Foi a 9 de Julho de 2014, pelas 18 horas, que teve lugar, no Museu Paula Rego, em Cascais, o lançamento oficial do Jornal da Economia do Mar.

Parece ter sido ainda ontem? Parece ter sido já há tao longo tempo que nem sabemos dizer quando?

Todos sabemos bem como a percepção da sucessão irremediável é sempre algo tão esquivo como paradoxal. Breves segundos, em momentos críticos, podem facilmente parecer eternidades, assistindo nós, numa desconhecida acuidade de visão, ao seu transcorrer como se cada momento fora toda uma vida.

Sim, todos nos lembramos do dito de Santo Agostinho segundo o qual se não lhe perguntassem o que era o tempo, sabia o que o tempo era, se lho perguntassem, já não sabia, ou Pascal, a falar no rápido passar dos séculos e do lento passar dos segundos.

Sim, todos o sabemos isso e todos gostamos de citar Santo Agostinho e Pascal…

Mas, dois anos, já?… Apenas?…

Apenas?…

Apenas, porque a intensidade vívida dos dias transcorridos dilata e distorce a memória de tudo?…

Porque é tudo hoje já tão distinto do que era então que difícil é quase até estabelecer uma directa e compreensível relação ou paralelismo entre ontem e hoje?…

Aparentemente, não se figura tudo diferente e melhor?…

Não entrou o mar na moda?…

Não afirmou o eleito novo Presidente da República logo no seu discurso de tomada de posse constituir-se o mar uma prioridade para Portugal, prioridade «nascida de uma geoestratégia» e, sobretudo, «de uma vocação universal»?…

E não afirmou o novo e actual Primeiro-Ministro entender tanto o mar como uma prioridade para Portugal que, além de um Conselho de Ministros inteiramente dedicado ao tema, presidido ainda pelo anterior Presidente da República, até instituiu na orgânica do seu Governo um Ministério do Mar, inteiramente do Mar e nada mais do que o Mar?…

Não estamos, assim, no que ao mar respeita, no melhor dos mundos e dos caminhos possíveis?…

Ah!, não, não pensemos nisso neste momento mas apenas nas coincidências felizes, como o facto dos cinco anos de teste do WindFloat terem terminado exactamente no mês em que o Jornal da Economia do Mar comemora o seu segundo aniversário.

Porque referimos tal circunstância como uma coincidência feliz?…

Porque o exemplo do WindFloat, não sendo um caso único, sendo um dos mais conhecidos e notáveis projectos de inovação realizados em Portugal nos últimos anos, tendo-se transformado mesmo, entretanto, numa referência internacional na sua área, a das plataformas flutuantes de produção de energia eólica em mar aberto, ilustra, na perfeição, a importância do que vulgarmente se designa como economia do mar, para Portugal.

Em primeiro lugar, há, naturalmente, o êxito do próprio projecto que, ao longo de 5 longos anos, suportando as maiores intempéries com ondas de 17 metros e ventos de 60 nós, sempre demonstrou uma robustez, uma fiabilidade e uma disponibilidade de contínua produção que não deixou de surpreender muitos, mesmo alguns dos menos cépticos, dando agora lugar a um projecto já pré-comercial no valor global na ordem dos 115 milhões de euros, como foi dada devida e destacada notícia, aqui no Jornal  da Economia do Mar, ainda há alguns dias.

Mas se isso não é pouco e é, com toda a certeza, mesmo da maior relevância, o que o projecto tem de significativo e ilustra bem o que sempre foi defendido como a grande importância da economia do mar para Portugal, está um pouco mais além, no seu todo.

Ou seja, independentemente dos aspectos mais imediatamente técnicos, importantes, sem dúvida, e sempre subjacentes, o que também importa aqui destacar e ter em atenção é tudo quanto está envolvido no êxito deste projecto de inovação.

Em primeiro lugar, a constituição do próprio consórcio, envolvendo a EDP, a Principle Power, a Repsol, a Capital Ventures e a A. Silva Matos, sendo a primeira, a EDP, líder do consórcio, uma empresa, como todos sabemos, essencialmente de produção e distribuição de energia, a Principle Power a detentora da tecnologia, a Repsol, uma empresa até agra conhecida sobretudo no sector da exploração, refinação e distribuição de hidrocarbonetos, a Capital Ventures, uma empresa de Capital de Risco e a A. Silva Matos, uma empresa nacional do sector da metalomecânica.

