse numa situação como existe em Setúbal onde existe duas ETP’s a Setulpor e a Operestiva.
    Onde as remunerações são muito similares. Nunca o caso de Lisboa que são vergonhosamente díspares.
    Continua a ser ridículo querer-se baixar a factura portuária sempre pelo lado do trabalhador. Até porque o consecionario cobra o mesmo quando paga menos pelos funcionários.
    Alguém tem que pagar os porches dos administradores dos terminais.

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