Secas, inundações e tempestades (incluindo furacões e ciclones) são os eventos que levaram às deslocações mais induzidas por desastres em 2018. O mundo está doente, os sinais físicos estão por demais evidentes, e agora?
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Que o mundo está doente, está a população cansada de saber. Os sinais físicos são evidentes: há uma concentração recorde de gases de efeito de estufa que tem conduzido a níveis extremos das temperaturas a nível global, tanto em terra como no mar, a subida do nível médio das águas do mar é expressiva, assim como são visíveis os desastres naturais. Mas quão precisos podemos ser neste assunto?

“Desde que a Declaração [da OMM] foi publicada em 2018, a ciência climática obteve um grau de robustez sem precedentes, fornecendo evidências oficiais do aumento das temperaturas e das consequências associadas, como a aceleração do nível médio das águas do mar, o degelo, o encolhimento do gelo marítimo e eventos extremos, como ondas de calor”, referiu o Secretário-Geral da Organização Mundial da Meteorologia (OMM, ou WMO, em inglês), Petteri Taalas.

De acordo com o novo relatório da OMM, os níveis de carbono (que se encontravam a 357,0 partes por milhão (ppm) quando a Declaração foi feita, em 1994) continuaram a subir para 405,5 partes por milhão (ppm) em 2017, e devem continuar a aumentar.

Através deste agravamento da saúde do planeta, a OMM, com o auxílio de uma vasta contribuição de serviços meteorológicos e hidrológicos nacionais e uma extensa comunidade de cientistas e agências das Nações Unidas, pode concluir o impacto negativo na saúde e bem-estar humano, migração, segurança alimentar, meio ambiente e ecossistemas oceânicos e terrestres.

“O clima extremo tem-se prolongado em 2019, mais recentemente com o Ciclone Idai, que causou inundações devastadoras e muitas vidas perdidas em Moçambique, Zimbabwe e Malawi. Pode tornar-se um dos desastres naturais mais mortíferos a atingir o hemisfério sul” referiu Petteri Taalas.

“O Idai atingiu a cidade de Beira: uma cidade baixa e de rápido crescimento numa costa vulnerável a tempestades e já enfrentando as consequências da subida do nível médio das águas do mar. As vítimas do Idai personificam o porquê da necessidade do foco da agenda global sobre o desenvolvimento sustentável, a adaptação às alterações climáticas e a redução do risco de desastres”, prosseguiu.

O início deste ano registou igualmente temperaturas recorde de Inverno na Europa, frio incomum na América do Norte e ondas de calor na Austrália. A extensão de gelo, tanto no Árctico como na Antárctida estão novamente abaixo da média e as temperaturas do mar, em parte ainda devido à passagem do El Niño (fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal), deverão registar também temperaturas acima do normal, particularmente nas latitudes tropicais.

“Os dados divulgados neste relatório são motivo de grande preocupação. Os últimos quatro anos foram os mais quentes, com uma temperatura média da superfície global em 2018 de aproximadamente 1 ° C acima da linha de base pré-industrial”. “Esses dados confirmam a urgência da acção climática. Questão que foi enfatizada pelo recente relatório especial do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) sobre os impactos do aquecimento global de 1,5 ° C. O IPCC descobriu que limitar o aquecimento global a 1,5 ° C exigirá transições rápidas e abrangentes em terra, energia, indústria, edifícios, transporte e cidades e que as emissões globais de dióxido de carbono causadas pelo homem precisam diminuir cerca de 45% em relação a 2010 até 2030, atingindo o valor líquido em torno de 2050”, explicou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres.

 

Secas, inundações e tempestades – os mais expressivos

 

Em 2018, a maioria dos desastres naturais – que afectaram quase 62 milhões de pessoas – foram associados a eventos meteorológicos e climáticos extremos. Com as inundações na linha da frente, a afectar o maior número de pessoas, mais de 35 milhões, de acordo com uma análise de 281 eventos registados pelo Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia dos Desastres (CRED) e a Estratégia Internacional para Redução de Risco de Desastres das Nações Unidas.

Os furacões Florence e Michael foram dois dos 14 desastres bilionários em 2018 nos Estados Unidos da América, tendo provocado cerca de 43,6 mil milhões de euros em danos e mais de 100 mortes. O super tufão Mangkhut afectou mais de 2,4 milhões de pessoas e matou pelo menos 134 pessoas, principalmente nas Filipinas.

