Portugal registou um acréscimo de 11% nas possibilidades de pesca para 2017 na sequência do último Conselho Europeu dedicado às pescas (Agrifish), que terminou ontem, em Bruxelas. O nosso país poderá pescar cerca de 121 mil toneladas, o que constitui “o melhor resultado de sempre”, na opinião da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino. Até hoje, o melhor resultado, a avaliar pelo volume de quotas, foi em 2005, quando foram atribuídas a Portugal 116 mil toneladas.
O Governo destaca os aumentos, face a 2016, de 54% na quota de pesca do tamboril (que passa para as 656 toneladas), de 10% na raia (passam para 1.156 toneladas), de 5% no lagostim (passa para 252 toneladas) e de 20% no atum rabilho (passa para 399 toneladas, sujeitas a ajustamento anuais),”todas elas quotas de espécies com muito elevado preço médio de primeira venda”, bem como a quota de juliana, “que foi aumentada de 9 para 107 toneladas” (+1.089%), de sarda, que aumenta 14%, e de verdinho, que aumenta 80%.
A quota do bacalhau aumentou 5% (no conjunto das três origens – Noruega, Svalbard e NAFO), com uma subida de 16% para o bacalhau da Noruega, e a do biqueirão aumentou 18% para 6.552 toneladas, havendo neste caso um compromisso da Comissão Europeia (CE) de rever o total admissível de captura (TAC) e as quotas, “de forma intercalar, em 2017, na sequência de novo parecer científico, no caso de o mesmo o permitir, como tudo indica”.
Já a quota de pescada sofreu uma redução de 5%, “em vez dos -34% que eram inicialmente propostos pela Comissão Europeia”, ficando “acima das capturas médias nacionais do último triénio”, refere o Governo. Passam a poder pescar-se 2.936 toneladas de pescada. A quota de areeiros foi reduzida em 26%, que passa para uma possibilidade de pesca de 31 toneladas.
De acordo com o Governo, “em termos de valores médios de primeira venda, o aumento de quotas de pesca agora obtidos representarão, se forem integralmente utilizadas pelo nosso sector das pescas, um aumento de cerca de 11 milhões de euros face ao ano em curso, atingindo um valor global de 182 milhões de euros”.
Sustentabilidade
No plano ambiental, a ministra sublinhou que os resultados significam “muito boas notícias para Portugal” e “muito boas notícias para a União Europeia”, porque “o estado das espécies envolvidas nestas quotas estão bastante melhores”, permitindo as “excelentes notícias para Portugal”, referindo-se, essencialmente aos casos de aumento de quotas, mas não só.
“Quer os aumentos das quotas, quer a não diminuição de quotas foram conseguidos com fundamentação científica muito apurada”, representando um respeito pela sustentabilidade das espécies. Um entendimento que não mereceu a total concordância da Plataforma de Organizações Não Governamentais sobre a Pesca (Pong-Pesca).
A plataforma admitiu ontem “alguns sinais positivos”, mas considerou que o Conselho de Ministros da Pesca da UE volta a adiar o fim da sobrepesca”. Reconhecendo que muitas quotas ainda estão a ser calculadas, “tudo indica que uma parte considerável dos pareceres científicos voltaram a ser ignorados, tendo sido estabelecidas várias quotas superiores aos níveis passíveis de gerar o rendimento máximo sustentável (RMS)”.
Num comunicado à imprensa e referindo-se a Portugal, a Pong-Pesca afirma que “várias das quotas estabelecidas para espécies importantes para o país terão excedido o aconselhamento científico entre as quais” a pescada, com uma redução de -1,4% contra os -31% recomendados, os areeiros, com uma redução de -15% contra os -25,7% recomendados, e o linguado, com a mesma quota contra os -20% recomendados. A plataforma refere também o caso das raias, “para as quais foi estabelecido uma quota conjunta para várias espécies, o que vai contra o parecer científico que recomenda que sejam estabelecidas quotas separadas para cada espécie”.
A Pong-Pesca considerou também que “terão sido respeitados os pareceres científicos para o tamboril e o carapau, o que foi acolhido favoravelmente pelas organizações ambientais”.
