Bem sabemos como «o mundo é composto de mudança», mas as mudanças de que o mundo é composto também nos iludem sobre quanto, em toda a aparência de mudança, afinal, é constante ou simples estagnação.
Curso de Gestão Marinha e Costeira

«…chamo a atenção de publicista para a situação internacional. Não pode ela servir de pretexto para atacar este ou aquele Governo, mas por isso mesmo que é extremamente delicada de indicar a necessidade de se fazer uma política nova e de todos colaborarem nela. A atitude da Europa para connosco é evidentemente de expectação e o nosso destino de nação marítima, depende apenas do que lhe mostrarmos que somos capazes de fazer. Se durante um lapso de tempo, que não pode ser longo, não dermos senão mostras de impotência, mal de nós. Hoje em dia um império marítimo como o nosso não pode ser reduzido à esterilidade. Existe, por isso, na realidade o perigo de o perdermos. Damos nós por isso? Infelizmente não o vejo. Os jornais, e o que é pior, o parlamento, não reflectem senão o jogo de interesses minúsculos. Fazem-se afirmações que revelam uma mentalidade deplorável. Há dias um senador disse na Câmara que queria um República pobríssima, mas honestíssima. É a primeira vez que se ouve proclamar num Parlamento a doutrina do Estado pobre. Ao contrário, Portugal precisa, como todas as nações, de riqueza, venha ela de onde vier. Infelizmente, também, disso estou certo, o aumento da riqueza pública não virá da iniciativa dos Portugueses, pobres, além de tímidos e desconfiados. Portugal precisa de fazer-se comanditar e estará ele disposto a isso? Não se promove a prosperidade pública abrindo algumas mercearias mais, que é tudo, ou quase tudo o que sabemos fazer, mas pondo em movimento grandes iniciativas e grandes capitais, que só nos podem vir de fora. Se nós abrirmos o País e o mar a uns e a outros, está resolvido o problema da prosperidade pública e até o da autonomia em relação ao mar, porque os nossos tempos, que já não são de conquista, mas de expansão comercial, o que as grandes nações querem é que as deixem expandir-se. O regime da porta fechada é que as pode levar ao esquecimento das regras do direito e política da violência. Espalhe estas ideias no seu jornal (pode mesmo servir-se da forma sucinta que eu lhe dei) e prestará um grande serviço ao País. O novo Governo– digo-lhe com o conhecimento que tenho das ideias gerais que circulam a este respeito cá fora _ foi acolhido com interesse, e até certo ponto com simpatia nos grandes meios financeiros da Europa, porque se viu nele, com o advento de novas iniciativas nacionais, o possível ressurgimento material do País e o regime da porta aberta aos capitais estrangeiros. Se o novo Governo não corresponder a esta expectativa, o nosso mar corre o risco de se perder e do País não sei o que ficará que se aproveite para justificar dignamente um pau de bandeira.»

Não, não se trata de uma carta, ou e-mail, endereçados ao Jornal da Economia do Mar, mas de uma carta redigida há mais de cem anos, dirigida ao seu amigo Câmara Reis pelo muito controverso João Chagas, Chefe do primeiro Ministério Constitucional da República, dois após a data da sua implantação.

A preocupação, naturalmente, não era o Mar mas as Colónias. Se substituirmos onde está agora «Europa» por «Inglaterra» e «império marítimo», ou «mar», por «império colonial», ou «colónias», bem como «novo Governo» por «República», temos de novo o texto original.

O mundo mudou, é um facto, nos últimos cem anos, e Portugal também. Ma há constantes. Muitas que, infelizmente, como constantes que são, se mantêm.

Não importa aqui discutirmos, evidentemente, nem a figura controversa de João Chagas, nem tampouco a questão colonial, como veio a ser referida, não deixando, porém, de assinalar, à época, a sua decisiva importância para o futuro de Portugal, reconhecido pelos próprios Republicanos e que nos levou a entrar, inclusive, numa decisão não sem igual controvérsia, na I Guerra Mundial, como hoje, mais ainda, é o mar.

Mas cem anos depois, pouco parece ter-se alterado.

De facto, para além de um mesmo aparente alheamento geral da situação, mantem-se uma mesma ideia de sermos simplesmente «pobres», de falta de iniciativa e não irmos lá senão «comanditando» a terceiros, ou com terceiros, a exploração dos nossos activos, afinal, da nossa própria riqueza.

Queremos ter consciência disso ou vamos continuar a fingir que não é nada connosco, com cada um de nós em particular, assumindo, de uma vez por todas a consequente responsabilidade?…

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Um comentário em “Constantes no Tempo”

  1. António José de Almeida diz:

    O Mar dos Açores é dos açorianos

    O descaramento, a falta de vergonha, o desplante, com que propõem que se mantenha o discurso, a cultura colonialista e que para tal basta substituir agora o «império colonial», por «mar», o mar dos Açores.

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