Comércio marítimo China/Europa deve manter-se pelo Canal do Suez
Canal do Panamá

A ampliação do Canal do Panamá “não será o El Dorado de que se falava há alguns anos”, capaz de resolver todos os problemas económicos portugueses, considerou Victor Caldeirinha, ex-presidente do Conselho de Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, secundado por Carlos Vasconcelos, administrador da MSC Portugal.

A afirmação foi feita na sessão de encerramento do primeiro curso da Academia MSC/ENIDH – Escola Superior Náutica Infante Dom Henrique, durante um seminário sobre “Implicações futuras da expansão do Canal do Panamá sobre o sector marítimo-portuário nacional”.

Embora concordando com Victor Caldeirinha, Carlos Vasconcelos, também presente no seminário, acredita que o novo Canal do Panamá pode ser uma oportunidade para Portugal, em particular, para o porto de Sines, o único do país vocacionado para receber os navios de maior porte da actualidade.

Em declarações recentes ao jornal «Público», João Franco, presidente do Conselho de Administração dos Portos de Sines e do Algarve, considerou que “Sines vai poder gozar da posição privilegiada que tem” e que o alargamento do Canal do Panamá vai ter um impacto directo no porto de Sines, permitindo a escala de mais 200 navios por ano.

José Augusto Felício, docente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), outro dos oradores presentes, entende que o porto de Sines terá a importância que tiver como porto de transhipment para os grandes operadores que o utilizam, como a MSC, um dos grandes actores do cenário marítimo-portuário mundial, por exemplo.

Apesar de considerar que o nosso país não tem massa crítica para competir no plano internacional do sector marítimo-portuário, este académico entende que o porto de Sines “pode crescer, graças ao maior operador mundial (MSC), cujos interesses estratégicos estão para além de Portugal”.

Carlos Vasconcelos considera que as oportunidades de Portugal decorrentes da ampliação do canal panamiano resultam da subida dos custos de produção no Extremo Oriente, que tornam os produtos daquela região menos competitivos. E para aquele responsável, a América do Sul e Latina, com um elevado potencial de crescimento, serão os grandes mercados abastecedores da Europa dentro de 10 anos.

E são precisamente as Américas (do Sul, Latina e do Norte), especialmente as costas ocidentais, as principais beneficiárias da ampliação do Canal do Panamá, na linha do que referiu José Luís Cacho, consultor da Associação de Portos de Língua Portuguesa (APLOP) e ex-administrador do porto de Aveiro, igualmente presente no encontro, quando afirmou que perante esta obra, “existem zonas do mundo mais beneficiadas do que outras”.

Para a generalidade dos oradores, que contou também com a presença de Fernando Cruz Gonçalves, docente da ENIDH, o Canal do Panamá serve essencialmente a costa leste dos Estados Unidos e da América Latina, pensando, sobretudo, nas mercadorias provenientes do mercado asiático.

 

Competição com o Suez

 

Para abastecer a Europa, o mercado asiático deverá continuar a recorrer ao Canal de Suez, com o qual o Canal do Panamá entra directamente em competição, segundo vários especialistas. “Não vejo grande relevância do Canal do Panamá nas ligações da China à Europa; é maior o peso do Canal de Suez, que deverá prevalecer”, admitiu Victor Caldeirinha.

Este orador recordou dois factores que contribuem para a prevalência do Suez face ao Panamá em relação aos trajectos entre a China e a Europa: o preço e motivos técnicos. Conforme disse, “o Canal de Suez já está a fazer descontos” e o Canal do Panamá continuará a não ser utilizável por cerca de 20 por cento da frota mercante internacional.

A este propósito, Fernando Cruz Gonçalves adiantou alguns dados: de Xangai a Roterdão, pelo Canal do Panamá, distam cerca de 13.400 milhas náuticas; o mesmo percurso, mas pelo Canal de Suez, perfaz cerca de 10 mil milhas náuticas. São cerca de três mil milhas de diferença, ou seja, três dias de viagem. Carlos Vasconcelos completou o raciocínio, adiantando que pelo Canal de Suez, o custo é 30% menor.

