Em Defesa da Competitividade do Mar

O Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) tem atraído, nos últimos anos, a atenção dos armadores da União Europeia, que começaram a encará-lo como uma alternativa válida aos concorrentes europeus, sobretudo Malta e Chipre. O trabalho sustentado da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM) ao longo dos anos, a associação à Euromar, empresa cuja expertise é reconhecida pelos armadores europeus, assim como o compromisso político quer do Governo de Portugal, quer do Governo Regional da Madeira, com os assuntos marítimos, está na base do crescimento.

 

Os dados são elucidativos. Desde o final de 2013, o MAR cresceu mais de 700% em termos de tonelagem e naquilo que respeita ao número de navios registados. Permitam-me duas questões. Algum sector ou empresa cresceu tanto em Portugal, num tão curto espaço de tempo? Algum sector ou empresa demonstraram o dinamismo que o MAR demonstrou? Tenho dúvidas de que a resposta, a qualquer uma das perguntas seja positiva, mas se for, peço gentilmente aos eleitores que me esclareçam.

 

Feito o enquadramento, é importante, enquanto presidente da European International Shipowners Association of Portugal (EISAP) e portanto, legítimo representante dos armadores internacionais com navios registados no MAR, alertar para um cenário que não é tão “cor de rosa” quanto se poderia imaginar através de uma simples análise dos dados de crescimento.

 

O Registo Internacional de Navios da Madeira vive uma encruzilhada. Se, por um lado, fruto do seu crescimento, trouxe a bandeira portuguesa para as listas brancas das maiores classificadoras internacionais, por outro parece estar a ser vítima do seu próprio sucesso. Vejamos.

 

A administração de bandeira portuguesa não tem demonstrado capacidade para responder às necessidades legítimas dos armadores, naquilo que concerne, por exemplo, à emissão atempada de certificados de marítimos e de certificados de navios. Recentemente, estavam mais de 700 pedidos em cima das mesas de trabalho da Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM).

 

Navegar sem os documentos necessários é, basicamente, como conduzir um automóvel sem carta de condução. É ilegal e é perigoso, sendo por isso altamente desaconselhável. Os armadores não o podem fazer e não o querem fazer, daí que a incapacidade da DGRM para imitir atempadamente os certificados legalmente exigidos não seja apenas um travão ao crescimento,  é sobretudo um convite à demanda de outros registos.

 

Recentemente, foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei 53/2016 de 24 de Agosto, da autoria do Governo, que abre caminho à simplificação administrativa mas que estabelece um prazo de um ano e meio para atingir esse objetivo. Um ano e meio é, efetivamente, muito tempo. É demasiado tempo para os armadores com navios registados no MAR.

As autoridades portuguesas devem perceber que a adopção de certificados electrónicos é urgente e que a urgência justifica a sua transição do plano de intenções para o plano da ação, num espaço de tempo muito inferior ao final de 2017. É vital para os armadores que assim aconteça e sendo-o, é também vital para o MAR e mesmo para a bandeira convencional portuguesa.

Recentemente, um dos principais armadores europeus, com navios a navegar com bandeira portuguesa, anunciou a intenção de registar as suas novas construções em Malta e não em Portugal. A posição anunciada é um sinal preocupante. Alguns players relevantes no mercado do shipping internacional começam a ficar impacientes. O timing ideal para a adoção de certificados electrónicos seria Outubro do presente ano, sendo que o final de 2016 marca o limite máximo aceitável.

A EISAP pretende ser um instrumento ao dispor das autoridades nacionais e regionais e nesse sentido, propôs-se doar um software desenvolvido por um associado nosso, devidamente testado, que resolveria o problema. Munimo-nos de um parecer jurídico, da autoria de um dos mais reputados escritórios de advogados em Portugal, que atesta a legalidade da doação e da utilização da ferramenta, pelo estado português.

O software não armazena dados, ou seja, todos os dados recolhidos seguem diretamente para os servidores designados pelo Governo português, sendo que só a entidade autorizada pelo Executivo a eles tem acesso. Resumidamente, não se coloca em causa a segurança da informação.

Enquanto Presidente da EISAP; reitero a oferta que se destina, exclusivamente, a resolver um problema que se está a tornar dramático.

Para os armadores – e também com o objetivo de agilizar procedimentos – seria interessante transformar a Comissão Técnica do Registo Internacional de Navios da Madeira numa one-stop-shop para o MAR, dando-lhe competências para ser, em Portugal, o espaço onde se tratam as questões relacionadas com o registo internacional.

Esta proposta não significa necessariamente transferir poderes de Lisboa para a Madeira, muito menos transferir poderes de entidades públicas para as entidades privadas. Como é do conhecimento geral, a Comissão Técnica tem representantes da DGRM, portanto, do Ministério do Mar.

Infelizmente, o problema da falta de emissão atempada de certificados não é o único. Portugal é dos poucos países que exige um formato próprio de Log Books – simplisticamente, diários de bordo. Os modelos foram definidos numa Portaria datada de 1973.

Hoje, no mundo do shipping, o mais comum é os Log Books serem electrónicos. O formato exigido por Portugal representa um custo para os armadores mas, mais importante do que isso, representa uma enorme perda de tempo.

Estes são os assuntos mas prementes, existindo outros que são relevantes. Avanço com dois exemplos. A necessidade de permitir que os navios de bandeira portuguesa se protejam com guardas armados a bordo, quando navegam em áreas onde o risco de pirataria marítima é real, de forma a salvaguardar a vida dos tripulantes. A ratificação de diversos tratados internacionais.

Gostaria de finalizar este longo artigo salientando a abertura quer do Governo de Portugal, quer do Governo Regional da Madeira, para nos ouvir. Muito caminho tem sido feito. Agora, urge dar os passos decisivos para transformar o MAR, a médio prazo, no maior registo da União Europeia. Os armadores internacionais estão dispostos a trazer os seus navios para Portugal, desde que sejam encontradas soluções para os problemas que aqui levantei.



Um comentário em “Das Muitas Rotas no Mar”

  1. José Luis Gonçalves Cardoso diz:

    Pedia o favor ao autor deste artigo se me pode indicar o site onde possa ter acesso à actual lista de Qualidades/ Competências e Requisitos Técnicos a respeitar quando se solicita um Certificado Marítimo e um Certificado de Navio.
    Igualmente será possível saber quantas pessoas devidamente credenciadas para estas funções existem na Madeira?
    Muito Obrigado
    JL Cardoso

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