A AtlanticEagle, concessionária dos Estaleiros Navais do Mondego (ENM), está a negociar propostas de construção naval e cooperação no âmbito da gestão técnica e formação nesta área, com os Governos da Guiné-Bissau e Moçambique.

A concretizarem-se, os acordos enquadram-se no objectivo da AtlanticEagle de reforçar a sua presença nos países da CPLP, no âmbito de uma estratégia de internacionalização que também inclui, entre outras, presenças no Senegal e em mercados marginais, como a Noruega e a zona do Mar Cáspio, em especial o Azerbeijão e o Casaquistão. No caso da Noruega, o propósito será construir navios de apoio à actividade off-shore (transporte de trabalhadores para plataformas e supply vessels). Para este mercado, aliás, a AtlanticEagle prevê construir um katamaran em 2017. Trata-se de uma embarcação de trabalho para transporte de produtos alimentares e só não o estamos a construir já porque o cliente adiou o investimento”, refere Carlos Costa. Já no caso da zona do Mar Cáspio, o interesse reside na actividade petrolífera que ali se desenvolve, bem como no off-shore, que poderão constituir boas oportunidades de negócio para os estaleiros.

Foi também no estrangeiro, precisamente na Noruega, que Carlos Costa considera o melhor local para construção naval com incorporação de novas tecnologias, que a empresa encontrou um sistema susceptível de economizar combustível nas embarcações. Trata-se de uma tecnologia designada Air Supported Vessel (ASV), cuja patente é detida pela empresa norueguesa Effect Ships International AS, que investiu 12 milhões de euros no projecto, e da qual a AtlanticEagle é parceira. A inovação consiste na injecção de ar no fundo do casco, permitindo a elevação da embarcação acima do nível da água – num sistema que Carlos Costa insiste em distinguir dos conhecidos hovercrafts – e a consequente diminuição de atrito. Como menos atrito confere maior potência à embarcação, o efeito é mais velocidade sem aumento do consumo de combustível. O sistema foi desenvolvido em tanque, já está aprovado por uma sociedade classificadora, pode ter utilização civil ou militar e foi contratado em exclusividade pela AtlanticEagle. “Já desenvolvemos ante-projectos para um navio de 16 metros e outro de 40 metros”, adianta Carlos Costa, que antevê uma aposta na utilização militar. “Já apresentámos o projecto à Guarda Costeira da GNR”, que poderá estar interessada em substituir as suas actuais embarcações de combate ao narcotráfico. “Propomos que a embarcação atinja os 55 nós e estamos a aguardar a avaliação da GNR”, afirma o mesmo responsável.

Outra inovação da AtlanticEagle é a utilização de um plástico de alta densidade na construção naval. Já usado na indústria para o fabrico de tubagens, vai agora ser testado pela empresa na construção de embarcações destinadas a substituir pirogas. “Trata-se de responder a um desafio colocado pelo Governo do Senegal, que pretende substituir as cerca de 200 mil pirogas existentes no país, quase todas de madeira, prejudiciais ao ambiente e pouco duradouras”, esclarece Carlos Costa. Além disso, as pirogas, muito usadas na pesca, têm a desvantagem de permitir o contacto do peixe com a madeira, o que não é autorizado por várias legislações e constitui um obstáculo à comercialização do pescado em determinados mercados, designadamente na Europa. O objectivo é fabricar embarcações de oito a 10 metros, com motor fora de borda e com esse plástico, que “é um material de alta resistência, quase ao nível do aço e superior à fibra de vidro”, explica Carlos Costa. O sócio-gerente da AtlanticEagle pondera mesmo criar uma unidade de produção própria para fabricar um protótipo deste projecto.

 

Um navio para Timor

 

