O quadro negro do transporte marítimo levou a Portline Bulk International a adaptar-se à realidade. Especialização e segurança foram palavras de ordem.

A partir de Maio, a Portline Bulk International (PBI) vai passar a gerir dois novos navios, o Port Estrela e o Port Orient, que estão em construção no estaleiro de Dalian, na China, sob supervisão japonesa, e devem ser entregues em Maio e Junho, respectivamente.

Ambos são graneleiros Ultramax, da Classe ABS, construídos pela Dacks, e têm uma tonelagem de 61.200 DWT, comprimento de 199,90 metros, boca de 32,24 metros e calado de 13 metros.

Com estes dois navios, conclui-se uma série de três sister ships com entregas previstas para 2016, que também inclui o recente Port Belavista, de 61.350 toneladas de DWT, 32,24 metros de boca, cerca de 199,9 metros de comprimento, e com 4 gruas de 30,5 toneladas, 4 garras de 14 m3 de volume, 5 porões e 5 escotilhas.

O Port Belavista foi construído em Nantong, também na China, igualmente sob supervisão japonesa, e já está na posse do armador. “Estamos satisfeitos com este navio”, reconhece Cristina Alves, Administradora Executiva da PBI.

Em 2017, a PBI irá gerir mais dois navios, novamente dois graneleiros Ultramax, da Classe NK, o S 888 e o S 889, desta vez construídos nos estaleiros de Imabari, no Japão. Terão uma tonelagem de 63 mil DWT, comprimento de 199,90 metros, boca de 32,24 metros e calado de 13,40 metros.

 

O fim dos contentores

 

Foi esta aposta no mercado dos graneleiros que justificou a recente venda da Portline Containers International (PCI) à Via Marítima, do Grupo Sousa. Ao contrário do que agora sucede, “os porta-contentores eram adquiridos em segunda mão, consoante as necessidades”, refere Cristina Alves.

Actualmente existe um plano específico para navios graneleiros, que remonta a 1990, com o Capesize Bartolomeu Dias. Em 1999 comprou-se o Capesize Vasco da Gama, depois vendido em 2002. Entretanto foram encomendados dois Supramax, entregues em 2001, o Port Estoril e o Port Lisboa, construídos no Japão, com os quais “ficámos satisfeitos”, refere a Administradora Executiva da PBI. Depois, em 2002, “comprámos o Achilleus, também japonês, com um ano de idade”, a que se seguiu a encomenda de mais quatro graneleiros Supramax, entregues em 2004 e 2005.

Entretanto, em Setembro de 2003, a empresa comprava o Capesize Carouge em segunda mão e em Outubro recebia outro Capesize novo, o INA, de 176 mil toneladas, “um navio fantástico”, reconhece Cristina Alves, a propósito do único Capesize que a PBI gere actualmente, mas que não tem sido afectado pela crise no transporte marítimo. E posteriormente, apostou-se em mais seis navios graneleiros, entregues entre 2008 e 2012, pelo que “foi normal concentrar os esforços apenas nos granéis, na especialização”, afirma a mesma responsável.

A vantagem dos Supramax, mais pequenos do que os Capesize, é a sua flexibilidade, até porque têm sistema de carga/descarga próprio. “Vão a muito mais portos do que os Capesize, que só vão a certos locais, por causa da sua dimensão, e transportam pouca variedade de carga, sómente carvão e minério”, refere Cristina Alves. “E se não carregam carvão e minério, geralmente do Brasil e Austrália, sobretudo para a China, estes navios páram”, conclui, assumindo que China e Brasil são fundamentais nesta equação.

 

Uma estratégia prudente

 

Neste momento, a estratégia da PBI passa por gerir, essencialmente, navios contratados no regime designado por time charter trips (TCT), ou em Time-Charter (período) curto ou médio, segundo o qual cabe ao fretador a responsabilidade de factores como o combustível, as consequências da duração da viagem, estiva, agentes de navegação, entre outros. Este sistema é particularmente adequado para navios “vagabundos”, que escalam portos pouco conhecidos, excepto pelos carregadores e recebedores que os utilizam e estão familiarizados com eles.

