As quatro organizações de defesa do ambiente que integram o grupo de trabalho das Áreas Marinhas Protegidas estão satisfeitas com os resultados obtidos até aqui, mas reconhecem a dificuldade em cumprir as metas internacionais subscritas por Portugal e admitem que aquele grupo não criou uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas conforme estava mandatado para fazer por Despacho já assinado pela ministra do Mar. As organizações também não revelaram surpresa com as conclusões de uma auditoria feita pelo Contas às AMP nacionais, divulgado este mês.
Expedição Five Deeps

A acção do Grupo de Trabalho para as Áreas Marinhas Protegidas (GT-AMP) vai evoluir para uma fase de desenvolvimento dos quadros de medidas de gestão e implementação da Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas (RNAMP), anunciou recentemente a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, numa sessão comemorativa do Dia Nacional do Mar, onde apresentou publicamente um relatório com os resultados obtidos até agora por aquele grupo.

Em comunicado, as associações de defesa do ambiente do GT-AMP (Pong-Pesca, Liga para a Protecção da Natureza, ou LPN, World Wide Fund for Nature, ou WWF, e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, ou SPEA) mostraram-se “satisfeitas com os resultados obtidos e com o compromisso assumido pela ministra do Mar de prosseguir com o processo de implementação de uma Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas, ecologicamente coerente e efectivamente implementada”.

Todavia, aquelas organizações alertaram “para o exigente trabalho que o país tem pela frente no sentido de alcançar uma rede ecologicamente coerente de AMP, com planos de gestão efectivos e meios que garantam a sua adequada implementação”, refere o mesmo comunicado. Os objectivos pretendidos são complexos e difíceis de obter no prazo estabelecido, “apesar de estarmos empenhados em contribuir para que este processo avance e alcance os resultados esperados”, referem as organizações.

E recordam que “seguindo as metas delineadas em Aichi e subscritas por Portugal, 10% dos oceanos deverão ser conservados através de gestão eficiente e justa até 2020”. Um objectivo que “está longe de ser conseguido no nosso país, tal como revelado no recentemente divulgado relatório de auditoria do Tribunal de Contas (TC)” às AMP em Portugal.

Quanto ao relatório apresentado pela ministra do mar, de acordo com as ONGs, “focou-se principalmente num diagnóstico da situação existente, fazendo um enquadramento geral do que se pretende para uma Rede Nacional de AMP (RNAMP), analisando as questões da gestão e monitorização, avaliando o potencial contributo das AMP existentes no enquadramento proposto para a RNAMP e identificando novas áreas com valores naturais conhecidos com potencial de preservação, terminando com uma análise das lacunas de conhecimento e propostas de desenvolvimento”.

As organizações recordam que o grupo de trabalho “juntou representantes de variadas instituições estatais, bem como academia e sociedade civil, reunindo 10 vezes ao longo de 1 ano”, com a sociedade civil “representada pelas Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) ANP/WWF, LPN, SPEA e pela PONG-Pesca”.

De acordo com estas ONGA, “o diagnóstico da situação existente é um capítulo fundamental para o trabalho futuro, sendo a primeira vez que se faz este diagnóstico englobando em simultâneo todo o território marinho de Portugal” e o relatório agora apresentado contempla um “capítulo da avaliação do potencial contributo das AMP existentes no enquadramento proposto para a RNAMP” com “uma metodologia inovadora, que será uma peça fundamental para orientar o processo de criação da RNAMP”.

Em todo o caso, lembram que “o GT-AMP não criou uma rede de AMP como mandatado” pelo Despacho Nº. 1/20171 de 6 de Março, assinado pela ministra do Mar, “mas desenvolveu um extenso e inédito trabalho de base que suporta a futura criação da RNAMP”.

No comunicado, as ONGA “consideram essencial a inclusão de áreas de protecção total (áreas “no take”), que podem incluir áreas sem presença humana, ou com presença humana limitada, mas sem atividades extractivas, na RNAMP” e entendem que é fundamental “que se faça uma avaliação aos habitats a conservar que tenha em conta TODO o tipo de actividades e usos”.

Entendem ainda que “as actividades com grande impacto, como a exploração de petróleo e gás, a mineração em mar profundo e a pesca de arrasto de fundo, não são compatíveis com os objetivos da RNAMP” e que é prioritário “que quer as AMP já existentes, quer as que venham a ser criadas, sejam dotadas com medidas de gestão, monitorização, fiscalização e financiamento efectivos e eficientes”.

Para as ONGA é igualmente ”crucial o envolvimento de stakeholders na identificação, implementação e gestão das AMP da RNAMP, através de processos participativos e de co-gestão, acrescentando que “a aceitação e consequente sucesso das medidas de conservação é normalmente conseguida quando os conhecimentos e experiência de todos os utilizadores são integrados ao longo de todo o processo de planeamento, implementação e gestão das AMP”.

 

Tribunal de Contas auditou AMP

 

No passado dia 6 de Novembro, foi publicado um relatório de uma auditoria feita pelo TC às AMP em Portugal “num horizonte temporal de 2010 a 2016”, conforme se refere no site daquele Tribunal. O documento concluiu que “Portugal estava ainda longe de atingir o Objectivo 14 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, e a Meta 11 do objectivo C das Metas de Biodiversidade da Convenção sobre Diversidade Biológica”, mas refere que se prevê “que a classificação das áreas previstas, uma vez formalizada, permita atingir esses objectivos”.

Mas o TC identificou outras realidades. Segundo refere, “os processos para classificação das áreas marinhas protegidas não estão a ser coordenados entre a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas” e “os planos de ordenamento e o Plano Sectorial da Rede Natura 2000 não incluem, em regra, objectivos mensuráveis”, acrescentando que “uma base de referência adequada e sistemas de actualização da informação, bem como indicadores eficazes, ainda não estão disponíveis”.

O TC concluiu também que “não existe uma estrutura de acompanhamento global das áreas marinhas protegidas e não é feita uma avaliação dirigida especificamente à sua sustentabilidade”, sublinhando que “as entidades envolvidas na gestão dessas áreas carecem de meios para um acompanhamento efectivo e fiscalização eficaz, sob pena de as AMP serem simples reservas no papel”.

Face ao cenário identificado, o TC sugeriu “ao ministro do Ambiente, que nos programas revistos sejam fixados indicadores e objectivos mensuráveis e implementado um mecanismo de acompanhamento e avaliação global das áreas marinhas protegidas”. À ministra do Mar, recomendou “que diligencie pela aprovação e publicação do diploma que formalize a classificação das áreas protegidas situadas na zona económica exclusiva e pela apresentação à Assembleia da República do relatório trienal sobre “o estado do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional”. E à Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), recomendou “que melhorem os procedimentos de coordenação entre si”.

“Muitas das conclusões da auditoria do TC não foram surpresa para as ONGA, já que as mesmas reflectem grande parte das preocupações que foram repetidamente transmitidas no Grupo de Trabalho, e que são agora inequivocamente confirmadas”, referem as organizações de defesa do ambiente do GT-AMP.



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