A brusca e intempestiva resposta do Ministro da Defesa sobre a entrada em operação do segundo Stanflex em 2016, «não sou bruxo», foi, infelizmente, um momento magistralmente revelador.

A extraordinária e desabrida resposta do Ministro da Defesa, Azeredo Lopes, «não sou bruxo!!!…», na cerimónia de passagem ao estado de armamento do primeiro Stanflex 300, rebaptizado NRP Tejo,  não foi um mero lapsus liguae mas um momento magistralmente revelador, ainda uma vez mais, da Comédia de Enganos em que vivemos, como referido no Editorial anterior.

Sim, o Senhor Ministro não será «bruxo», mas não é Ministro?

E não tinha, momentos antes, muito louvado e sublinhado com patente orgulho não ter o Orçamento de Estado para 2016 sofrido a menor cativação de verbas quanto à Lei de Programação Militar, não a colocando assim em causa?

E não tinha mesmo chegado a afirmar, na sequência, estar assim tudo a ser executado, no que ao reequipamento da Marinha respeita, dentro do programado e planeado?

E não tinha manifestado, em simultâneo, perfeito conhecimento e plena consciência da planeada entrada em operação em 2016 de um segundo Stanflex 300, estando a dos outros restantes dois em 2017?…

Porquê, afinal, tanta irritação?… Por saber que, sendo Ministro, mais do que ser Ministro, na realidade, a sua função não é a de ser verdadeiramente Ministro mas apenas a de representar o correspondente papel, assim explicando também, num breve momento de eventual má consciência, o patético balbuciar de meias desculpas, meias justificações, como a da suposta possibilidade e os Estaleiros do Alfeite poderem não estar condições de receberem de imediato novas encomendas, tão assoberbados estando, com certeza, de insano trabalho, ou mesmo necessitar a Marinha de uma reorganização interna para se preparar devidamente a recepção de ainda um outro Patrulha de Costa em 2016, a juntar aos seus já muitos e muitos navios, Patrulhas de Costa, patrulhas Oceânicos, Corvetas, Fragatas, Submarinos e sabe-se lá que mais, para quais difícil é já saber que missões atribuir-lhes?

Com certeza, todos sabemos como, em última instância, tudo está dependente da palavra do Primeiro-Ministro para libertar ou não as verbas necessárias à prossecução do reequipamento da Marinha, uma vez ser, neste momento, para o Primeiro-Ministro, a última preocupação a Marinha, o seu reequipamento ou seja o que for que respeite ao mar, muito mais o preocupando, natural e evidentemente, as financeiras discussões com Bruxelas. E no entanto, aparentemente longínquas, ambas as questões não deixam, ou melhor, não deveriam deixar, de estar intimamente ligadas?

Se Portugal soubesse olhar verdadeiramente para o mar como o seu mais decisivo activo politico, geopolítico, geoestratégico e económico, obrigando a Europa, quando pensasse no mar, a pensar na Lusa Nação, não seria o respeito, fosse qual fosse a instância de discussão, muito diferente?

Não basta olhar para o Atlântico, para o recrudescimento dramático da pirataria no Golfo da Guiné, dos múltiplos tráficos realizados, igualmente em crescendo, entre as suas margens, e, vendo um simples mapa, perceber os duplos triângulos, um com vértices em Portugal Continental, Açores e Cabo Verde, sem esquecer o Arquipélago da Madeira, Selvagens incluídas, e outro, invertido, com vértices igualmente em Cabo Verde, Brasil e Angola, sem esquecer S. Tomé e Príncipe e mesmo a Guiné, para compreender a Lusofonia do Atlântico e a esquecida responsabilidade de uma preponderante e consequente acção que, adequadamente desenvolvida, não poderia deixa de ser, em qualquer circunstância, devidamente atendida e verdadeiramente respeitada?

