Que mais Portugueses os saibam ouvir também, como quem sabe ainda verdadeiramente ouvir o Mar _ onde talvez ecoe ainda igualmente grito do velho marinheiro: «Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó—yyyy... Schooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yyyy...»

A «palavra», esse grande mistério…

Sabemos que não se pensa por palavras mas não haver pensamento sem «palavra».

Na sua obra «Os Logocratas» afirmava George Steiner ter Joseph de Maistre defendido «ser toda a humana palavra imediata emanação do logos divino».

A afirmação é belíssima mas, infelizmente, não se afigura que de Maistre tenha tal haja alguma vez escrito ou proferido, pelo menos, nos mesmos exactos termos  citados.

Nos «Serões de Petersburgo», o que de Maistre defende é que, se a toda a linguagem, como todas as línguas, têm sempre humana origem, o mesmo não se sucede com a «palavra» que, sempre pré-existindo a todo o humano pensamento e, como o génio da Antiguidade soube ver, toda a «palavra» não deixar pode deixar nunca de não ser senão sempre «verdadeira», assim dá Steiner, em magnífica síntese própria, quanto atribui ao autor das «Considerações sobre França».

Difícil condenar Steiner por tão inspirada imprecisão.

Se para Leonardo Coimbra «pensar é sempre procurar a palavra certa» e para o nosso Pascoaes «o génio da Língua é a essência emanada dos seus vocábulos intraduzíveis», entre os quais talvez como mais eminente a «Saudade», mas não apenas, para duas outras seria agora talvez importante chamar igualmente a atenção, como «Descoberta» e «Orientação», já com tradução em quase todas as línguas do mundo, é certo, mas de origem genuína e indiscutivelmente Portuguesa.

Antes, porém, talvez importe ter sempre igualmente em mente ter-se a derrocada do Imperio Romano iniciado com a corrupção da língua, como defenderam Ortega y Gasset e Toynbee, assim como a importância da «Era Gâmica» de que sempre falavam autores como também o mesmo Toynbee ou ainda um Carlo Cipolla, e que nós já esquecemos o verdadeiro significado e importância.

Povo Aristotélico por excelência, sabendo nós Portugueses, como é sempre «a causa final a primeira das causas» e, na melhor tradição, sempre o «primado do intelecto» sempre foi inequivocamente afirmado, sempre soube igualmente como a finalidade da existência sempre reside eminentemente na «Descoberta», assim partindo também Mar fora em busca desse mais antigo Oriente «onde Deus talvez ainda exista», como diria Pessoa, ou, hoje, de novos Orientes, assim se reconhecendo igualmente a necessidade de uma mesma apurada consciência de permanente «Orientação».

Hoje, infelizmente, já encontramos também em processo de acelerada queda.

Hoje, a bem audível acelerada degradação da língua é já tão só uma simples evidência.

Degradando-se a língua deixamos, pouco a pouco, de sabermos pensar em Português; deixando de pensar em Português, pouco a pouco, de sermos Portugueses, deixamos de nos poder entender, até à mais completa evanescência de Portugal.

O que nos salva, o que pode ainda salvar-nos?

Ainda haver Portugueses, que sabem ainda falar em Português, pensar em Português, que ainda são genuinamente Portugueses, que sabem ainda olhar para o Mar e o que o Mar significa como o que significa sermos a Nação Marítima que somos para ser.

Portugueses que sabem ainda o que é a Tradição, que sabem ouvir a Maresia e sabem ainda buscar Orientação neste estranho Mundo em que é dado viver.

Que mais Portugueses os saibam ouvir também, como quem sabe ainda verdadeiramente ouvir o Mar _ onde talvez ecoe ainda igualmente grito do velho marinheiro: «Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó—yyyy… Schooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yyyy..



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