Compreende-se: para o próprio Governo as prioridades são o «combate às alterações climáticas, a sustentabilidade demográfica e o emprego, as desigualdades e a coesão territorial, e a transição digital e a inovação», não o Mar _ como tampouco, assim se afigura, para a oposição, para quem o anúncio do abate iminente e liminar do navio reabastecedor NRP Bérrio sem qualquer plano conhecido para a sua possível substituição suscita, aparentemente, o mínimo problema, nem o Bexit se afigura oferecer, mesmo de um ponto de vista económico, aspecto a que todos costumam hoje estar mais atentos, qualquer oportunidade…
Extraordinário.
Para quem não esteja tão familiarizado com as questões relacionadas com a Marinha Defesa e a Segurança e Protecção Civil, o abate do navio reabastecedor significa apenas que, a partir do momento em que tal se verificar, não sendo substituído, as operações da nossa Armada passarão a ficar automaticamente circunscritas à capacidade de autonomia dos respectivos navios ou, em caso de imperiosa necessidade, do favor de terceiros.
Aparentemente, ainda não estará em causa, se necessário, quaisquer operações de Socorro e Protecção Civil às Regiões Autónomas, sobretudo aos Açores, região, como se sabe, mais susceptível a catástrofes naturais, mas que representa uma seríssima limitação para uma nação como Portugal, uma Nação Marítima por excelência e que tem pretensões de vir a dispor de uma área marítima sob jurisdição nacional de aproximadamente 3,8 milhões de Km2, mesmo que parte da mesma jurisdição apenas respeite ao solo e subsolo marítimo, isso representa _ e tanto em termos puramente operacionais quanto, tão ou mais gravemente, em termos de afirmação geopolítica e geoestratégica.
Não se percebe se a intenção é virmos a entregar o nosso Mar também ao cuidado de Bruxelas mas o que custa mais é que nada disto é novo.
A necessidade de vir a substituir o NRP Bérrio que, segundo é possível saber, não sofre manutenção há mais de doze anos, é há desde muito conhecida, assim como há muito se fala da necessidade de um navio polivalente logístico para a Armada, tendo-se chegado, inclusive, a negociar a possível aquisição do Siroco, da Marinha Francesa, por volta de 2013-2014.
Vicissitudes várias, incluindo as muito apertadas restrições financeiras da época, ditaram o fim do processo e, entretanto, a LPM, Lei de Programação Militar, mais não fez senão postergar tal possibilidade lá para 2027…
Encontrando-nos em 2020, percebe-se bem o que tudo isso significa.
Como designar a crescente falta de capacidade de projecção da nossa Armada, da nossa Marinha, bem como o não menos igualmente bem patente alheamento, senão mesmo o mais absoluto desinteresse e efectivo menosprezo dos nossos políticos por essa mesma falta de capacidade e, consequentemente, por qualquer verdadeira possibilidade de real afirmação geopolítica e geoestratégica de Portugal?…
E não continuam no mais negro limbo, tanto quanto se possa saber, todos os planos para a tão necessária e cada vez mais premente actualização das Fragatas?…
O que se espera, que venham, quem sabe, a terminar os seus dias como as mais famosas Corvetas construídas no final dos anos 70 para a Guerra em África e que, até há pouco, ainda navegavam alegremente, nos seus mais que vetustos quase cinquenta anos, em pleno Atlântico?…
Que respeito pode merecer uma nação incapaz de defender os seus mais imediatos e vitais interesses?…
Como respeitar uma nação sempre dependente de terceiros para o fazer?…
É isso que significa ser uma nação verdadeiramente soberana, verdadeiramente independente, verdadeiramente livre?…
Com certeza: vivemos num mundo de alianças e interdependências _ mas há limites que, uma vez ultrapassados, mudam inteiramente a natureza de todas as relações _ ou não?…
Não será tudo isso simples evidência?…
Talvez não seja.
Se ainda não sabemos olhar para o Mar com verdadeiros olhos de ver, é provável que não.
Deu-se o Brexit?
Deu-se _ e agora é que se fala de uma visão Atlântica versus uma visão Continental da Europa…
Seja!
