Num seminário sobre o futuro do transporte marítimo, com uma visão até 2030, promovido na última semana pelo Clube de Oficiais da Marinha Mercante, o engenheiro naval e empresário Jorge Antunes partilhou três cenários eventuais para o sector e o membro da Douro Azul, Hugo Bastos, apresentou alguns dados sobre o novo navio que o grupo está a construir nos estaleiros da West Sea, em Viana do Castelo.
Três cenários
Partindo de alguns pressupostos, como a continuação da importância do transporte marítimo na economia global, a escassez da água doce num futuro próximo, a necessidade de impedir a destruição do meio ambiente e o papel da digitalização na operacionalidade dos navios, Jorge Antunes traçou três cenários do que poderá ser esta actividade dentro de doze anos.
A um chamou «Mar Revolto», caracterizado essencialmente pela escassez de recursos (água, energia e alimentos), alterações climáticas geradoras de tensões nas relações internacionais, prevalência da cartelização e dos acordos bilaterais sobre o mercado livre e repartição desigual da riqueza das nações.
Neste cenário, o engenheiro naval imaginou que em 2027 um comboio de navios transportando água doce estará a fazer a travessia entre a Rússia e a Índia, protegido por navios de guerra. Uma consequência da escassez de recursos, em parte provocada pelas alterações climáticas e geradora de atritos graves entre as nações.
No mesmo cenário, grande parte das frotas serão nacionalizadas, as cadeias logísticas serão optimizadas regionalmente, os fluxos de bens de consumo serão reduzidos, tal como o transporte de contentores, existirão novas rotas de comércio, sulcadas por navios mercantes escoltados pelas respectivas marinhas de guerra, e o comércio bilateral conhecerá uma intensificação resultante do que Jorge Antunes designou por” desmantelamento da organização do comércio mundial”, que considera estar a confirmar-se.
A outro cenário chamou «Mar Amarelo», no qual a China assume um papel preponderante, na qualidade de maior importador mundial de gás natural e com uma forte presença em África, onde estará para defender interesses próprios, e no Índico, que só não se converte em domínio devido à vizinhança da marinha de guerra dos Estados Unidos.
Neste cenário não é indiferente o papel da Índia, outro gigante asiático, que vai mantendo com a China o que Jorge Antunes designou uma “amizade podre”. Ambos os países enfrentarão graves problemas de poluição do ar e da água, associados à produção e ambos removerão obstáculos às operações comerciais entre si. E na Índia, tal como na Rússia oriental e em África, surgirão novos portos que serão centros logísticos altamente sofisticados.
De acordo com Jorge Antunes, este cenário contempla um abrandamento relativo das economias ocidentais, que implicará um reequilíbrio de poder, com a Europa a introduzir taxas proteccionistas sobre produtos e serviços chineses, mas a receber fabricantes europeus provenientes da China de regresso à origem. Neste contexto, o preço do petróleo tenderá a ser estabelecido entre a China e o Médio Oriente.
Finalmente, Jorge Antunes apresentou o cenário que considera o mais desejado dos três e que designou por «Oceanos Abertos», no qual os navios serão “ferramentas do processo logístico” e o transporte marítimo será “um componente optimizado integrado na cadeia logística, sem necessidade de tripulação”.
Aqui, novos tipos de navios cruzarão os mares, tendo em conta os desafios e as restrições ambientais, assegurando o transporte entre as mega-cidades (onde viverá cerca de 70% da população mundial) e as áreas do planeta ricas em recursos. As novas rotas do Árctico darão origem a mais navios Ice Class, habilitados a navegar nas zonas polares, os cruzeiros sustentáveis serão a forma de fazer férias e os Estados cooperarão em projectos ambientais e protocolos de comércio.
Neste cenário, será assegurada a protecção dos interesses comerciais, o crescimento do PIB será garantido e os acordos sobre o clima será assegurados. Mas a tendência para as fusões e aquisições atingirá um pico e as grandes corporações empresariais assumirão um grande poder de controlo à escala mundial.
Transporte marítimo, desafios e oportunidades
Além dos cenários, Jorge Antunes aproveitou a sua intervenção para expôr alguns desafios que se colocam ao sector do transporte marítimo. Num momento em que os armadores “estão submersos em certificados e regulamentações, é quase virtualmente impossível fazer face a todos os requisitos do MARPOL VI, o anexo sobre poluição do ar da Convenção Internacional para Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), de 1973, actualizada em 1978 e que entrou em vigor em 1983.
Outro desafio está nas licenças de CO2, a que os navios estarão sujeitos e que aumentarão significativamente os custos operacionais, até porque, segundo Jorge Antunes, o seu preço deverá aumentar em 2020. Outros ainda residirão nos protecionismos, nas novas formas de mercado e nas limitações tecnológicas face às imposições regulamentares sobre ambiente.
Mas estes desafios são simultaneamente oportunidades e nesse sentido, Jorge Antunes recordou que Portugal pode beneficiar do momento. No plano tecnológico, este é o momento para desenvolver soluções limpas inovadoras para os navios, quer devido aos desafios ambientais, quer à emergência do big data e do blockchain.
No plano formativo, o surgimento de um navio Ice Class, do grupo Douro Azul, induz a preparação de profissionais marítimos habilitados a operar em zonas polares. Uma oportunidade que a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique aproveitou, ao treinar formadores sobre o Código Polar. Uma medida relevante num momento em que, segundo Jorge Antunes, Portugal está a perder competências noutras áreas do transporte marítimo, como o transporte de gás, e que considera estratégicas para o país.
Um navio para todas as paragens
O outro orador do painel, Hugo Bastos, dedicou a intervenção ao projecto do novo navio da Mystic Cruises, do Grupo Douro Azul, que está a ser construído nos estaleiros da West Sea, em Viana do Castelo, sob acompanhamento de elementos da Schulte Marine Concept, e que deverá ser entregue ainda este ano. Até porque já foram comprados bilhetes para viagens de cruzeiro no navio a partir de Novembro, referiu Hugo Bastos.
Neste momento, já existem cabinas modelo construídas e muito material em armazém, pronto a ser instalado no navio no momento oportuno. Também já foram realizados testes diversos em tanque na Holanda.
Sem querer adiantar muito mais sobre este navio de longo curso preparado para navegar nas duas zonas polares, o orador mencionou que o navio terá um sistema inovador de abastecimento e recordou que a Bureau Veritas é a sociedade classificadora para efeitos de notação do navio, que a Rolls-Royce está envolvida no sistema de propulsão e que trabalham no projecto cerca de 100 engenheiros de várias especialidades da empresa espanhola Ghenova Engenharia.
Hugo Bastos adiantou ainda que o navio operará três a quatro meses por ano nas zonas polares e o restante período noutras paragens.
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