OPERAÇÕES MARITIMAS: A ABALROAÇÃO

 

Vamos continuar com o tema de operações marítimas e abordar desta vez a abalroação.

 

Já falamos anteriormente sobre a noção de acontecimentos de mar e a abalroação está enumerada como tal no artigo 13° n° 1 e 2 do Decreto-Lei n° 384/99 de 23 de Setembro.

Relembrando: acontecimento de mar é “todo o facto extraordinário que ocorra no mar, ou em águas sob qualquer jurisdição nacional, que tenha causado ou possa causar danos a navios, engenhos flutuantes, pessoas ou coisas que neles se encontrem ou por elas sejam transportadas.”

Passemos agora à noção de abalroação, sabemos à partida porque é do conhecimento comum, que se trata de um choque ou colisão entre dois ou mais navios contudo não temos na nossa lei uma definição de abalroação.

As abalroações são frequentes no alto mar e também nos portos sobretudo aquando das manobras de atracagem.

A abalroação quando ocorra por negligência ou dolo dá lugar ao pagamento de indemnização.

Iremos abordar hoje o regime internacional da abalroação Comecemos mais uma vez como tem acontecido com os outros temas abordados anteriormente por falar do regime internacional nesta matéria:

A Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910 sobre unificação de regras em matéria de abalroação regula para nós internacionalmente esta matéria.

No artigo 1° consta que: “em caso de abalroação ocorrida entre navios de mar ou entre navios de mar e embarcações de navegação interior, as indemnizações devidas em caso de danos causados aos navios, às cousas ou às pessoas que se encontrem a bordo, serão reguladas em conformidade das disposições, quaisquer sejam as águas em que se tiver dado a abalroação.”

Se a abalroação tiver sido:

  1. A) Fortuita ou devida a força maior ou havendo dúvidas sobre a causa da abalroação os danos são suportados pelos navios que os houverem sofrido. (Artigo 2°)
  2. B) Causada por culpa de um dos navios a reparação dos danos incumbe ao navio que incorreu em culpa. (Artigo 3°)
  3. C) Por culpa comum a responsabilidade de cada um dos navios será proporcional à gravidade das culpas respectivamente cometidas. Todavia se vistas as circunstâncias não puder estabelecer-se a proporção, ou se as culpas forem equivalentes, a responsabilidade será partilhada em partes iguais. (Artigo 4°)
  4. D) Causada por culpa de um piloto, ainda quando seja obrigatória a intervenção deste subsiste neste caso a responsabilidade estabelecida nos casos anteriores (Artigo 5°).

Os navios culpados serão responsáveis solidariamente em relação a terceiros pelos danos causados por morte ou ferimentos, excepto regresso do que houver pago uma parte superior àquela que deveria ter suportado. Pelo contrário os danos causados aos navios aos seus carregamentos e outros bens das tripulações, dos passageiros ou demais pessoas que se encontrarem a bordo serão suportados pelos navios culpados na respectiva proporção, sem solidariedade de terceiros (Artigo 4°).

Quanto ao direito de regresso pertence às legislações nacionais determinar o alcance e efeitos das disposições contratuais ou legais que limitem a responsabilidade dos proprietários de navios para com as pessoas que se encontram a bordo (Artigo 4°)

A acção de indemnização por perdas e danos sofridos por efeito de abalroação não depende de protesto, nem de outra formalidade especial e não existem presunções legais de culpa na responsabilidade por abalroação (Artigo 6°).

As acções de indemnização prescrevem no prazo de dois anos a contar do evento. É contudo de um ano o prazo para intentar acções de regresso admitidas nos termos do artigo 4° correndo a contar a partir do pagamento (Artigo 7°).

As causas de suspensão e interrupção das prescrições referidas são determinadas pela lei do tribunal onde for deduzida a acção (Artigo 7°).

Os prazos de prescrição poderão ser prorrogados nas legislações nacionais dos Estados Contratantes em atenção ao facto de o navio accionado não ter podido ser embargado nas águas territoriais do Estado em que o Autor tem o seu domicílio ou o seu principal estabelecimento (Artigo 7°).