Mais de 1.600 mortes foram associadas a intensas ondas de calor e incêndios florestais na Europa, Japão e Estados Unidos, associados a prejuízos económicos na ordem dos 21 mil milhões de euros nos Estados Unidos. O estado indiano de Kerala sofreu chuvas intensas e inundações devastadoras.

Como não poderia deixar de ser, a exposição do sector agrícola a estes extremos eventos ameaça reverter os ganhos a que se tem assistido no combate à desnutrição. Pelo que, dados compilados pelas agências das Nações Unidas demonstram um crescimento contínuo no aumento da fome mundial após um declínio prolongado. Em 2017, o número de pessoas subnutridas estimava-se em 821 milhões.

Dos 17.7 milhões de pessoas deslocadas internamente (IDPs) rastreadas pela Organização Internacional para a Migração, mais de dois milhões de pessoas foram deslocadas devido a desastres ligados ao clima e eventos climáticos. Secas, inundações e tempestades (incluindo furacões e ciclones) são os eventos que levaram à deslocação mais induzida por desastres em 2018. De acordo com a Rede de Monitorização de Protecção e Retorno da ACNUR, cerca de 883.000 novas deslocações internas foram registadas entre Janeiro e Dezembro de 2018, das quais 32% foram associadas a inundações e 29% à seca.

Existem muitas interconexões entre clima e qualidade do ar, agravadas pelas alterações climáticas. Entre 2000 e 2016, estima-se que o número de pessoas expostas às ondas de calor tenha aumentado em cerca de 125 milhões de pessoas, pois a duração média das ondas de calor individuais foi 0,37 dias a mais, em comparação com 1986 e 2008, segundo a Organização Mundial de Saúde – alarme para a comunidade de saúde pública, pois tem tendência de agravamento.

 

E os nossos oceanos?

 

O branqueamento de corais e os níveis reduzidos de oxigénio nos oceanos, a perda do Carbono Azul associado a ecossistemas costeiros, como mangais, ervas marinhas e salinas e ecossistemas através de uma variedade de paisagens representam mais consequências visíveis. E espera-se que o aquecimento global contribua para a diminuição observada de oxigénio nos oceanos, incluindo estuários e mares semi-fechados. Desde meados do século passado, estima-se que há um decréscimo de um a dois por cento no inventário global de oxigénio nos oceanos, segundo a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO (UNESCO-IOC).

Mais de 90% dos registos da energia retida pelos gases do efeito estufa vai para os oceanos e o calor dos oceanos fornece uma medida directa dessa acumulação de energia nas camadas superiores do oceano.

Na última década, os oceanos absorveram cerca de 30% das emissões antropogénicas de CO2. O CO2 absorvido reage com a água do mar e altera o pH do oceano. Este processo é conhecido como acidificação oceânica, que pode afectar a capacidade de organismos marinhos, como moluscos e corais construtores de recifes.

O nível do mar continua a subir aceleradamente. A média global do nível do mar (GMSL) para 2018 foi de cerca de 3,7 milímetros mais alta do que em 2017 e a mais alta registada. No período de Janeiro de 1993 a Dezembro de 2018, a taxa média de aumento é de 3,15 ± 0,3 mm por ano, enquanto a aceleração estimada é de 0,1 mm/ano.

O aumento da perda de massa de gelo é tido como a principal causa da aceleração de GMSL, conforme revelado pela altimetria por satélite, de acordo com o grupo de orçamento global para o nível do mar do World Climate Research Program, 2018.

A camada de gelo da Gronelândia tem vindo a perder massa de gelo quase todos os anos nas últimas duas décadas. O orçamento de massa de superfície (SMB) viu um aumento devido à queda de neve acima da média, particularmente no Leste. Uma perda da camada de gelo da Gronelândia de aproximadamente 3.600 gigatoneladas desde 2002.

Um estudo recente também examinou amostras de gelo retiradas da Gronelândia e determinou que o nível recente de eventos de fusão na camada de gelo não ocorreu nos últimos 500 anos. Segundo o Serviço Mundial de Monitorização de Gelo, 2018 foi o 31º ano consecutivo de balanço de massa negativo.

 



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