Depois de uma operação de embarque de veículos da Autoeuropa no porto de Setúbal com recurso a trabalhadores substitutos e de António Costa ter criticado, quer o excesso de precaridade laboral naquele porto, quer o sindicato de estivadores, Ana Paula Vitorino chamou o sindicato ao seu gabinete
Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística

Ontem, o Ministério do Mar convocou o Sindicato Nacional dos Estivadores, Trabalhadores de Tráfego, Conferentes Marítimos e Outros para uma reunião agendada para hoje, às 17 horas, nas instalações do Ministério, destinada a discutir “o quadro das relações laborais no porto de Setúbal”, conforme se lê na carta assinada por Ana Paula Vitorino dirigida ao sindicato.

A convocatória ocorre um dia depois da conclusão de uma operação de embarque de veículos da Autoeuropa a partir do porto de Setúbal com recurso a trabalhadores substitutos dos estivadores que habitualmente ali trabalham, maioritariamente sem vínculos laborais efectivos, e que estes contestaram veementemente, inclusivamente com duras acusações ao Governo. A operação gerou igualmente uma vaga de solidariedade entre estivadores do porto setubalense que também prejudicou a actividade noutros terminais portuários de Setúbal.

O sindicato dos estivadores já reagiu à convocatória, confirmando que estará presente, acrescentando que como sempre tem afirmado, participará “nesta ou em qualquer outra reunião, sem quaisquer condições prévias”. Disse também que das conclusões dessa reunião, “se as houver”, dará conta “no dia seguinte, em Setúbal, em Conferência de Imprensa com a presença do Coordenador Mundial do IDC, Jordi Aragunde Miguéns, e dos delegados do SEAL de seis dos oito portos” onde está representado. Tal conferência de imprensa “será organizada à margem e na continuidade do encontro sindical que o SEAL promove durante a manhã, com a presença dos partidos com representação parlamentar que deram apoio presencial aos estivadores de Setúbal e representantes de várias organizações sindicais que se declararam solidárias”.

Os estivadores dos seis portos representados na conferência de imprensa provêm de Leixões, Figueira da Foz, Lisboa, Setúbal, Sines e Praia da Vitória. “Os delegados do porto do Caniçal não poderão estar presentes precisamente devido a mais uma das perseguições que o SEAL tem denunciado, a contínua instauração de processos disciplinares, não se podendo ausentar da ilha da Madeira, onde têm de responder perante processos persecutórios”, referiu o sindicato. “Caso os procedimentos do processo disciplinar o permitam, Marco Vieira e os demais estivadores da Madeira estabelecerão contacto por ligação remota”, informou o sindicato.

O embarque dos veículos no Paglia não resolve o problema do porto de Setúbal nem o da Autoeuropa. Três dias de trabalho de um grupo de contratados, três dezenas, segundo a generalidade da imprensa, agudizaram a discórdia entre os estivadores eventuais do porto e a empresa contratante, a Operestiva – Empresa de Trabalho Portuário, não terminaram com a paralisação dos estivadores do porto e nem sequer contribuíram para colocar termo à greve ao trabalho extraordinário em curso em vários portos nacionais até ao final deste ano.

Entre Quinta-feira e Sábado, os trabalhadores contratados, acusados de não serem do porto de Setúbal e de traição pelos estivadores eventuais e suspeitos de não estarem especialmente preparados para a tarefa que desempenharam, foram diariamente transportados para o terminal da Autoeuropa com protecção policial da PSP e sujeitos a acusações e insultos dos estivadores habituais, que permaneceram no porto em protesto. António Mariano, do Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística (SEAL), chegou a afirmar que estes contratados tinham 1/5 da produtiviade dos estivadores habituais, mas estavam “a ser pagos pelo dobro”. Segundo dados do SEAL, atribuídos à Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), terão recebido 500 euros por dia, mas foi um dado que não confirmámos.

Na Sexta-feira, perante as câmaras da televisão, um estivador apelou directamente à intervenção do Presidente da República para resolver o problema. No mesmo dia, Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, registou a celeridade com que o Governo mobilizou as polícias, no que considerou uma demonstração da inércia do Executivo em responder a “uma luta perfeitamente justa” e questionou o Governo sobre a protecção que parece conceder “àquela multinacional”, numa alusão à Yilport. Já o deputado Bruno Vitorino, do PSD, manifestou a sua incompreensão pelo facto de existirem “trabalhadores há 5, 10, 15 anos, que continuam a ser temporários e que se diz que isto é legal, que é normal, que é moral”.

Também na Sexta-feira, Arménio Carlos, Secretário-geral da CGTP, embora reconhecendo a importância da Autoeuropa e afirmando o interesse na continuação da laboração da empresa em Palmela “por muitos e bons anos”, considerou que essa laboração “tem que ter como pressuposto que em Portugal quem manda é o poder político”.

A declaração mais relevante, porém, pertenceu ao Primeiro-Ministro que, numa conferência de imprensa, em resposta a uma questão de uma jornalista sobre o papel do Governo na contratação dos trabalhadores externos para embarcar os veículos da Autoeuropa no Paglia, sem responder directamente à pergunta, admitiu a necessidade de alteração do quadro de estivadores efectivos no porto de Setúbal e criticou o papel do SEAL no porto de Setúbal. Uma declaração que bem pode ter induzido a ministra do Mar a convocar, dois dias depois e em pleno Domingo, a reunião com o sindicato ds estivadores para hoje.

