Vale a pena olharmos ainda uma vez mais para o mapa de Portugal para ver se percebemos, de uma vez por todos que somos, acima de tudo e essencialmente uma Nação Atlântica, talvez mesmo a Nação Atlântica por excelência?

Sim, vale a pena. Vale a pena porque andamos tão distraídos há décadas com a Europa que parece termos cegado completamente em relação ao Atlântico, não vendo mais para além da Onda da Nazaré que, eventualmente, nos tapa a vista _ independentemente da sua real importância para ajudar a dar a conhecer também Portugal ao Surf e ao Mundo.

O facto é que o Atlântico é vasto e Portugal, como Nação Atlântica de configuração quase arquipelágica que poucos parece darem a devida atenção, devia ter uma consciência, até das suas responsabilidades nesse âmbito, que está longe de ter.

Fala-se, é certo, não raras vezes, no célebre Triângulo Estratégico, Continente-Açores-Madeira mas, como se tem defendido, esse é um fraco Triângulo Estratégico porque o nosso verdadeiro Triângulo Estratégico é formado pelas linhas Continente-Açores, Açores-Cabo Verde e Cabo Verde-Madeira-Continente. Esse, sim, o verdadeiro Triângulo Estratégico.

No entanto, além de não termos sabido olhar devidamente por Cabo Verde, não obstante todos os passos de aproximação dados, não nos podendo esquecer sequer as razões e condições que permitiram disporem ainda hoje de uma moeda como o Escudo Cabo-Verdiano, acabámos por os abandonar à influência de Espanha e França, como se isso nada importasse _ como ainda hoje se dá aqui notícia no nosso Jornal da Economia do Mar.

Inversamente, para Sul, o Triângulo Lusófono, com vértices em Cabo Verde, Angola e Brasil, não é menos importante.

Mesmo historicamente, o Atlântico é um Oceano Português na exacta medida em que foram os Portugueses que o souberam conquistar, ou dominar, descobrindo e determinando, por inteligência e muita ciência de experiência feita, o famoso Regime dos Alísios.

Foi a Europa a desbravar os mares?

Ó santo disparte, ó santa ingenuidade. A Europa, dos futuros Espanhóis, Ingleses, Holandeses e Franceses, mais não fizeram senão seguir-nos, não tendo chegado nunca onde nós não tivéssemos chegado primeiro _ salvo aos Pólos _, tudo tendo começado exactamente pela Atlântico.

Mas não é História que agora importa. O que passou à História passado está. Mas importa, isso sim, perceber que, nos trânsito da sucessão irremediável, algo perdemos sem, aparentemente, algo mais termos ganho, perdendo também, ao longo dos dias, todo e qualquer sentido verdadeiramente estratégico.

Poderíamos também voltar a relembrar, ainda uma vez mais, a importância e centralidade do Atlântico em termos de recursos, desde os hidrocarbonetos aos recursos minerais, aos biológicos, dispondo nós, até, de uma das mais ricas biodiversidades marinhas do planeta, como ainda piscícolas. Mas não é isso que aqui mais nos importa directa e imediatamente mas, acima de tudo, aos problemas de Segurança, onde, naturalmente, todas essas questões também se inserem ou estão sempre subentendidas.

Colocando tudo em diferente ou na devida perspectiva, a interrogação que devemos formular, neste momento, não é a de sabermos qual deve ser a nossa posição quando os Estados Unidos da América passam uma fase de transição de Presidência, há um Brexit eminente e os enquadramentos marítimos europeus, ou talvez melhor dito, o interesse de afirmação marítima de algumas nações europeias, são o que sabemos ou fingimos não ver?

Centrando-nos agora sobre os Estados Unidos da América, ainda, e por muitos anos, a Potência marítima do Mundo, não obstante os interesses em quase todos os mares do planeta, sem dúvida, do Árctico ao Mar do Sul da China, o Atlântico continua a ser determinante, não deixando de ser a sua suposta queda de importância em termos absolutos uma espécie de ilusão óptica muito marcada pela distorção de perspectiva provocada pela rápida ascensão, em paralelo, da importância da Ásia-Pacífico.

