Ainda hoje, a imagem de Portugal no exterior é essencialmente a de uma Nação Marítima, com todas as implicações que tal tem.
Nem sempre teremos completa consciência disso, mas é um facto, por mais estranho que se nos afigure até.
Francis Vallat, o responsável pela constituição do Cluster Marítimo Francês, primeiro, e mais recentemente da Rede Europeia de Clusters Marítimos, esteve, como se sabe, na nossa Conferência «If the Oceans Will Rule the World, Who Will Rule the Oceans», assim como o actual Presidente do Cluster Marítimo Francês, Frédéric Moncany.
No caso de Francis Vallat, para além do interesse no tema, logo manifestado no momento do convite realizado, faz agora um ano, no decorrer do Euromaritime, não deixando de exclamar ser um tema do seu maior interesse mas não encontrar quem quisesse debater consigo tal assunto, logo aceitando o mesmo, já em Lisboa, não deixou de acentuar também o respeito que tem por Portugal como a nação que, de facto, conduziu a Comissão Europeia e, por conseguinte, toda a União Europeia, a olhar para o Mar, para os assuntos marítimos, mesmo para os Oceanos, com renovado olhar.
Referia-se Francis Vallat, naturalmente, à Presidência de Durão Barroso e a todo o importante trabalho iniciado por Tiago Pitta e Cunha de abrir a Comissão e a União Europeia ao desenvolvimento de uma verdadeira Política Marítima que não se restringisse apenas à mais tradicional e circunstanciada Política Comum de Pescas.
O sucesso da iniciativa é conhecido e reconhecido, bem como os posteriores contributos de Portugal na elaboração e formulação das várias políticas, incluindo, naturalmente, toda a Política Europeia para o Atlântico no tempo em que João Fonseca Ribeiro exercia as funções de Director-Geral da Direcção-Geral de Política do Mar.
O que nos importa aqui, porém, não é expor o historial das Políticas Marítimas Europeias, da DG MARE e dos contributos nacionais, mas de dois ou três aspectos que se nos afiguram relevantes e que entendemos merecerem ainda alguma reflexão.
Quando Durão Barroso assumiu a Presidência da União Europeia, em 2004, tinha acabado de ser publicado o relatório, «O Oceano, Um Desígnio Nacional para o Século XXI», coordenado por Tiago Pitta e Cunha.
Apesar da sua inegável importância, à época, o Relatório passou mais ou menos despercebido, mais parecendo uma edição clandestina do que um documento a que o próprio Governo de então atribuísse a decisiva importância que, de facto, tinha, para o que então se designava como o imperativo desígnio de proporcionar «o regresso de Portugal ao mar».
Não obstante, nos tempos subsequentes, como se sabe, fazendo curta uma longa história, foi constituída a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, dirigida então por Manual Pinto de Abreu, assim como viria a surgir igualmente a primeira Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar, sob a direcção de Miguel Sequeira, a quem coube a responsabilidade de elaboração da primeira Estratégia Nacional para o Mar, bem como, em paralelo, a então Associação Comercial de Lisboa, encomendava a Hernâni Lopes o estudo sobre o que viria a ser conhecido como «O Hypercluster do Mar», com o principal intuito de apresentar as principais propostas que permitissem «tornar Portugal, na viragem do 1º para o 2º Quartel do Séc. XXI, num actor marítimo relevante, a nível global».
Publicado em finais de 2009, por todos os antecedentes e, mais ainda, pela crise económico-financeira então vivida e que todos temos ainda bem na memória, o estudo não deixou de ter significativo impacto _ e tanto mais impacto quanto parecia fazer ver novas oportunidades a Portugal quando Portugal parecia sem oportunidade alguma.
Com a subsequente constituição do Fórum Empresarial da Economia do Mar, no âmbito da mesma Associação Comercial de Lisboa, hoje Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, dinamizado essencialmente pela grande figura que foi Fernando Ribeiro e Castro, por um momento, Portugal parecia estar a virar-se decisivamente para o Mar, não deixando sequer o Mar de ter voltado a subir a Ministério em 2011, mesmo se então conjugado com a Agricultura e, inicialmente, até com o Ordenamento do Território.
Mas os anos foram passando, o ímpeto inicial foi esmorecendo e apesar do lançamento em 2014 do Jornal da Economia do Mar, chegamos a 2018 numa situação, no mínimo equívoca.
