Relatório de Junho defende reciclagem segura e ambientalmente sustentável
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Um relatório da Comissão Europeia (CE) datado de Junho deste ano e realizado pela sociedade classificadora DNV-GL, a Ecorys e a Erasmus University School of Law, sustenta que nenhum navio deve escalar portos da União Europeia (UE), independentemente da sua bandeira, se não tiver uma licença de reciclagem que constitua um incentivo à reciclagem sustentável de navios.

Em síntese, o documento prevê a criação de um incentivo financeiro aos armadores que realizem a reciclagem de navios em instalações devidamente certificadas conforme o Regulamento de Reciclagem de Navios (RRN) da UE de 2013, ou seja, em condições ambientais e de segurança exigidas pelas instituições europeias. No art. 29º, aliás, prevê-se que até ao final do ano, a CE avalie a possibilidade de instituir um instrumento financeiro que induza a reciclagem segura e limpa de navios.

O regulamento actual impõe que todos os navios com pavilhão comunitário recorram a instalações de reciclagem aprovadas pela UE. No entanto, vários armadores contornam a lei através da utilização de bandeiras de países terceiros (flagging out) nos seus navios.

No fim de vida dos navios, intermediários compram-nos aos armadores e vendem-nos a estaleiros não certificados do sul da Ásia, em especial, na Índia, Bangladesh, Paquistão e China, usando bandeiras de conveniência pior classificadas pelos Governos europeus no âmbito do Memorando de Entendimento de Paris (Parois MoU) relativo à fiscalização estatal das condições de segurança, trabalho e ambiente.

De acordo com o relatório, a frota com pavilhões de origem comunitária corresponde a 20% da frota mundial, mas no momento do fim de vida essa quota é de apenas 9%, ou seja, no momento da reciclagem mais de metade da frota de países da UE já deixou de o ser. O World Maritime News refere que um terço da tonelagem dos navios para reciclagem na Índia, Paquistão e Bangladesh pertence a armadores da UE.

A solução agora proposta pela CE implica a atribuição de uma licença de reciclagem, cuja taxa de aquisição seria parcialmente destinada a um fundo que constituiria um crédito a pagar ao último dono do navio no momento da reciclagem, desde que esta fosse feita em instalações certificadas pela UE, assim induzindo um comportamento mais sustentável.

Essa taxa teria duas componentes: uma, para pagar despesas administrativas relativas à emissão da licença, e outra, a colocar num fundo de reciclagem e administrada “de forma transparente”, diz a UE, juntamente com o capital acumulado por cada navio, para ser posteriormente creditada a favor do último armador dos navios reciclados.

A European Community Shipowners’ Associations (ECSA) e a International Chamber of Shipping (ICS), que representam mais de 80 por cento da tonelagem mundial da marinha mercante já rejeitaram a proposta, argumentando que minará os esforços da Organização Marítima Internacional (IMO, da sigla em inglês) para melhorar o trabalho e as condições de segurança nos países em desenvolvimento, onde se situa a maioria dos estaleiros de reciclagem de navios.

Se as propostas forem aceites, “causarão problemas sérios com os parceiros da UE, incluindo a China, a Índia, o Japão e os Estados Unidos”, refere um comunicado da ECSA.

“Além de ser excessivamente complexa, largamente impraticável e muito difícil de administrar pela UE, a implementação de um tal fundo seria uma afronta à comunidade internacional, que já adoptou a Convenção de Hong-Kong sobre reciclagem de navios, cujos padrões já foram incorporados num regulamento similar da UE”, refere Patrick Verhoeven, Secretário-Geral da ECSA.

“Uma medida unilateral tão draconiana, especialmente se aplicada a navios terceiros, pode ser vista pelos parceiros comerciais da UE como interferência anti-concorrencial na conduta do transporte marítimo internacional; e há o perigo real de que outras nações apliquem medidas retaliatórias”, refere Peter Hinchliffe, Secretário-Geral da ICS.

A ECSA e a ICS também argumentam que UE deve concentrar os seus esforços na ratificação da Convenção de Hong-Kong da IMO pelos Estados-membros e no reconhecimento dos esforços feitos pelos estaleiros asiáticos para obter a certificação imposta pela IMO. As duas organizações insistem que deve ser concedida ua oportunidade a estes estaleiros de serem incluídos na lista de instalações certificadas pela UE ao abrigo do RRN.

Entretanto, ambas as organizações preparam um comentário detalhado à proposta da CE e já produziram um conjunto de orientações para armadores relativamente à venda de navios para reciclagem, por forma a garantir que são desmantelados conforme os padrões da IMO, ainda antes de estes entrarem em vigor.



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