A Renascença, um movimento essencialmente italiano quando Itália, se assim nos é legítimo exprimir sobre um tempo em que Itália ainda não existia como hoje a reconhecemos, buscava recuperar uma perdida grandeza e olhava ainda os franceses como simples bárbaros, voltou-se, naturalmente, para Roma e para as suas grandes figuras, celebrando, acima de todas, Cícero, o tribuno, o republicano, o exemplo de vita activa e civil virtú. Aí se situa, em parte, também o que veio a ser conhecido como o humanismo renascentista e, contra os valores das ordens sociais tradicionais e o direito divino dos reis, a supremacia da cidade-estado e do indivíduo elevado pela sabedoria ao comando da civitas.
Ainda hoje, pensando a figura do Presidente da República, é em parte esses longínquos ecos que nos chegam, tanto quanto foram ainda esses longínquos ecos que terão estado no fundo do pensamento dos modernos quando introduziram esse determinante elemento monárquico no sistema político que ainda é hoje o dos nossos dias do Ocidente civilizado.
Mesmo em Portugal, consciente ou inconscientemente, quando se diz, mais sugestivamente do que rigorosamente, ser o Presidente da República o mais alto Magistrado da nação, ainda são esses mesmos ecos a repercutirem-se ainda.
O Presidente da República não é o Presidente de todos os portugueses, é o Presidente da República, ou seja, quem preside à coisa pública e, como tal, tem como primordial finalidade garantir a verdadeira tradição, no seu sentido mais elevado, i.e., saber projectar o melhor de todo o passado no presente em ordem à melhor formação do mais excelso futuro, assim garantindo também tanto a afirmação da singularidade da nação entre as nações quanto a unidade, pelo que é comum, da própria nação.
Por isso se diz igualmente como primeira função do Presidente da República a guarda e imposição de cumprimento da Constituição, i.e., a Lei Fundamental da Nação que define, regula, coordena e determina as instituições políticas e as respectivas relações das mesmas instituições entre si, com a nação e da nação com as mesmas.
Não por acaso e por isso mesmo é que a nossa Constituição atribui também ao Presidente da República a chefia suprema das Forças Armadas.
Não por acaso e também por isso mesmo é que todos esperamos que o Presidente da República saiba pensar Portugal, saiba o que Portugal é, saiba o que Portugal é para ser.
Ora, de todos os candidatos à Presidência da República que se apresentam às eleições do próximo Domingo, nada ouvimos sobre a importância do mar para Portugal nem tampouco como o destino de Portugal se encontra, de uma forma ou outra, associado a tudo quanto se souber pensar sobre a importância do mar para Portugal e das consequentes repercussões a que esse mesmo pensamento conduz e tem sobre o mesmo destino de Portugal.
Não é indiferente pensarmos Portugal como nação eminentemente marítima ou continental, como não é indiferente perceber as ameaças, riscos e vulnerabilidades que, enquanto nação marítima, se encontra Portugal hoje sujeito, como não é indiferente saber projectarmo-nos como nação eminentemente marítima ou continental num futuro que, aparentemente, tem muito contra nós.
A Constituição não é um Código Civil, um Presidente da República não é um Provedor da Santa Casa da Misericórdia, o Presidente da República não é um Secretário-Geral de uma espécie de qualquer ONU nacional.
Espera-se que um Presidente da República saiba encarnar e encarne um verdadeiro pensamento sobre o que é Portugal ou Portugal é para ser, sabendo também transpô-lo num discurso verdadeiramente mobilizador das mais altas virtudes da nação.
É estranho, assustador, aterrador, não vermos, não lermos, não ouvirmos, dos presentes candidatos, qualquer palavra séria sobre o mar. Está em causa o futuro de Portugal.
Os meus mais sinceros encómios a este magnífico editorial não só pelo modo como está escrito mas também pelo seu conteúdo. Bem- haja pela Causa do Mar.