O que tudo isso significa é que, tal como no passado mas, cada vez mais, os grandes projectos têm de ser realizados em consórcio, não apenas, embora também, por razões de mitigação de risco, financeiro, antes demais, mas também porque importa, cada vez mais, a soma multiplicadora das partes, como aqui se torna patente.

Por outro lado, outro aspecto que importa ter em máxima consideração é o facto de terem estado envolvidas mais de 100 empresas portugueses no desenvolvimento do projecto, da sua concepção à sua instalação, o que é talvez, para quanto aqui se pretende demonstrar, um dos aspectos mais decisivos.

Claro, há também a questão da própria A. Silva Matos, uma metalomecânica do Norte que não só, uma vez mais, prova a extraordinária capacidade do sector em Portugal como, também mercê do projecto WindFloat, se transformou mesmo, como o próprio projecto, numa referência internacional.

Por outras palavras e em síntese, o que importa aqui reter e ter permanentemente em atenção é o facto de todos estes projectos de inovação exigirem sempre o concurso de uma miríade de fornecimentos, tecnologia e serviços que, no seu todo, se constituírem também como poderosos multiplicadores económicos, para já nem sse referir as concomitantes possibilidades de desenvolvimento científico, tecnológico e comercial que sempre abrem também.

Mesmo em relação ao projecto do WindFloat, basta pensar nos mais diversos tipos de cabos necessários à sua instalação e funcionamento, no necessário reboque das suas componentes e consequente instalação, nas necessárias inspecções e manutenção, para referir o mínimo, para logo percebermos do que se está a falar.

Não são, por exemplo, projectos como o WindFloat que inspiram empresas nacionais como a ProDrone a desenvolver veículos aéreos não tripulados especificamente desenhados para inspecção de plataformas em mar aberto, entre as quais, plataformas de produção de energia eólica, nas quais se incluem o próprio WindFloat?

Esta capacidade, ou melhor dito, esta possibilidade ou potencialidade que os projectos do mar sempre oferecem enquanto multiplicadores de acção e desenvolvimento, não sem as suas mais vastas repercussões económicas, é que é também algo extraordinário a que nem sempre se dá a devida relevância, ficando-se, não raras vezes, apenas pela parte, sem se olhar devidamente ao todo.

Os exemplos poder-se-ão multiplicar mas bastará talvez ilustrar com um outro caso para se perceber exactamente do que se fala, como seja o caso dos projectos e investimentos de aquacultura em mar aberto, muito para além, naturalmente, apenas e tão só da criação de peixe.

Os projectos e investimentos em aquacultura respeitam, evidentemente, antes de mais e acima de tudo à criação ou produção de peixe, mas não se restringem apenas a isso. Um projecto a sério de aquacultura também respeita à construção de jaulas, uma vez mais, metalomecânica, exigindo diferente desenho e estruturas de acordo com as condições de mar para onde forem para ser instaladas, como respeita ao eventual desenvolvimento e instalação dos mais sofisticados sensores, dos mais sofisticados sistemas de manutenção e segurança, eventualmente até do desenho e construção de diferentes embarcações de apoio às próprias jaulas, como respeita à biologia, ao desenvolvimento de novos tipos de rações, para nos ficarmos apenas pêlos exemplos mais óbvios.

Quando se fala de economia do mar é exactamente de tudo isto que se está a falar, ou seja, da necessidade de ver cada projecto como um todo e não nos ficarmos apenas pela parte, não deixando de perceber que o mar também reserva em si riquezas que a terra não possui, como logo se torna bem patente noutro sector como o da biotecnologia onde, uma vez mais, muitos mundos gravitam em torno de uma expressão que, em si mesma, é um universo de possibilidade de novos mundos.

O grave, o mais grave, é parecer termos perdido o hábito de sabermos ver como as coisas verdadeiramente são.

Falamos do mar e logo ocorre o exemplo dos Descobrimentos?

Falamos dos Descobrimentos e logo ocorre o Império?

Não mediaram quase dois séculos entre a contratação de Manuel Passanha como Almirante da Armada Portuguesa por D. Dinis, em 1317, em substituição de Nuno Fernandes Cogominho, por razões politicas, segundo se crê, e a chegada de Vasco da Gama a Calecute, em 1498, já em pleno reinado de D. Manuel I?