Karmenu Vella, comissário Europeu para o Ambiente, Assuntos Marítimos e Pescas, também já reagiu ao resultado desta sessão do Conselho Europeu sobre pescas. Conforme referiu em comunicado, a União Europeia deu “outro importante passo na direcção da pesca sustentável, em linha com os objectivos da Política Comum de Pescas”. E embora tenha reconhecido que o compromisso final do Conselho não teve o mesmo nível de ambição das propostas da CE, “fez progressos consideráveis rumo a uma gestão mais sustentável das nossas pescas”.
Outras reacções
Ao nosso jornal, o presidente da Associação dos Armadores de Pescas Industriais (ADAPI), Pedro Jorge Silva, reconheceu que “se pudéssemos graduar este Conselho para a ministra, diríamos que foi um Conselho sem risco”. Para este responsável, o que se verifica hoje no plano das pescas nacionais vem na sequência de uma inversão de ciclo iniciada há quatro anos, com recuperação de stocks, “mas fruto do sacrifício do sector, que manteve remunerações enfraquecidas”, desvalorizando o papel do Governo neste processo. Em todo o caso, considerou o resultado do Conselho “globalmente positivo”.
O mesmo responsável também nos referiu que no caso da raia “ a subida da quota em 10%, quando a proposta era de 6%, é positiva”, mas insuficiente. “Como existe o recurso em abundância, temos margem para ir mais longe, e isso seria importante, essencialmente para a pequena pesca”.
No caso do lagostim, também nos referiu que “há condições para subir mais a quota” e que só não o foi porque a avaliação científica do recurso “foi feita conjuntamente com Espanha, onde este recurso está muito mau”. Mostrou-se satisfeito com o resultado obtido para a sarda e considerou que a manutenção da redução proposta de 26% para o areeiro não é necessariamente uma boa notícia e pode ter peso na pesca de arrasto.
Sobre o carapau, referiu à Lusa que se registou uma subida significativa, mas que o sector não está a aproveitar a robustez da quota porque não tem capturado aquilo que pode e a propósito da redução da quota da pescada para apenas 5%, em vez dos 34% propostos pela CE, admitiu-nos que foi uma vitória política da ministra.
Ao nosso jornal, aproveitou para manifestar a sua preocupação com o estado da frota pesqueira portuguesa, que entende que requer renovação, mas para a qual considera não existirem apoios financeiros, nem no programa Mar 2020. “Até 2020 não podemos renovar”, referiu-nos. E esclareceu que “não se trata de ter mais barcos, mas sim de modernizar os que temos”.
Solicitado a pronunciar-se sobre o mesmo tema, Carlos Macedo, da Artesanal Pesca, referiu ao nosso jornal que “sem entrar na aparente euforia que tem sido propagada pelo Governo, creio que em termos comparados se pode falar que em 2017 os pescadores portugueses poderão viver um pouco melhor que nos últimos anos”. E esclareceu que fala nos “sub-sectores da frota nacional que dirigem o seu esforço às espécies que sofreram um acerto nas possibilidades de pesca”, ou seja, o arrasto.
Segundo esclarece, “como vem sendo habitual o sub-sector que maior beneficio terá com estas rectificações nas possibilidades de pesca, é precisamente o do arrasto, pois algumas das espécies a que dirige o seu esforço, como a juliana e o verdinho, são as que sofrem ajustes mais significativos, o que apesar de ser sintomático e justo, não deixa de ser curioso, pois a frota artesanal, multi-específica, menos agressiva em termos ambientais, é a que sai (ainda assim) menos beneficiada neste processo, um facto que deve preocupar e deixar de sobreaviso os seus representantes, mas também os governantes”.
Ao falar em acerto, diz que o faz porque “nalguns casos, o que existe é um absoluto desfasamento entre determinações (imposições) comunitárias e a realidade das pescas nacionais; só assim se justifica que sejam encerradas as possibilidades de pesca tão precocemente para um grande número das espécies capturadas pela frota nacional, sem que nenhuma crise de abundância o justifique”, como o tamboril ou as raias.
Carlos Macedo referiu-nos ainda que em Novembro, quando foram definidas as possibilidades de pesca para as espécies de profundidade, “o saldo foi claramente desfavorável, desde logo porque uma espécie, o peixe-espada preto, que é particularmente cara à organização que represento, sofreu uma redução de 10% em 2017, e de mais 10% em 2018”.
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