Rogério Gaspar defende ampliação dos fundos do MAR 2020
Universidade de Lisboa

Em Portugal, “existe excessiva dispersão de esforços na área do mar”, referiu Rogério Gaspar, Pró-Reitor da Universidade de Lisboa (UL), durante a 3ª Conferência Anual da Rede Mar, organizada recentemente pela UL, no âmbito da Semana da Inovação.

Reconhecendo que “a definição do objecto mar corresponde a realidades muito diversas”, Rogério Gaspar considerou que o mar “é um campo demasiado vasto para ser coberto apenas numa única direcção, mas demasiado central para não ter uma visão integrada de estratégia nacional que termine de vez com a excessiva pulverização de iniciativas que muito enfraquecem a centralidade de um desígnio nacional a que todos aspiramos neste importante sector”.

Fausto Brito e Abreu, Director-Geral de Políticas do Mar, outro dos oradores do encontro, por seu lado, considerou que “a pulverização é positiva”, na medida “em que é parte de um processo de crescimento”. Recordando que Portugal foi dos primeiros países a ter uma estratégia nacional para o mar e que a pulverização significa que “estamos finalmente a fazer alguma coisa”, notou também que “há limites para o que se pode fazer por decreto”.

Tiago Pitta e Cunha, presidente da Comissão Executiva da Fundação Oceano Azul, igualmente presente, notou que o país “tem tido algumas estratégias para o mar, desde 2006, aprovadas pelos Governos, mas nunca conseguiu, em termos nacionais, criar um plano de acção para se guiar”, até porque existem “opiniões divergentes” sobre o assunto.

 

Que modelo de financiamento?

 

Rogério Gaspar considerou também que “seria importante alargar o financiamento previsto para o MAR 2020 e dotar este sector de maior volume de recursos financeiros, centrado em desígnios nacionais e não espartilhados em múltiplos programas regionais”. Admitindo que não será fácil, mas por uma questão “de lealdade institucional”, entendeu que “não poderia deixar de alertar para a necessidade de maior concentração de esforços, com maior dotação financeira em áreas críticas da investigação oceânica e do desenvolvimento do sector económico ligado ao mar”.

O MAR 2020 também mereceu uma apreciação da parte de António Nogueira Leite, presidente do Fórum Oceano. “Temos que ser certeiros na forma como aplicamos os fundos do MAR 2020”, referiu, antecipando uma posição crítica sobre o que tem mobilizado os investimentos na economia do mar em Portugal.

“Por muita iniciativa que haja das Universidades, por muita vontade que haja dos Governos em desenvolver esta área, por muito apoio institucional que tenhamos dos sucessivos supremos magistrados da nação, se não houver, conjuntamente ao esforço colectivo, capitais privados que olhem para o desenvolvimento das actividades do sector numa perspectiva obviamente de rentabilidade, mas não de uma perspectiva de aproveitamento de fundos comunitários sem investir os correspondentes capitais privados que possam fazer aqui uma diferença significativa, vamos estar sempre a falar do grande potencial da economia do mar e continuamos a ter anos e anos sem nada para mostrar” no plano do contributo da economia do mar para a economia portuguesa, referiu.

Mantendo o enfoque no investimento, Rogério Gaspar considerou que a captação de investimentos privados para o sector da economia do mar em Portugal será sempre prejudicada pela pouca fiabilidade do sector da justiça, demasiado lenta para desbloquear situações que exijam a sua intervenção.

No caso do investimento na investigação, o Pró-Reitor da UL considerou que o grande problema de que enferma tem a ver com decisões políticas tomadas anteriormente no sentido da regionalização do ensino superior da ciência e tecnologia, “com base numa total ausência de financiamento através do Orçamento de Estado e quase total recurso ao financiamento por fundos estruturais”.

No plano económico, apesar de tudo, Fausto Brito e Abreu destacou o facto de Portugal ter uma economia do mar com a maior taxa de empregabilidade (3,6%) no contexto europeu e a ambição de aumentar esse valor, bem como a importância que poderão ter os 38 milhões de euros do próximo pacote financeiro do fundo de apoio à economia do mar EEA Grants e os 13 milhões de euros (valor deste ano) disponíveis do orçamento do Fundo Azul, a cujo Conselho de Gestão preside.