No quadro da estratégia de internacionalização nos países da CPLP, enquadra-se a construção de um ferry para Timor-Leste. Destinada ao transporte de veículos e passageiros entre a Região Administrativa Especial de Oecussi – que é o cliente, embora com dotação financeira do Governo central – e a ilha de Ataúro, a embarcação deverá ser entregue em Setembro deste ano e custará 13,33 milhões de euros ao Governo timorense. Trata-se do primeiro navio a ser construído nos ENM desde que a AtlanticEagle adquiriu a sua concessão, em 2012, e resulta do aproveitamento do projecto original russo para a construção do navio “Anti-ciclone” pelos Estaleiros de Viana do Castelo, destinado ao Governo Regional dos Açores e que nunca passou do papel. Apesar de ter sido adquirido material para a construção. Como esta não avançou, na sequência da indecisão que em certo momento se viveu quanto ao destino dos Estaleiros de Viana do Castelo, foi proposta ao Governo português a venda do projecto e do equipamento, com excepção do aço, entretanto vendido para sucata, ao Governo timorense, por um milhão e 34 mil euros. A ideia envolvia a construção pelos estaleiros do Mondego e foi aceite. A AtlanticEagle adaptou o projecto, adquiriu o aço e começou a construir o ferry. Ainda sem nome, o navio terá 71,3 metros de comprimento, uma boca de 12,60 metros, calado de 3,70 metros e atingirá uma velocidade de 15 nós. Terá uma tripulação de 21 elementos e capacidade para 377 passageiros e 25 automóveis. Com seis pavimentos, dos quais dois em alumínio, o navio terá três motores diesel principais com 1768 Kw cada, que accionam três alternadores de 2.100 Kw cada um, os quais alimentam a instalação eléctrica do navio (incluindo dois motores eléctricos para os propulsores azimutais com 1.900 Kw cada, com hélices de passo fixo e 2,4 metros de diâmetro).

 

Estratégias

 

A opção por mercados externos não exclui novas oportunidades no mercado nacional, mas reflecte preocupações face à política de construção e reparação naval seguida em Portugal. Carlos Costa defende que “para desenvolver a construção e a reparação naval em Portugal, o Estado deveria assumir as obras marítimas”, que representam a principal despesa na edificação de um estaleiro, “e depois estabelecer uma concessão”. Ao concessionário caberia depois reflectir o encargo das rendas nas facturas dos clientes. Para este responsável é fácil de compreender que poucos investidores estarão dispostos a aplicar capital numa obra que nunca será sua e à qual poderão deixar de estar associados. Seguir um caminho diferente significa não aproveitar as “condições ideais que o nosso país tem para a construção naval”, incluindo cérebros, portos, costa, entre outras. E mesmo aí, poderíamos fazer melhor, como por exemplo, assegurar mais construção para a cabotagem e induzir as Universidades a apostar mais na construção naval. Outra medida que poderia contribuir para desenvolver o sector em Portugal seria apostar na “construção naval militar, em tudo o que são navios patrulha”, já que não temos capacidade para construir fragatas. “Mas abaixo disso temos”, refere o mesmo responsável, exemplificando com os NPO e os navios de combate à poluição. E nessa matéria, os ENM, cuja estrutura tem uma experiência de 76 anos em construção naval, com um registo de 324 embarcações realizadas, das quais 77 para a Marinha, estariam aptos a avançar. Como já terão estado aptos quando o Governo escolheu, sem concurso, os Estaleiros de Viana do Castelo para construir os dois NPO destinados à Marinha portuguesa. Carlos Costa considera que os ENM também tinham capacidade para o efeito, ao contrário do entendimento do Governo de então. “Nós podíamos ter concorrido”, admite.

No plano externo, Carlos Costa considera que a Europa deveria concentrar-se na construção de navios com grande incorporação tecnológica, mas “no quadro de uma política europeia de defesa da construção naval”. Uma solução que poderia passar por impedir um construtor naval europeu beneficiário de subsídios europeus de construir fora da Europa. No Brasil, por exemplo, o Estado financia bastante esta actividade, mas exige contrapartidas, como construção no país e mão-de-obra nacional.

Quanto à AtlanticEagle, Carlos Costa admite que o percurso tem sido satisfatório nos Estaleiros do Mondego e tem ambições. “As coisas têm corrido bem na reparação”, refere, e há projectos de construção, alguns com incorporação de tecnologia própria. Na construção naval, regista-se um crescimento. Em 2015, a facturação atingiu de seis a oito milhões de euros, em 2016 prevê-se atingir o dobro e em 2017 o objectivo é alcançar entre os 30 e os 35 milhões de euros. Já na manutenção, a meta é chegar aos quatro a cinco milhões de euros em 2016. Paralelamente, a empresa quer obter certificações, designadamente no plano da gestão de qualidade e da gestão ambiental, até porque “actualmente, sobretudo a nível internacional, isso é um factor importante e muitas vezes é mesmo uma exigência”, admite Carlos Costa.

 



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