“Não nos ligamos a uma operação se desconhecermos o tempo que leva ou se os custos que nos imputam são reais”, refere Cristina Alves. “Nestes casos, e sobretudo com navios que estão na Ásia, fechamos o negócio em time-charter, para não nos envolvermos em coisas que não conhecemos, sendo os encargos por conta do cliente que usa o navio”, adianta a Administradora Executiva da PBI. O aluguer é pago ao dia, e não ao valor do frete por tonelada transportada. Alguns navios que gerem, todavia, são alugados no regime de short period, de 4 a 6 meses, ou por 12 a 18 meses, para prevenir alterações de mercado.

Os navios geridos pela PBI estão em todo o mundo, em particular na Europa, Ásia, Austrália e América do Sul, e transportam todo o tipo de carga de granéis habitualmente colocada nessas embarcações: muito minério de ferro, carvão, fosforitos, cimento, clínquer, areia, alumina e fertilizantes. Já os portos africanos, com exclusão da África do Sul, “são destinos mais complicados, pela demora nos serviços e alguma falta de informação”, refere Cristina Alves.

De acordo com esta responsável, a PBI “é bem recebida no mercado”. “Colaboramos, somos flexíveis, honestos, competentes e fair deal, embora não nos deixemos pisar”, acrescenta. Para este resultado contribui uma equipa de 42 pessoas, fora as tripulações, que têm 20 a 22 elementos cada e são, normalmente, romenas, embora também existam ucranianas. “E ultimamente, temos experimentado uma solução que funciona bem: tripulações filipinas com oficiais ucranianos”, refere. Existem também alguns navios com oficias superiores portugueses (Comandante, Imediato, Chefe de Máquinas).

Quanto aos navios, a PBI, em rigor, não é sua proprietária. “Somos prestadores de serviços, desde as componentes técnica, comercial, administrativa, às tripulações”, refere a Administradora Executiva. Os navios pertencem a armadores reunidos na Portline Holdings, sedeada em Hong-Kong, e são geridos pela PBI. No caso da empresa, os armadores são de Malta, Panamá, Hong-Kong e Libéria. “Neste momento, continuamos a ter os navios todos ocupados, o que já não é mau, mesmo com carga que pague pouco”, face à situação do mercado. Uma estratégia baseada na prudência. “Não vamos à procura dos hires mais elevados, porque eles podem não surgir, mas de negócios seguros”, admite Cristina Alves.

Os gráficos abaixo, baseados em índices internacionais, apresentam um panorama dos valores do tipo de navios geridos pela PBI. O primeiro é um índice de fretes dos granéis sólidos e regista as médias de valores dos últimos 30 anos e respectivos ciclos, sendo visível a queda desde 2010. O segundo e o terceiro medem os valores de time-charter diário (dólares/dia) mas a partir de 2006 e conforme tipos de navios (Supramax e Capesize). Em termos gerais, confirma-se a tendência geral para a queda do preço dos fretes dos granéis sólidos desde 2010.

 

Portline G

Em todo o caso, a Administradora Executiva da PBI admitia recentemente a maior volatilidade dos Capesize face aos Panamax, que os tem levado a fortes quedas. Como a maioria dos navios geridos pela empresa são Supramax, estão menos sujeitos variações radicais.

Quem tem beneficiado com estes ciclos são os armadores gregos, na opinião de Cristina Alves. “Eles compram navios em baixa, param-nos e revendem-nos em alta, com elevada margem de lucro”, explica. “Mas estão a ser pressionados pela Comissão Europeia por causa das condições que têm e que lhes permite ter uma grande frota com bandeira grega”, com a qual Portugal não pode competir.

 

Um mercado em crise

 

Mesmo apostando na prudência, a crise no sector não deixa ninguém descansado. Cristina Alves, embora admitindo com naturalidade ciclos relativamente ao valor dos navios, tem explicações para a situação actual. Uma reside no forte investimento feito por fundos no transporte marítimo ao longo dos últimos anos. Outra é a desaceleração da economia chinesa. E ambas estão interligadas.