Não foram necessários muitos e longos anos de estudo, tenaz persistência, coragem e heroicidade a toda a prova?

Não foram necessários novos instrumentos, novos equipamentos, novas atitudes, da Caravela à Balestilha, como acima de tudo, a compreensão e determinação do regime dos Alísios, elemento decisivo para a navegação no Atlântico, tão decisivo que logo foi elevado a Sigilo de Estado pago com a pena morte em caso de quebra do mesmo?

E se dominámos ainda todos os mares durante grande parte do Séc. XVI, dominámos porque eramos apenas valentes ou também porque, entre outros aspectos, soubemos inventar o canhão de recuo, com estrias no cano, conferindo à Armada Portuguesa uma poder, ritmo, nível e precisão de tiro como nunca anteriormente visto?

Não, não fizemos tudo sozinhos como ninguém faz tudo sozinho, seja em que circunstância for, nem inventámos tudo. Mas não fomos nós que tivemos a visão, que soubemos inovar, congregar e conjugar num todo completa e inauditamente novo.

Outros terão chegado primeiro à América do Norte?

Talvez, mas não souberam regressar. Nós soubemos ir e soubemos regressar. Nós soubemos ir, soubemos regressar e dar ao mundo uma nova seiva, transportando-o para uma nova era até então desconhecida.

Nesse plano, entre ontem e hoje, o paralelismo, a similitude dos processos, não é a proximidade ou mesmo quase coincidência, grande?

O que nos distingue, então?

A visão, o sentido de missão, a perseverança. Numa palavra, talvez consciência. Consciência do que somos e queremos ser, consciência de onde estamos e onde queremos estar, consciência da sempre inexorável relação de meios a fins.

Não foi, nos Descobrimentos, desde início, o sentido, o planeamento e a consciência estratégica preponderantes?

Foi.

Hoje dizemos viver na era do conhecimento, fala-se de planeamento e de estratégia a torto e a direito mas, na realidade, mas talvez mais certo fora dizermos viver acima de tudo na era do entretinimento.

Tanto assim que parece não terem sido os Descobrimentos muito mais do que a aventura de uns tontos que um dia se fizeram ao mar, chegando à Índia, talvez por acaso e grande surpresa de todos.

E, no entanto, como os portugueses sabem, como talvez nenhum outro povo saiba, a vida é cousa séria, grave, tendo sempre todos os actos, palavras e omissões, as mais vastas, amplas e profundas repercussões, não sendo o acaso senão apenas o que, verificando-se, sem que possamos ou saibamos atribuir imediata causa sabendo nada neste mundo ser sem causa.

Ainda o sabemos?

Sabemos que o Piloto de Pessoa o sabia, como nós temos o dever de o saber também.

É o WindFloat é um bom, um excelente exemplo, do que podemos fazer quando sabemos o que queremos realmente fazer?

Sem dúvida, como muitos outros exemplos mais, felizmente, também há, sendo exactamente essa uma das principais razões e finalidades do nascimento do Jornal da Economia do Mar, não sem alguma presunção, para dar notícia e maior consciência disso mesmo a todos, na esperança, não sem a mesma presunção de contribuir também para, pela maior consciência gerada, suscitar uma outra atitude de todos.

Sabemos que muitos dos projectos, como não raramente sucede aos mais inovadores, pela lei da vida, da economia e do mercado, não sobreviverão, mas que isso não assuste nem atemorize, também faz parte da vida.

Não colocou Pessoa na boca de D. Duarte, o Rei a quem devemos a nossa independência espiritual, depois de a D. Afonso Henriques termos ficado a dever a nossa independência política e a D. Dinis a nossa independência cultural, as sábias palavras: «Contra o destino cumpri o meu dever. Em vão? Não, porque o cumpri»?

Sim, temos essa presunção, a de cumprirmos o dever de dar notícia do que de melhor se vai fazendo na Economia do Mar em Portugal, a de contribuirmos para uma maior consciência das nossas possibilidades e do intrínseco valor de muitos dos nossos melhores projectos, para exaltar todos quantos, parafraseando também Camões, pelas valorosas obras da lei da morte se vão se vão sabendo libertar.

Há dois anos o fazemos e enquanto o destino nos conceder e os leitores assim o quiserem, a intenção é aqui continuarmos, para maior glória, esperamos e é essa a convicção, do Mar e de Portugal.



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