Mais vale tarde do que nunca _ esperando-se apenas que não seja tarde demais. Mas compreende-se realmente quanto se afirma, quanto tal exactamente significa e implica?
Afigura-se legítimo duvidar _ e um simples exemplo bastará para compreendermos inteiramente porque é, de facto, legítimo duvidar.
Que Portugal necessita desesperadamente de atrair investimento estrangeiro não passa já de uma simples evidência.
Uma das áreas onde a Europa continua a ter m papel preponderante à escala mundial é na área do transporte marítimo de mercadorias, tanto mais quanto, entre 75% a 90% de todo o comércio exterior realizado em termos europeus, dependendo um pouco os respectivos valores da metodologia seguida nos estudos realizados, é exactamente realizado por essa via, bem assim como um terço de todo o comércio intra-europeu.
De acordo com o último relatório pela Comissão Europeia sobre a Economia Azul, publicado ainda em 2019, o transporte marítimo de mercadorias terá uma contribuição na ordem dos 11 mil milhões de euros em termos de valor acrescentado bruto directo e mais 85 mil postos de trabalho _ valores passíveis de serem facilmente duplicados tendo em conta os efeitos indirectos e respectivas externalidades positivas.
São valores significativos e a questão é esta: como se posiciona Portugal neste domínio?
Há exactamente um ano, na IV Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, dedicado precisamente ao tema, «Transformar Portugal numa Capital Marítima Internacional», Erik Jakobsen, Director-Executivo da Menon Economics e principal responsável, nesse âmbito, pela elaboração e publicação do relatório, «As Principais Capitais Marítimas do Mundo», que a empresa Norueguesa de Consultoria que tem vindo a publicar regularmente, deixou bem claro encontrarmo-nos muito aquém da posição em que, potencialmente, nos poderíamos encontrar, não deixando de estabelecer, inclusive, uma comparação entre Lisboa e Vancouver, cidades de dimensão aproximada e onde as diferenças de posição e capacidades são, porém, flagrantes.
A litoralização das nações, com uma percentagem na ordem dos 50% da população mundial a viver já a menos de 100 Km da costa, com tendência para se aproximar mesmo dos 75% em 2030, bem como a crescente importância e territorialização do mar, são hoje já simples evidências, assim como o aparentemente inevitável aumento do comércio mundial decorrente de uma não menos evidente interdependência entre todas as nações do mundo, diz bem da importância de se estudar este assunto com seriedade, tanto mais quanto, como os economistas têm vindo igualmente a salientar, a crescente competitividade entre nações centra-se, essencial e cada vez mais, na competitividade entre grande cidades ou regiões e não tanto, abstractamente, entre nações propriamente ditas, como os mais actuais exemplos, entre outros, de Xangai a Nova Iorque, de Londres a Singapura, de Hong Kong a Hamburgo, de Busan a Roterdão o atestam _ cidades ou regiões responsáveis por cerca de 80% do PIB mundial e, não por acaso também, primordialmente marítimas.
De acordo com o estudo da Menon Economics, são cinco os pilares que determinam a competitividade de uma Capital Marítima, ou região, uma vez que, na verdade, é entendido a área de influência estender-se sempre entre 150 a 200 km de distância a partir do centro: Dimensão da Marinha Mercante; Quadro Legal e Serviços Financeiros; Inovação e Tecnologia; Portos e Logística; Atractividade e Competitividade.
Nesse enquadramento, situa Erik Jakobsen, numa avaliação preliminar, num fraco 67º lugar, longe mesmo de Espanha que se posicionará em 33º lugar e, evidentemente, muito mais longe ainda de uma Holanda, a ocupar um 12º lugar e de uma Noruega a ocupar um bem mais simpático 7º lugar.
Não se trata, porém, de nenhuma fatalidade.
Se é verdade que, hoje, a nossa Marinha Mercante se encontra reduzida a uma expressão mínima, subsistindo como verdadeiros armadores tão só um Grupo ETE com a Transinsular, um Grupo Sousa e também ainda um Grupo Bensaúde, assim como a nossa posição geoestratégica, pelo afastamento dos mercados do Centro da Europa não é tão favorável quanto por vezes se faz crer, sendo exemplo disso mesmo o facto de Portugal não fazer parte do projecto «Uma Faixa Uma Rota» desenhado para a afirmação mundial de Pequim no novo milénio, ao contrário do que se passa, por exemplo, inclusivamente com Espanha, isso não significa que não haja nada a fazer e que a situação não possa ser radicalmente alterada.