“Quando pensaram em apostar no shipping, os Fundos de Investimento pensaram que era um negócio rentável, sem saberem do que estavam a falar, e o resultado foram grandes injecções de capital na construção de navios por parte de pessoas que não sabiam o que é um navio”, explica a Administradora Executiva. Hoje, há navios a mais para a carga disponível. “Houve expectativas erradas, porque um navio demora tempo a construir, sendo que quando se encomenda uma unidade, ela pode valer X, mas quando sai do estaleiro pode valer muito menos, apenas porque o mercado evoluiu”, refere.

A retracção da economia chinesa foi precisamente um factor determinante na evolução do mercado ao longo dos últimos anos, porque a China era um grande escoadouro de mercadorias. O tempo do crescimento de dois dígitos é hoje uma miragem. Menos mercado significa menos carga e menos carga significa menos transporte.

E o efeito combinado destas realidades pode ser devastador. Um deles é o abate precoce de navios. “Normalmente, os Supramax eram desmantelados com 25 a 30 anos e os Capesize com vinte e tal, mas hoje já há navios de 15 anos na sucata”, refere Cristina Alves.

Outro efeito da crise é desvalorização do tipo de carga transportada. Nesta fase, “os carregadores e os recebedores optam por carga mais barata, como a bauxite, o coque de petróleo, a sucata, a areia, que valem menos do que os cereais e o alumínio, mas que prejudicam mais os navios porque são mais sujas”, esclarece a Administradora Executiva. E isso reflecte-se no custo das operações porque o navio fica sujo, o que implica grandes e caras limpezas, “menos necessárias e mais económicas se os produtos fossem outros, como cereais”, explica.

Face a este quadro, Cristina Alves mostra-se céptica. Considera que as fusões verificadas entre grandes transportadoras em todo o mundo não vão modificar nada. “Vão afastar os operadores mais pequenos e ficar com o mercado que lhes pertencia”, admite. “É certo que existem os nichos de mercado, mas quando se aperceberem disso, os grandes transportadores tomam conta deles”, prossegue.

“A solução é aumentar o desmantelamento para reduzir a oferta e fazer subir os preços”, adianta, sem acreditar em grandes modificações no próximo ano. Os conflitos armados são maus para o negócio e tornam alguns portos destinos a evitar. A questão da segurança, aliás, está na ordem do dia. A Administradora Executiva da PBI esclarece que “as seguradoras obrigam à existência de guardas armados a bordo quando se trata de navegar por certas zonas”. E reconhece que tais guardas são, de facto, um dissuasor, no caso da pirataria.

Por outro lado, o Brasil, “que era um excelente exportador de minério”, está a piorar, e a China está em transformação, designadamente, apostando noutras energias que não o carvão, “e isso é mau para nós porque o carvão era uma das principais cargas transportadas pelos nossos navios”.

O regresso do Irão ao mercado poderá dinamizar “alguma coisa”, até porque significa “mais carga que não havia até aqui, e isso é bom”, diz a mesma responsável. Mas nem isso lhe rouba o cepticismo. “Estou expectante, até porque eles terão que colocar tudo aquilo a funcionar”, refere, pensando em navios obsoletos e infra-estruturas desactualizadas.

No plano das contrariedades, a par da conjuntura económica pouco favorável, a Administradora Executiva da PBI acrescenta o risco das catástrofes naturais e, sobretudo, o excesso de novas regras e regulamentações aplicáveis ao sector, nomeadamente, “por causa da poluição e das águas de lastro”, que implicam uma despesa cada vez maior por parte dos armadores para manterem a indústria sustentável. “Sem que tenham depois a contrapartida das cargas e de emprego para os navios”, adianta.

O apelo que deixa é o da necessidade de ter a noção de que este sector “depende de ciclos, onde a economia global, a nova legislação ambiental, as guerras e o clima têm um impacto determinante”, pelo que rejeita certos riscos excessivos corridos pela especulação financeira, que não terão tido em consideração estes factores.

 



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