E se hoje muito ufanos falamos dos futuros 4 milhões de  Km2 de área marítima sob futura jurisdição nacional, temos a certeza de termos capacidade de os vigiar e proteger sem o risco de um dia aqui chegar a Europa e afirmar, tal como sucedeu com os seres vivos da coluna da água da supostamente nossa ZEE, não sem júbilo e regozijo dos nossos governantes porque ao abrigo de um tratado designado Tratado de Lisboa, o mar que críamos ser  nosso ser, afinal, seu _  afinal, nada mais do que o tão falado e glorioso Mar Europeu?

Podemos ter hoje a certeza de sabermos mais dos fundos dos nossos 4 milhões de Km2 do os Ifremer, Centros de Pesquisa Marinha Alemã e outros, com a capacidade de os vigiar, proteger e explorar sustentavelmente como exigido será que os vigiemos, protejamos e exploremos?

E vendo a formação da nova Guarda Costeira Europeia, prevista, pelo menos há mais de oito anos, surpreendemo-nos, apenas, sem mais ter a dizer, dispostos a darmos o apoio necessário de acordo com o que formos mandados dar, sem que mais nos seja pedido ou mais tenhamos igualmente a dizer?

E…

Sim, é difícil, custa aceitar e mais ainda reconhecê-lo, mas, de facto, se fossemos a nação a sério que deveríamos ser, com uma estratégia e consequente acção que implicasse ter sempre em conta quando na Europa se pensasse em mar, não seriamos uma nação mais respeitada, no mínimo, para não dizer mesmo verdadeiramente respeitada, mesmo quando e tão só de questões financeiras se tratasse?

Infelizmente, quanto vemos suceder é exactamente o inverso. Vemos uma nação sem sentido estratégico, sem capacidade de afirmação, sem linha de consequente acção.

Infelizmente, quanto vemos suceder é um Primeiro-Ministro igualmente sem consciência estratégica alguma, com exclusiva preocupação de guarda-livros e questões políticas menores, sem noção mínima da importância capital do mar para Portugal, não obstante toda a vã retórica da sua suposta prioridade e consciência plena da sua da sua transversalidade.

Infelizmente, quanto vemos suceder é um Presidente da República Portuguesa,  passeando alegremente os seus afectos, distribuindo alegremente muito abraço, muito conforto, muito beijinho. Um Presidente que exalta com veemência, em Março, a prioridade do mar «nascida de uma geoestratégia» e da sempre tão proverbial «vocação universal» dos portugueses, para logo tudo alegremente ser atirado para o mais negro limbo do esquecimento em Abril.

Infelizmente, quanto vemos suceder é um Ministro da Defesa que, sobre o futuro da defesa do mar português, tudo o que tem a dizer é que não é «bruxo», como se alguém alguma vez pesasse que fosse, ou fosse o que fosse, senão Ministro da Defesa, verdadeiro Ministro da Defesa, com plena consciência disso.

Infelizmente, tudo isto que vemos suceder é, infelizmente, magistralmente revelador.

Infelizmente, porém, sejam também cada vez menos os que queiram dar sequer por isso.

Não se auguram tempos auspiciosos.



Um comentário em “Momento Revelador”

  1. É assim há muitos anos em Portugal. E há raiva pela memória de quem com suprema dedicação e dignidade tudo fez para que os portugueses concretizassem um sempre tão necessário REGRESSO AO MAR: Américo de Deus Rodrigues Thomaz, um nome satirizado em Portugal, antigo ministro e presidente, ex-Almirante da Armada Portuguesa que nunca o reintegrou apesar de AT ter sido quem mais fez pelo mar em Portugal nos últimos séculos, que morreu Almirante da Marinha Espanhola, honraria que nunca lhe foi retirada Se ainda hoje lerem os seus despachos e a sua doutrina associada ao Regresso ao Mar, e o souberem fazer no contexto histórico correcto ainda muito boa gente poderá aprender alguma coisa de útil…

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