Mesmo em termos de posição geográfica, se tivéssemos sabido ser os Campeões do Ambiente, como há muito defendemos que deveríamos ter sabido ser, delineando adequada estratégia, talvez essa desvantagem pudesse, ou possa ainda, ser significativamente mitigada _ como exposto, de resto, num dos capítulos do livro «Do Mar em Exaltação de Portugal» _ assim haja visão e consequente acção.
Por outro lado, se os armadores sediados em Atenas, Gregos e não necessariamente tão só Gregos, continuam a liderar destacadamente em termos mundiais no que respeita ao valor e calado bruto dos respectivos navios, também é certo que, no que respeita ao número de empresas listadas sediadas numa mesma cidade, Oslo detém já essa primazia em relação a Atenas, não deixando Londres de se colocar nesses domínios, respectiva e notavelmente, em 6º e 7º lugares.
O seja, o tudo isso nos diz ou deixa perceber é que, dado um enquadramento adequado os incentivos certos, é possível atrair novas empresas para a Portugal porquanto, para além da posição geográfica e do número de empresas congéneres já aí sediadas, há muitos outros factores determinantes na escolha do lugar para fixar as respectivas sedes _ aspectos a que, num momento de Brexit e mudança de ciclo geopolítico deveríamos estar particularmente atentos, como se afigura não estarmos.
Portugal não deixa de ter algumas importantes vantagens competitivas, a começar por ser um dos países do mundo mais aprazíveis para se viver, estar na moda, possuir já uma forte componente multicultural, boa rede de infra-estruturas e, apesar de tudo, a partir de onde é fácil viajar para toda a Europa e para todo o mundo, uma boa rede de escolas e universidades, bem como de laboratórios e Centros de Investigação & Desenvolvimento e, acima de tudo uma oferta de recursos humanos singular, com um capacidade de trabalho, imaginação e autonomia como talvez seja difícil de encontrar na mesma dimensão seja onde for, com especial destaque para a área informática, aspecto decisivo para o futuro, para a crescente digitalização do mundo e, naturalmente, também dos transportes marítimos e todas as operações que, de uma forma ou outra, se lhes encontram associadas, incluindo desde a navegação autónoma até aos mais variados sistemas de comando e controlo.
Em contrapartida, existem também algumas desvantagens significativas, algumas das quais mais facilmente ultrapassáveis do que outras, como, por exemplo, tudo quanto respeita ao enquadramento e estabilidade fiscais, assim como o excesso de complexidade de muitos processos administrativos que não só não ajudam mas dificultam, inclusive, o desenvolvimento de negócios.
Apesar de tudo, aspectos como a necessária revisão da chamada Lei do Imposto de Tonelagem ou a revisão dos regulamentos respeitantes às regras das hipotecas, não se afiguram questões de difícil evolução, embora, bem mais complexo seja tudo quanto respeita a um verdadeiro ambiente de sã, leal e aberta concorrência, e franco incentivo à iniciativa privada, bem como, mais gravemente ainda, em relação à transparência nos negócios, corrupção e à estabilidade e celeridade jurídica e processual.
O facto é que, não esquecendo que a Europa ainda é detentora de cerca de 38% da frota mundial de navios mercantes, conseguir atrair, numa fase inicial, cerca de 5% desse mesmo negócio para Portugal, se está a falar num potencial de volume de negócios na ordem dos 4 mil milhões de euros e um volume potencial de emprego na casa de mais de 4 mil postos de trabalho.
Mesmo não sendo demasiado ambicioso, afigura-se interessante _ pelo menos assim o entendemos.
Todavia, se até hoje não ouvimos ninguém aflorar estas questões, seja por parte do Governo, seja por parte de qualquer um dos Partidos do nosso espectro político, talvez seja porque o Mar mais não seja já senão para o darmos por cumprido… _ sem mais.
Temos de admitir que é também uma possibilidade…