São dados da Universidade de Aveiro e relativos ao 1º semestre deste ano, no que é considerado um valor acima do normal, antecipando uma eventual extinção da espécie nas águas nacionais nas próximas duas décadas
Boto

De acordo com informação obtida e partilhada pelo Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (UA), no primeiro semestre deste ano foram registados 27 botos mortos na costa portuguesa. Um número “que ultrapassa em muito os valores registados para o primeiro semestre dos anos anteriores” e deixa uma perspectiva catastrófica “para a presença destes golfinhos em águas nacionais”, refere a UA.

Os botos são um tipo de golfinho com particularidades morfológicas em relação aos restantes, incluindo dentes em forma de espátula, dorsa muito triangular e um relativamente mais reduzido tamanho corporal, conforme nos explicou a bióloga Catarina Eira.

Segundo os investigadores, estes animais podem desaparecer por completo das praias nacionais no prazo de 20 anos. “Se a população de boto na costa portuguesa estava já em declínio – com base em dados recolhidos até 2015 os biólogos estimam que a extinção do boto em Portugal deverá ocorrer nos próximos 20 anos – o cenário poderá ser ainda mais negro”, refere a UA.

Face ao número de arrojamentos registados em 2018, Catarina Eira, investigadora do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA e coordenadora do projeto LIFE MarPro (2011-2017), co-financiado por fundos europeus dedicado à conservação de espécies marinhas portuguesas como o boto e o roaz, considera “provável que um aumento na mortalidade venha a revelar um prazo de extinção ainda mais curto” para os botos nacionais.

“Dos 27 botos mortos registados na costa entre Janeiro e Junho de 2018, 25 foram encontrados entre o Minho e a Nazaré”, refere a UA, e “destes, a grande maioria corresponde a arrojamentos entre a cidade do Porto e a vila da Nazaré”. “As marcas que alguns cadáveres apresentam – barbatana caudal amputada ou marcas lineares no corpo – indicam que os animais foram apanhados acidentalmente por redes de pesca”, acrescenta a UA.

“Com uma população nacional abaixo dos 2.000 indivíduos, em que menos de metade terá idade para se reproduzir”, refere a UA, a zona entre o Porto e a Nazaré, “onde um terço dos botos está concentrado”, é a “mais preocupante para a conservação da espécie”. Catarina Eira acredita que na origem do fenómeno estão as capturas acidentais nas várias artes de pesca, “salientando-se no caso do boto a arte xávega e a pesca ilegal”, refere a UA.

Para a bióloga, “esta zona concentra uma actividade de pesca bastante intensa” e “apesar dos esforços desenvolvidos pelos pescadores para evitarem as capturas acidentais, a arte xávega, cuja expressão é maior nesta área, pelo seu carácter muito costeiro, acaba por ser responsável por uma parte da mortalidade”.

Por outro lado, “esta zona também apresenta uma quantidade considerável de pesca ilegal, normalmente realizada por pequenas embarcações muito perto da costa, com redes utilizadas de maneira ilegal (semi-derivantes, não sinalizadas) ou que operam em zonas dentro de uma distância mínima da costa onde a pesca não está autorizada”, refere a bióloga. É uma actividade que “além de prejudicar os pescadores que desenvolvem a sua actividade de acordo com a lei, por ser muito costeira, também ocasiona alguma mortalidade de boto”, refere.

Ainda assim, e no que à arte xávega diz respeito, “se não se conseguir inverter o padrão de declínio do boto, não será certamente por falta de colaboração dos pescadores”, assegura Catarina Eira, destacando a “atitude bastante construtiva” que estes têm mostrado em relação ao problema.

Uma das soluções apontadas é o uso de pingers, que são pequenos aparelhos electrónicos fixados às redes de pesca “e que emitem um som que avisa os cetáceos sobre a presença da rede”, esclarece a UA. “No caso particular do boto, sabemos que a utilização dos pingers nas redes fundeadas, de cerco e de xávega, contribuem para a diminuição entre 50 a 80 por cento da captura acidental”, considera Catarina Eira. Todavia, trata-se de uma tecnologia dispendiosa para frotas de pesca mais numerosas, nota a bióloga, que acredita que se devem ainda “ensaiar novas medidas que sejam eficazes, ou seja, que permitam a detecção da presença da rede e que representem um baixo custo económico”.

Em declarações ao nosso jornal, Catarina Eira considerou que “a resolução passa por tentar diminuir a mortalidade por captura acidental” e isso deverá passar por “trabalho colaborativo entre os pescadores, as entidades governamentais com tutela sobre as espécies protegidas, as Universidades e as ONGs ambientais”. Disse-nos ainda que “o papel dos investigadores é fundamental para que se possam implementar ensaios fiáveis e que produzam resultados eficazes, tanto para os pescadores como para as espécies a proteger”.

Para o efeito, o financiamento necessário “dependeria do âmbito regional ou nacional das medidas, e das espécies alvo dessas medidas (Boto, Golfinho-comum, Roaz, etc), que por sua vez implicariam a aplicação de medidas em artes de pescas distintas, cujas frotas variam muito em termos de esforço”, referiu-nos a investigadora.

“Os dados foram recolhidos no âmbito de um projecto LIFE (LIFE MarPro) que integrou vários parceiros, tendo sido coordenado pela Universidade de Aveiro. A Rede de Arrojamentos de Animais Marinhos é coordenada a nível nacional pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e regionalmente pela Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem, e tem continuado algumas acções do projecto, agora terminado, nomeadamente ao nível da recolha de informação sobre os animais marinhos arrojados nas praias”, esclareceu-nos Catarina Eira.

 

Créditos da foto: Nic Davies



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