Depois de admitir a importância dos portos nacionais para a economia e do porto de Setúbal em particular, por ser dos poucos com instalações adequadas para operações ro-ro e com proximidade à Autoeuropa, António Costa considerou que “como a ministra do Mar já teve oportunidade de dizer, nada justifica a desproporção que existe no porto de setúbal relativamente a outros portos entre o número de contratados efectivos e o número de contratados eventuais” e lembrou que estão “abertos concursos para contratação de pessoal efectivo”.

Por esse motivo, António Costa reconheceu ter “muita dificuldade em compreender porque é que alguns dos eventuais que estão em greve exigindo ser efectivos não concorrem e respondem a essas ofertas de emprego para serem efectivos”. E sublinhou em seguida que “há uma coisa que não podemos ignorar: é que no porto de Setúbal existe um sindicato que felizmente não está disseminado em muitos outros portos e que é uma fortíssima condicionante ao bom funcionamento do porto”, para terminar apelando a um “diálogo social normal, como existe nos outros portos do país, que não seja caracterizado pelo tipo de actuação que tem existido naquele porto pois isso é intolerável para o país”.

Num dia pródigo em declarações, a Operestiva informou que se fez representar na sede da Associação dos Agentes de Navegação e Empresas Operadoras Portuárias (ANESUL) à hora e na data comunicada pela Direcção do Sindicato SEAL na passada Terça-feira, para serem retomadas as negociações para um Contrato Colectivo em Setúbal”, “interrompidas desde o passado dia 12 de Julho de 2018, data em que foi apresentada uma proposta à Direcção do SEAL, de conteúdo de Contrato Colectivo, que até à data não teve qualquer resposta por parte daquele Sindicato”.

A isto, a empresa acrescentou que “a Direcção do Sindicato SEAL não compareceu às 10:00 horas na sede da ANESUL, conforme indicado por aquele Sindicato”, lamentando essa ausência, que “inviabiliza que se possam resolver todas as questões referentes ao porto de Setúbal”. A Operestiva manifestou esperança de que o SEAL consiga “pôr fim à greve, bem como à paralisação por parte de alguns trabalhadores” e disponibilidade para reiniciar as negociações, e obterem-se soluções que permitam estabilidade e o retorno das cargas que nos últimos meses passaram a ter como destino os portos espanhóis, em vez de Setúbal”.

Também na Sexta-feira, o SEAL, no seu blogue O Estivador, respondeu a esta crítica, igualmente manifestada num comunicado conjunto da ANESUL e da AOP, entidades que acusou de, directamente ou através dos seus associados, distorcerem “a realidade, com vista a tentarem escamotear a verdade dos factos”.

Para o SEAL, “a actual paragem quase total do porto de Setúbal foi directamente provocada pelas entidades patronais e não pelos trabalhadores, efectivos e/ou precários, especialmente pelo ambiente de intimidação e coacção provocado por parte da gestão da Operestiva, associada na ANESUL, a qual levou à decisão de os 93 trabalhadores precários da mesma Operestiva terem decidido, no passado dia 5 de Novembro, apresentar a sua indisponibilidade para trabalhar, a qual se mantém até à presente data, em virtude de os mesmos não aceitarem uma solução parcial de contratações e defenderem a negociação de um contrato colectivo de trabalho que, complementarmente, defina uma solução global para todos os trabalhadores precários do porto de Setúbal”.

O SEAL recordou a comunicação de 20 Novembro que enviou à ANESUL e AOP, na qual manifestava disponibilidade para uma reunião sem condições nas datas 23, 29 ou 30 de Novembro. No dia da comunicação, a ANESUL respondia aceitando as datas mas impondo que o SEAL “terminasse com a greve ao trabalho suplementar e que fosse levantada a indisponibilidade para o trabalho por parte dos trabalhadores precários do porto de Setúbal”, referiu o Sindicato. No dia 21 de Novembro, diz o SEAL, pelas 17H00, “a AOP respondeu que aceitava as datas sugeridas pelo SEAL, sem condições”, mas às 20H00 “contradisse o anteriormente afirmado, escrevendo ao SEAL que, por lapso, não tinha enviado as suas condições, que especificou serem as da ANESUL, o que reafirmou em comunicação de igual teor enviada no dia seguinte, 22 de Novembro”.

Dizia também na Sexta-feira o Sindicato que “depois das comunicações acima referidas, não existiu qualquer outro contacto, não tendo sido, por isso, marcado dia, hora e local para qualquer reunião entre as partes”, tendo tais comunicações inviabilizado “por si só, a realização de qualquer reunião”. E concluiu reafirmando a sua disponibilidade “para reunir com as empresas, mas sem qualquer condição, de parte a parte”.

António Mariano disse também nesse dia que na próxima Quinta-feira, o SEAL estará no local da reunião e acusou o Governo de, ao não impedir a substituição dos trabalhadores eventuais habituais nesta operação, estar a patrocinar uma violação da lei da greve.

Entretanto, a RTP noticiava ontem que, de acordo com fonte do Ministério do Mar,os portos de Leixões e Sines estavam a operar normalmente e que os de Lisboa e Figueira da Foz operavam com recurso ao pagamento de horas extraordinárias.



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