Penso que em nenhum outro local do globo, daquele imenso torrão de globo que nos coube outrora, exercemos uma diplomacia mais categorizada e com melhores resultados, do que no Brasil, e no seu relacionamento com a restante América hispânica, até ao momento de em 1822 entregarmos o país aos legítimos condutores do seu futuro e desígnio.
Nem nas elucubrações asiáticas após a chegada à Índia, em que tivemos que negociar a nossa estadia e permanência naquelas paragens com os reinos vizinhos, com uma política misto de força – em alguns casos, e bem documentados, de terror puro – e de perfídia, arregimentando inimigos de inimigos, e semeando a dissidência entre os amigos de amigos, e sempre que isso foi do nosso interesse, como por exemplo no caso de Malaca.
Naturalmente que a qualidade do tratamento dado aos negócios estrangeiros brasileiros, antes e depois da independência, dependeu, como acontece geralmente em qualquer assunto, do fator humano que o exerceu. Segue-se a eficiência dos processos e recursos utilizados, e o aproveitamento oportuno das circunstâncias propícias, com a adoção das melhores opções.
No primeiro caso, na personalização dos condutores das políticas, destacam-se um conjunto notável de homens que vão de Alexandre de Gusmão ao Barão do Rio Branco, passando por Ponte Ribeiro.
Alexandre de Gusmão (1695 – 1753) um português nascido no Brasil – bête noire do Marquês de Pombal – irmão de Bartolomeu, o padre voador, foi o responsável pelo Tratado de Madrid de 1750, que formatou o Brasil num território próximo do atual, permitindo que Portugal se instalasse muito para lá das 370 léguas de terra a contar de Cabo Verde, que nos couberam do Brasil pelo Tratado de Tordesilhas, com a exclusividade de acesso e propriedade da Bacia do Amazonas.
Duarte da Ponte Ribeiro (1795 – 1878), um brasileiro nascido em Portugal, foi o encarregado da política externa brasileira nos primeiros anos que se seguem à independência, durante os dois impérios dos dois Pedros, primeiro deles e o nosso quarto, e o segundo, apenas dos brasileiros.
Em negociações e tratados, explorou em proveito da sua pátria, as imensas e diversas fragilidades, quando não autênticas incompatibilidades, que assistiam às jovens repúblicas sul americanas vizinhas, saídas do perturbado processo de independência com Espanha, na sequência lógica aliás, do que parece ter sido uma menor atenção por parte do nosso vizinho ibérico em 1750, relativamente aos seus domínios americanos, contrastando fortemente com a nossa posição, que já fazíamos do Brasil um desígnio nacional, muito para além de uma moda, ou de mais um fator negocial, como recurso para outras ocasiões e coordenadas geográficas.
Para além disso, deve-se a ele a organização da mapoteca que hoje pode ser olhada com orgulho por brasileiros e portugueses no Itamaraty, e com inveja por outras instituições diplomáticas mundiais, e quase com mágoa, pelos diplomatas sul americanos, que se lembram do efeito devastador que causava nas reuniões de delimitações de fonteira, os mapas rigorosos e autênticas obras de arte, que os portugueses tinham elaborado e deixado ao novo país independente, e depois prosseguidos e atualizados já pelos serviços cartográficos brasileiros, em contraste com os esquissos e as cadernetas de apontamentos exibidos pelos seus antagonistas.
O Barão do Rio Branco (1845 – 1912), José Maria da Silva Paranhos Júnior, finalmente um brasileiro nascido no Brasil, filho daquele que provavelmente foi o mais importante chefe de governo do Império, o Visconde do Rio Branco, vai ser o grande nome da Primeira Républica. Entra cedo para a carreira diplomática, sendo cônsul nas grandes metrópoles europeias, e exercendo o cargo de Chanceler desde 1902 até à sua morte, em pleno gabinete no Itamaraty, para onde mandou transferir a sua cama, para mais de perto acompanhar o que dizia respeito à diplomacia do seu país.
Rio Branco através de uma ação diplomática notável, assente sobretudo nas vitórias obtidas em três grandes dossiers, em 1895, com a Argentina, na questão de Palmas, em 1898-1900, com a França, na questão do Amapá, envolvendo disputas territoriais com as Guianas francesas, e em 1903-1909, com o Bolivian Syndicate, patrocinado tenuemente pela Bolívia e fortemente pelos EUA, onde incorporou o território do Acre ao património do Brasil.
Mas na minha opinião, para além destes três fatores (competência profissional, processos estruturados assentes em mapas rigorosos, e sentido de oportunidade) a qualidade da diplomacia brasileira também deve muito ao facto de ter tido acesso à independência numa altura em que o Rio de Janeiro, era a capital de Portugal, albergava a corte e o governo, e tratava portanto, da diplomacia portuguesa.
Aqui, no Rio de Janeiro, os diplomatas portugueses, alguns dos quais passariam a brasileiros em breve, não lidavam com assuntos domésticos entre repúblicas nacionalistas autóctones, recém formadas, ainda em fase de consolidação, mas de dossiers geridos pelas mais sofisticadas diplomacias do mundo, como a inglesa, francesa, russa, austríaca, prussiana, etc.
Quando a independência é alcançada, no Brasil, os diplomatas não estão ocupados a tratar questões nacionalistas com os vizinhos, mas com as preocupações cosmopolitas, que assistiam ao governo português.
Pelos salões e gabinetes do Rio de Janeiro passavam e permaneciam temporadas, os grandes nomes da política internacional, como o sucessivamente conde, marquês e duque de Palmela.
Tudo isto formou um excelente húmus cultural, que a diplomacia brasileira soube aproveitar magnificamente em proveito próprio.
O relacionamento entre as duas diplomacias, brasileira e portuguesa, soube sempre ultrapassar as vicissitudes inerentes aos tipos de regimes políticos que ambas serviam, império versus república, ditadura versus democracia, e onde governos diversos se alternavam num e noutro lado do oceano, ao ponto de no início dos anos noventa do século XX, o embaixador do Brasil em Portugal, ser neto de um embaixador de Portugal no Brasil. Desejo sinceramente que neste início de século XXI, este estado de coisas se mantenha, e até reforce, sobretudo agora, numa altura em que notícias oriundas do meio científico informam que o Atlântico está a ficar cada vez mais largo.