A inclusão do estaleiro da Navalria – Docas, Construções e Reparações Navais numa lista da Comissão Europeia (CE) 18 infra-estruturas semelhantes com “instalações seguras para os trabalhadores e o ambiente”, segundo a CE, “é claramente uma oportunidade e uma vantagem competitiva para a empresa”, admitiu ao nosso jornal Vitor Figueiredo, administrador da empresa.
“Desde cedo que sabíamos que os resultados desta actividade seriam sempre de médio e longo prazo e essa altura está agora a chegar”, reconhece Vítor Figueiredo. “Identificámos e definimos o caminho em 2009, sabendo que a prazo as regras ambientais e as exigências europeias iriam traçar o caminho para este tipo de actividade, mais regulamentada, mais exigente e mais fiscalizada”, referiu-nos.
Mas esta inclusão representa também um desafio de exigência, especialmente no plano ambiental, que o administrador da Navalria admite. “Este projecto veio sem dúvida trazer um grau de exigência maior no que respeita essencialmente às questões ambientais, pois as de segurança sempre estiveram interiorizadas e sempre foram uma das prioridades da empresa”, refere este responsável”.
Mas este resultado decorre da participação da empresa num projecto de demonstração de capacidade, num processo que surgiu em conjunto “com empresas parceiras espanholas, que em consórcio, se candidataram à execução de um projecto piloto de desmantelamento e reciclagem de navios em fim de vida através do programa de incentivos europeu LIFE+ RECYSHIP”, esclareceu-nos Vítor Figueiredo.
No âmbito desse programa, a Navalria, associada a alguns parceiros, concorreu à obtenção de um financiamento para adequação dos estaleiros aos requisitos exigidos pela União Europeia relativamente ao desmantelamento de navios. Segundo nos explicou Vitor Figueiredo, esse processo de adequação foi acompanhado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que entretanto emitiu licença para desmantelamento de navios à Navalria, e pela Capitania do Porto de Aveiro.
Nesse contexto, embora o projecto LIFE se tenha iniciado em 2009, só entre 2011 e 2013 “é que se fizeram os primeiros desmantelamentos experimentais”, esclarece Vítor Figueiredo, acrescentando que “após a obtenção da licença definitiva, a Navalria efectuou mais dois projectos de desmantelamento”.
O RECYSHIP foi um programa concebido no âmbito do LIFE+ destinado a promover o desmantelamento de navios, com enfoque especial nas questões segurança, saúde e protecção ambiental, desenvolvido entre 2009 e 2012. A sua finalidade foi contribuir para o desenvolvimento de regras e orientações relativas aos navios que, por diversas razões, devem ser removidos, tornando-se a partir daí um resíduo complexo e difícil de ser gerido.
Entre os propósitos da União Europeia com este projecto estão o reforço da legislação sobre resíduos e navios como resíduos, a obtenção de soluções de longo alcance para Estados membros, empresas e navios sob bandeira comunitária, contribuir para avaliar a possibilidade de aumentar a capacidade de descontaminação e desmantelamento de navios na Europa, providenciar assistência técnica e transferência de tecnologia e de boas práticas para a reciclagem entre os Estados membros e ajudar a promover iniciativas voluntárias dentro deste contexto.
A participação da Navalria neste programa constituiu um “desafio constante para a equipa no que respeita às definições dos procedimentos, de novas formas de trabalho e desenvolvimento de técnicas para a obtenção dos objectivos, sempre em segurança e sem risco na componente ambiental”, explicou-nos este responsável, e foi determinante para a sua inclusão na lista.
Embora signifique uma oportunidade de negócio para a Navalria, Vítor Figueiredo considera que existem obstáculos a ultrapassar, nomeadamente no plano da “consciencialização dos armadores no que respeita à vida útil dos navios e à necessidade/obrigatoriedade de, no fim de vida, só restar o caminho da reciclagem”.
O administrador considera que “as entidades competentes são ainda permissivas com os armadores que têm os navios em fim vida, muitas vezes em condições de risco ambiental e de segurança” e que “enquanto a actuação das entidades não obrigar à remoção dos navios, os armadores vão manter os mesmos, na esperança de conseguirem rentabilizar a venda dos mesmos, muitas vezes para mercados africanos, onde estes possam ainda operar”.
Uma questão de capacidade
A inclusão do estaleiro da Navalria nesta lista será revista em 2020. Para Vítor Figueiredo, a permanência na lista depois dessa data “só depende da vontade e da estratégia da empresa”, que é “detentora de todas as capacidades para a continuidade desta actividade”. E acrescenta que “as instalações existem, a capacidade técnica e conhecimento estão na empresa”.
Actualmente, “a empresa está capacitada para receber qualquer tipo de navio, tendo só a limitação do tamanho” e tem um estaleiro adequado a “embarcações de pequena e média dimensão, havendo limites no tamanho e tonelagem dos mesmos”, refere o administrador da Navalria.
Apesar desta capacitação, o desmantelamento de navios “ainda não tem peso relevante no negócio da empresa”, refere o mesmo responsável. “Tirando a parte já realizada no projecto LIFE, após a obtenção da licença definitiva, ainda são poucos os desmantelamentos realizados”, admite, com a convicção de que o mercado “vai começar a aparecer com mais força”.
Face à curta dimensão da actividade, a empresa não dispõe de uma equipa dedicada exclusivamente a este serviço. “Quando aparecem projectos de desmantelamento, os serviços são assegurados pela equipa de reparação de navios”, esclarece.
Por outro lado, no plano da reciclagem, Vítor Figueiredo não teme a concorrência dos mercados do Extremo Oriente. O que se facilmente se entende, porque são “mercados substancialmente diferentes”, explica, considerando que aí “as exigências ambientais e de segurança das pessoas são praticamente nulas”. Além disso, “considerando que a Navalria está capacitada para navios de pequena e média dimensão, não serão esses mercados que vão ameaçar este nicho de mercado, uma vez que fazer deslocar as embarcações para essas geografias acarreta custos avultados.
No plano nacional, o administrador da Navalria reconhece que o grande obstáculo à reciclagem de navios reside na sustentabilidade do negócio. Essa actividade consiste na separação e encaminhamento de resíduos, alguns classificados como perigosos, “e isso acarreta custos que, em grande parte, são superiores à receita da valorização dos resíduos que possam ter valor de mercado”, em particular o aço.
“Se os armadores continuarem a querer rentabilizar a venda dos navios em fim de vida, considerando que estes têm ainda um valor patrimonial significativo, obviamente que a remuneração do serviço de reciclagem fica muito condicionada e pode não ser rentável”, esclarece.
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