A seu favor, a rota pelo Canal do Panamá tem o argumento da segurança. Quer pelo Canal do Suez, quer por uma das alternativas de que também já se fala há vários anos, a rota do Cabo, pelo sul do continente africano, o transporte marítimo enfrenta riscos de pirataria menos frequentes nas Caraíbas.

Por seu lado, José Luís Cacho considera incerta uma deslocalização das rotas do Canal do Suez para o Canal do Panamá. Mesmo Carlos Vasconcelos não conhece a estratégia da MSC para o novo cenário colocado pela ampliação do Panamá. “Não conheço a estratégia da MSC nesta matéria, está bem guardada, como a de outros operadores”, referiu.

A mesma incerteza leva Victor Caldeirinha a questionar os investimentos de alguns operadores em portos das Caraíbas. A CMA CGM, por exemplo, já ordenou obras no terminal de contentores de Kingston, na Jamaica, onde espera criar um hub estratégico que ligue a Costa Leste dos Estados Unidos, o Golfo do México, as Caraíbas e o norte do Brasil, conforme noticiámos oportunamente.

 

O papel do canal ampliado

 

Prevista para ser inaugurada precisamente um século depois da abertura oficial do Canal do Panamá, em 1914, a ampliação desta infra-estrutura foi atrasada dois anos por motivos de carácter técnico. A recente obra representou um investimento aproximado de 6,3 mil milhões de euros, permitindo esperar receitas da ordem dos 2,5 mil milhões de euros, equivalentes a 10 por cento do PIB do Panamá, segundo alguns especialistas.

Participaram cerca de 40 mil pessoas na ampliação, num país com 3,8 milhões de habitantes, o que permite ter uma ideia do peso deste projecto na economia e na sociedade do Panamá.

Outra medida da importância é dada pela dimensão dos navios que passaram a poder atravessar o canal desde a sua ampliação: onde navegavam navios com capacidade até 4.500 TEU, navegam agora navios até cerca de 13 mil TEU de capacidade. Além disso, embora o 1º e 2º sistemas de eclusas continuem a permitir circulação de navios, o 3º sistema de eclusas (a novidade da obra que recentemente se inaugurou), por si só, permite a passagem de quatro navios por dia nesta fase inicial, mas permitirá um volume que deverá ascender a 14 navios/dia, recordou Fernando Cruz Gonçalves.

Esta dimensão continua a deixar o porto de Sines em boa posição para servir este tráfego, já que, conforma notava João Franco ao «Público», o porto alentejano pode receber navios com um limite de capacidade até 19 mil TEU.

No plano internacional, além da referida competição com o Canal de Suez, e dado que visa facilitar o tráfego marítimo com a costa oeste dos Estados Unidos, um efeito directo será o reforço da competição com o tráfego de mercadorias por terra, especialmente por via ferroviária, entre as costas oeste e leste norte-americana.

Por outro lado, como referiu José Luís Cacho, “maiores navios no Canal do Panamá podem induzir ganhos aos armadores e isso será um acelerador do processo de globalização, através do aumento dos fluxos comerciais”. Com efeito na tendência para as grandes alianças de operadores marítimos, “que serão uma tendência do futuro”, mas que a que já se assiste actualmente. E porventura também na redução dos custos do transporte marítimo.

Neste contexto, importa não esquecer o Canal da Nicarágua, originalmente previsto para ser inaugurado em 2010. É uma via igualmente na América Central, com 278 quilómetros, e que deverá ligar os oceanos Atlântico e Pacífico, tal como o Canal do Panamá, na qual passarão navios ainda maiores, e que é um investimento com forte quota chinesa. José Augusto Felício enquadra esta aposta na tentativa da China de controlar os fluxos internacionais de mercadorias com elevado interesse geo-estratégico.



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