De algum modo, a mesma ilusão que não permite atender com a devida atenção ao Índico, uma espécie de Oceano esquecido ou mal lembrado apenas pela questão da Somália, questão descida, aparentemente, até a uma quase mera situação de polícia de bairro.

Atendendo a todos estes enquadramentos, não será muito difícil, mesmo sem mais, concluir que, ao contrário do que se faz crer, a ascensão da importância relativa tanto da Ásia-Pacífico quanto do Índico, não só não retira importância geoestratégica ao Atlântico como, mais ainda, a reforça.

É isto que, para uma nação como Portugal, cremos, importa perceber, não se devendo confundir nunca questões ou disputas de carácter comercial com questões de carácter geoestratégico.

Pelas afirmações do novo Presidente dos Estados Unidos entendemos que os Estados Unidos seguem uma via isolacionista?

Não é necessário recuar muitos anos par vermos os Estados Unidos darem pouca importância a várias questões de segurança no Atlântico, entre as quais e principalmente, aos tráficos de vária índole que circulavam entre as suas margens, vindo sobretudo do Sul das Américas em direcção à Europa, via África.

Não os preocupava até terem percebido que esses tráficos de vária índole tinham também como finalidade financiar o terrorismo que, de uma forma ou outra não deixaria de poder vir a constituir não apenas uma ameaça mas também transformar-se mesmo em actos profundamente destrutivos, momento em que não tiveram pejo em reactivar a da 4th Force, com sede na Florida, dotando-a, desde logo, com um porta-aviões nuclear, o George Washington e mais 11 navios, embora declaradamente sem estrutura fixa, com a missão e objectivo específico, vigiar o Atlântico Sul, bem como, a par disso, de constituírem o AfricCom, por razões não menos óbvias.

Dir-se-á ser essa a época, nos primeiros anos da primeira década do novo Século, em que os Estados Unidos teriam como objectivo estratégico substituir o Golfo Pérsico pelo Golfo da Guiné como uma das suas importantes fontes de fornecimento de petróleo, não se podendo atribuir já a mesma importância a tal objectivo estratégico em função da evolução entretanto verificada na exploração do gás de xisto e do petróleo de xisto, conferindo-lhes uma autonomia energética que há muito não possuíam?

Sem dúvida, tudo isso é, em parte exacto, mas não se conhece também, em contrapartida, qualquer alteração do preceito de mais valer estarem a combater na distância do que na borda das suas fronteiras ou, mais ainda, dentro de fronteiras.

E não continua a ser, e cada vez mais, exactamente o Golfo da Guiné um dos pontos mais críticos em termos de pirataria internacional?…

Quando olhamos para o Atlântico não devemos, antes de mais, saber entender o seu valor estratégico e os respectivos enquadramentos?

E nós, Portugal, que nos importa fazer? Que papel queremos assumir?

Devemos ficar, quedos e mudos, meros espectadores, sem nada a determinar nem a defender?

E é exactamente por tudo isto que é igualmente tão importante ouvirmos, no próximo dia 21 de Fevereiro, Terça-feira, quem, por muito ter estudado e acompanhado ao longo dos anos estas questões, como sucede com Armando Marques Guedes, de forma a podermos pensar, a outra luz, o Atlântico, que é como quem diz, também, Portugal, determinando também o seu futuro, não haja a mínima dúvida, o futuro de Portugal depende, antes de mais e acima de tudo, de quem o souber seriamente pensar.



Um comentário em “Cegueira Atlântica”

  1. José Carlos Gonçalves Viana diz:

    O mais grave da cegueira atlântica portuguesa é continuarmos a falar de mar e ao mesmo tempo desprezarmos a Marinha, os projetos náuticos alguns com mais de 20 anos, a educação náutica da juventude, o acesso fácil de barco ao mar, tudo isto com muitas reuniões e publicações mas pouquissima navegação. E não é por falta de informação pois desde 1984 que na Academia de Marinha e na Sociedade de Geografia de Lisboa houve muitas comunicações sobre estes temas mas a que ninguém com poder de decisão prestou atenção.

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