 

Onde investir?

 

A par da captação investimento e do modelo a seguir quanto à origem do capital financeiro, entre meios públicos, privados ou comunitários, outro desafio se coloca à economia do mar e que, mais uma vez, implica opções. Trata-se da selecção dos segmentos do sector aos quais destinar os sempre escassos meios financeiros.

Tiago Pitta e Cunha recordou que o século é incerto. “Não sabemos muito bem para onde é que vai o século”, afirmou, salientando as mudanças em curso à escala global no plano político e económico, com a crise das migrações e a crise ecológica.

Tal como Fausto Brito e Abreu, que mencionou a Google, a Amazon e o Facebook, notou que actualmente as grandes empresas mundiais operam no sector das novas tecnologias. Outros sectores, ao invés, perderam peso e porventura prestígio na economia mundial, como a Banca.

Neste contexto de mudança e incerteza, Tiago Pitta e Cunha entende que a crise ecológica, que indicia a falência do sistema de suporte natural do planeta, porventura mais importante do que o sistema financeiro, pode constituir uma oportunidade. E sente que cresce a consciencialização da importância do ambiente na evolução da Terra, não só no plano político, de que o Tratado de Paris é um exemplo, mas também entre os consumidores.

Uma consciência, no entanto, que o presidente da Comissão Executiva da Fundação Oceano Azul teme que ainda não tenha chegado ao ambiente marinho com o mesmo impacto com que chegou ao ambiente terrestre. “A crise ecológica do mar pode ser menos visível para nós, animais terrestres, do que a crise ecológica das florestas”, referiu, sublinhando as ameaças que pairam sobre os corais, as planícies marinhas ou os predadores, num momento em que se multiplicam programas de reflorestação em terra.

Convencido de que esta crise ecológica do mar pode ser uma oportunidade e que, tal como a Comissão Europeia (CE), “a próxima grande revolução será a da bio-economia”, Tiago Pitta e Cunha considera que as duas grandes áreas em que Portugal devia apostar, designadamente no plano da investigação científica, são a da dimensão geo-estratégica, relacionada com o posicionamento marítimo do país, e a da bio-economia, relacionada com a economia alimentar.

O mesmo responsável considerou que Portugal deve ter a ambição de ser líder europeu em biotecnologia azul no prazo de 10 anos, por exemplo. “Temos a matéria-prima, que são os recursos, e massa cinzenta”, referiu. Referindo as condições favoráveis que Portugal aparenta ter para a cultura de bivalves, sugeriu que essa poderia uma possibilidade, designadamente, por via da produção em aquacultura, que é uma actividade a que atribui mais futuro do que à pesca tradicional. E referiu que serão os “próprios consumidores a trazer novos sectores à economia do mar”.

A propósito destas opções, sublinhou que a economia do mar portuguesa “é disfuncional relativamente à economia do mar de outros países europeus costeiros”. Enquanto nestes últimos é a exploração de hidrocarbonetos, o transporte marítimo, o turismo costeiro e só depois a pesca, por esta ordem, que prevalecem, em Portugal, a pesca assume mais peso.

De facto, de acordo com dados da Conta Satélite do Mar (2010-2013), a pesca, aquacultura, transformação e comercialização dos seus produtos representa 25,7% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional, logo atrás das actividades de recreio, desporto, cultura e turismo, que representam 35,5% do VAB. Já em peso no emprego nacional, a primeira representa 38,8% e a segunda 28,6%.

Os portos, a que José Luís Cacho, presidente da Administração do Porto de Sines e também orador do encontro, atribuiu um importante papel para a economia nacional, surgem em 4º lugar em matéria de contributo para o VAB nacional (14,5%), apesar do inegável e contínuo crescimento em termos de movimentação de carga.

Para este responsável, os portos estão necessariamente ligados a outras actividades da economia do mar pela sua própria natureza, graças às condições de infra-estrutração e proximidade ao mar que propiciam e que podem induzir factores de desenvolvimento e crescimento no sector.



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