Parafraseando Bastiat, um dos mais notáveis economistas de todos os tempos que definia o Estado como «a grande ficção social através da qual cada um tenta viver à custa de todos os outros», talvez possamos definir hoje Portugal também como uma nação onde, além disso, cada um tenta sempre passar todas as pessoais responsabilidades para todos os restantes outros.
Exageramos, naturalmente, como Bastiat também exagerava mas, por vezes, não deixa de ser necessário um certo tipo de exagero para tornar bem patente o que, não deixando de ser simples evidência, exactamente por ser simples evidência, é por vezes mais difícil de ver, tanto quanto, também, não menos raras vezes, por todas as suas implicações, é mais difícil de aceitar.
De facto, em Portugal, na actualidade, poucos parece darem-se ao exercício de perceber, como preceituava Epicteto, quanto depende de cada um e quanto de cada um não depende, ou seja, nos seus próprios termos, «quanto depende de nós e quanto de nós não depende», com a agravante de se tender sempre, num primeiro momento, pelas mais atávicas razões, a conferir ao Estado e a exigir do Governo, prerrogativas e responsabilidades muito para além das que, legitimamente, podem e devem ser conferidas a um e exigidas a outro.
Dir-se-á estar-se aqui a abordar um tema vasto, complexo e particularmente controverso, muito para além, eventualmente, da mais directa questão da economia do mar ou dos assuntos marítimos. O tema é vasto, complexo e particularmente controverso, por certo, mas, ao contrário do que se possa talvez entender numa primeira instância, não só está profunda e intrinsecamente ligado à economia do mar e aos assuntos marítimos, como é mesmo absolutamente determinante e decisivo para o nosso futuro em tais domínios, sobretudo num momento de mudança de legislatura, quando nos encontramos já em plena execução do Quadro de Apoio de Fundos Comunitários, o Horizonte 2015-2020 e a Europa e o Mundo se maritimiza, se assim podemos dizer, como nunca.
Não nos podemos esquecer, de facto, estar a Europa a olhar para o mar como nunca olhou, querendo afirmar-se como a grande potência marítima do Séc. XXI, como já foi no passado, como Karmenu Vella, o Comissário das Pescas do Ambiente e dos Assuntos Marítimos, não se cansa de repetida e continuamente sublinhar; muitas nações europeias estarem igualmente a olhar para o mar como nunca olharam, não deixando de querer afirmar-se igualmente como futuras potências marítimas, no seu todo ou em parte, desde Espanha, França, Itália, Noruega e Dinamarca, além, evidentemente, de Inglaterra ou até mesmo a Alemanha, bem como o mundo, em fase de mudança, olha hoje o mar como nunca olhou anteriormente, da China ao Japão, da Rússia à Austrália, dos Estados Unidos ao Canadá, Brasil, Índia e mesmo Turquia, para citar apenas alguns dos casos mais conhecidos, o que não deixa de significar também avizinhar-se uma fase de rivalidade, concorrência e competição, sem tréguas nem contemplações, para a qual temos, imperativamente, de saber preparar-nos.
Ou seja, em primeiro lugar, é necessário uma visão do que Portugal quer e pode fazer no domínio da economia do mar em particular e dos assuntos marítimos em geral. Para transformar essa visão em acto, irão ser necessários empresários e, naturalmente, capacidade de investimento, de atracção de investimento, e, claro, os meios humanos adequados que permitam passar, como vulgarmente se diz, da teoria à prática, ou seja, da fase de conceptualização de projecto à sua efectiva concretização.
Em tal enquadramento, ao Estado, sendo seu primordial preceito a efectivação do Direito, cumpre-lhe, antes de mais e acima de tudo, assegurar e garantir a necessária e devida estabilidade jurídica nos vários planos das formas de relação dos homens entre si e das formas de relação dos homens com o mundo, segundo os princípios da Liberdade e da Justiça.
Ao Governo, sendo sempre o Governo da República, cumpre-lhe, antes de mais e acima de tudo, como a própria expressão indica, zelar pela «coisa pública», garantindo a todos, de acordo com os interesses e finalidades da nação, o que nenhum particular, por si só, pode garantir, desde a administração da riqueza comum à Defesa e Segurança território e património, até, ao estabelecimento das alianças internacionais que só a Diplomacia entre Estados, numa correcta adequação de meios a fins, pode estabelecer.
Entre essas prerrogativas e responsabilidades do Estado e do Governo, sabemos ter sido já publicada, por exemplo, a Lei de Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo, bem como a respectiva Regulamentação, no que foi um primeiro passo decisivo, como sabemos continuarmos, todavia, sem um Sistema de Licenciamento ágil e expedito, indispensável a uma efectiva capacidade de atracção de investimento, onde uma adequada Lei Fiscal, com garantia de devida estabilidade, é igualmente decisivo, como sabemos ser igualmente necessário a visão de integrar uma Política para o Mar com uma Política Ambiental, uma Política Energética e uma Política de Transportes numa estratégia única que sirva, de facto, os nossos interesses, mas tudo isso nada é, nada será, se, entretanto, não revertermos a propensão, inicialmente referida, de tender sempre a passar as responsabilidades próprias para todos os restantes, a começar exactamente pelo Estado e pelo Governo.
Ou seja, é necessário que cada um perceba exactamente «o que depende de si e o que de si não depende» e, evidentemente, precisamos de investidores e tanto ou mais que investidores, de empresários, de verdadeiros empresários, com visão e sentido de risco, sobretudo quando o Programa Quadro de Fundos Comunitários, o Horizonte 2020, já em execução irá distribuir milhões por toda a Europa fora, incluindo Portugal, e, independentemente da perversidade que sabemos os mesmos comportarem também, se torna indispensável saber aproveitá-los de forma o mais inteligente possível.
Em 2015, em plena mudança de legislatura, quando a Europa distribui milhões, muitos dos quais directamente ligados ao mar, e o mundo começa também a maritimizar-se como nunca anteriormente, é isso mesmo que é necessário, uma nova atitude de investidores e empresários que, sabendo exactamente o que querem fazer, e como, só pedem e exigem uma coisa do Estado e do Governo: que cumpram as suas prerrogativas e responsabilidades, assegurando e garantindo as condições para a prossecução plena da mais livre iniciativa particular, sabendo que projecto algum, a falhar, não falhará senão por exclusivas razões próprias e nunca pelas mais espúrias, aleatórias ou, eventualmente mesmo, as mais arbitrárias razões administrativo-burocráticas.
Que a constituição da Fundação Oceano Azul seja, de facto, um bom prenúncio de que algo começa realmente a mudar.