Antes de mais, quando rememoramos, mesmo que a voo de pássaro, todos estes anos, vem-nos de imediato à memória a crítica que então formulávamos à oportunidade da própria iniciativa de levarmos a Europa a olhar para o Mar antes mesmo de nós estarmos completamente preparados para conduzirmos, por um lado, mais efectivamente o respectivo desenvolvimento, bem como, por outro, mais aptos também a beneficiarmos realmente de todo esse desenvolvimento.
Ou seja, seguindo a estratégia seguida e não a inversa, não estávamos a correr o risco de acabarmos relativamente ultrapassados por terceiros como, de algum modo, se tem vindo a verificar?
A interrogação ou crítica, era legítima mas hoje temos de reconhecer não deixar de ser fruto também de alguma ingenuidade própria de quem tinha a ilusão de Portugal estar, finalmente, a conceder e a atribuir ao Mar a importância política que o Mar realmente tem para Portugal, quando a realidade, como todos sabemos e é patente, nunca foi nem é verdadeiramente essa.
Uma vez estarmos a falar aqui de Francis Vallat e de Frédéric Moncany, o fundador e o actual Presidente do Cluster Marítimo Francês, permita-se-nos evocar, como já referido em escritos anteriores, o que sucede quando há verdadeira consciência estratégica, mesmo numa nação dividida entre ser decididamente Marítima e Continental, e quando não há essa consciência, ou seja, numa nação, infelizmente, como infelizmente Portugal que parece não saber o que anda exactamente aqui a fazer.
Ou seja, teríamos nós alguma vez coragem, ou consciência, para equivalente atitude como actualmente a do Governo Francês em relação aos estaleiros da STX, ou ser´a sequer pensável termos em Portugal algo equivalente ao Comité Marítimo Francês de que falou Frédéric Moncany na Conferência?
Para sermos completamente francos, já custa e irrita termos de assumir sempre um papel algo negativo, como a figura de quem perante o nascimento de uma criança não se lembra nunca senão as dores de parto da mãe, mas, infelizmente, o que vemos é cada vez mais sombrio.
Francis Vallat e Frédéric Moncany querem discutir as relações e articulação da formulação e execução das políticas e estratégias da Comissão Europeia e os Cluster Marítimos Nacionais, onde se inclui predominantemente também, como é evidente, a Rede Europeia de Clusters Marítimos. Por isso mesmo, por falta de tempo e múltiplos afazeres inadiáveis, não deixam de apanhar um avião de manhã em Paris, voarem até para Lisboa para não faltarem à Conferência «If the Oceans Will Rule the World, Who Will Rule the Oceans», onde se encontra também o Director-Geral da DGMARE, João Aguiar Machado, vindo de Bruxelas e com voo marcado ao final do dia voar, literalmente, para uma outra reunião no dia seguinte nos Açores, regressando ambos ao final da tarde em novo voo a Paris, e nós não temos ninguém a representar oficialmente Portugal porque, tal como no início de mandato do actual Governo, estamos de novo sem Director-Geral de Política do Mar.
Diga-se em abono da verdade ter o ex-Director de Política do Mar, Fausto Brito e Abreu, aceite de imediato o convite para participar na Conferência quando lho foi endereçado mas, tendo deixado entretanto o cargo, não faria sentido algum, naturalmente, estar presente.
Apenas nefasta coincidência?
Infelizmente, talvez não _ e essa a questão.
Se após a entrada em funções do actual Governo, o cargo de Director-Geral de Política do Mar esteve vago quase um ano, mais mês menos mês, a pergunta legítima é se agora algo semelhante irá ocorrer.
Não é um cargo importante?
Se não o é porque não se extingue ou se altera a orgânica do Ministério?
Se o é, como é possível não ter ainda possível encontrar um substituto?
Não há em Portugal figuras à altura das responsabilidades?
Ora, o que é extraordinário é que, mesmo neste tempos mais sombrios, estando nós como estamos no que respeita à Política do Mar, estando nós como estamos em termos empresariais e relativa precaridade em termos de uma verdadeira economia marítima nacional, sem um verdadeiro Cluster Marítimo Nacional, apesar disso, ainda termos, como tudo leva a crer ermos, um capital que importa agora saber aproveitar.
Como?
Assumindo, individual e empresarialmente, de uma vez por todas, a responsabilidade de não deixar inteiramente entrega aos políticos e demais organizações sob sua directa ou indirecta tutela, o que é demasiado importante para que lhes fique entregue: a liberdade e autonomia de empreender e decidir da própria vida, abandonando, de vez, as saias do Governo e impondo ao Governo o respeito que o Governo deve a todos quantos livre e autonomamente empreendem em prol de uma verdadeira Economia Marítima Nacional.
A oportunidade existe, saibamos aproveitá-la.