Após a abalroação o capitão de cada um dos navios é obrigado a:

1- Sem grave perigo para o seu navio, tripulação e passageiros, a prestar assistência à outra embarcação, aos seus tripulantes e passageiros. (Artigo 8°)

2- A dentro do possível, a dar a conhecer ao outro navio o nome e o porto de registo da sua embarcação e as localidades de onde vem e para onde vai. (Artigo 8°).

Caso o capitão incumpra estes deveres o proprietario do navio não é responsável pela infracção, apenas responde portanto o capitão pela omissão destes deveres (Artigo 8°).

As disposições desta Convenção não alteram as regras sobre limitação de responsabilidade dos proprietários de navios estabelecidas em cada país, nem as obrigações resultantes do contrato de transporte ou de outro contrato (Artigo 10°).

As disposições da Convenção são aplicadas a todos os interessados quando todos os navios pertencerem aos Estados Partes Contratantes e nos outros casos previstos nas respectivas legislações nacionais. (Artigo 12°).

No caso de interessados de Estado não contratantes, os Estados Contratantes poderão subordinar a aplicação das disposições da Convenção à condição de reciprocidade (Artigo 12°).

Caso todos os interessados e o tribunal onde for julgada a questão pertencerem ao mesmo Estado aplica-se a lei nacional e não a Convenção (Artigo 12°).

A Convenção aplica-se à indemnização dos danos que por execução ou omissão de manobra, quer por inobservância de regulamentos, um navio tenha causado a outro navio, as coisas ou às pessoas que se encontravam a bordo, mesmo que não tenha havido abalroação. (Artigo 13°) Esta Convenção tem portanto uma aplicação ampla.

A Convenção não se aplica a navios de guerra, nem aos navios pertencentes ao Estado e exclusivamente empregados em serviço público (Artigo 11°).

Posteriormente surgiu a Convenção de Bruxelas de 10 de Maio de 1952 para a unificação de certas regras relativas à competência civil em matéria de abalroação.

De acordo com o artigo 1° desta Convenção a acção proveniente de abalroação entre navios de mar e barcos de navegação interior só pode ser proposta (Artigo 1°):

  1. A) No tribunal da residência habitual do Réu ou no Tribunal de ums das sedes da sua exploração;
  2. B) No tribunal do lugar onde tenha sido efectuado o arresto do navio acusado, ou de outro navio pertencente ao mesmo Réu, caso o arresto seja permitido, ou no tribunal do lugar onde o arresto poderia ter sido praticado e onde o Réu tenha prestado caução ou outra garantia.
  3. C) No tribunal do lugar de abalroação quando esta tenha ocorrido em portos ou ancoradouros e nas águas interiores.

Cabe ao Autor decidir em qual dos tribunais acima indicados deverá ser proposta a acção. O Autor nao pode intentar nova acção contra o mesmo Réu, com os mesmos fundamentos, perante outra jurisdição, sem desistir da acção proposta. Sob pena de incorrer em litispendencia (Artigo 1°)

As partes podem de comum acordo propor uma acção por abalroação em jurisdição escolhida por eles ou recorrer à arbitragem (Artigo 2°).

Os pedidos reconvencionais que resultem da mesma abalroação perante o tribunal competente da acção principal (Artigo 3°).

Se existirem vários autores cada um pode propor acção no Tribunal onde tenha sido intentada acção da mesma abalroação contra a mesma parte (Artigo 3°).

Caso na abalroação estejam implicados vários navios pode o Tribunal onde a acção tenha sido proposta declarar – se competente de acordo com as regras da sua lei nacional para julgar todas as acções intentada em razão do mesmo evento (Artigo 3°).

A Convenção aplica-se a acções que visem a reparação de prejuízos causados por um navio a outro ou a coisas ou pessoas que nele se encontrem decorrente de acção ou omissão de manobra ou inobservância de regulamentos, mesmo que não tenha havido abalroação (Artigo 4°).

A Convenção não altera regras de direito em vigor nos Estados Contratantes sobre esta matéria que afectem navios de guerra ou navios pertencentes ao Estado ou que estejam ao serviço do Estado (Artigo 5°).

Não se aplica às acções provenientes de contrato de transporte ou de outros (Artigo 6°) e também não se aplica aos casos abrangidos pela Convenção sobre a Navegação do Reno, de 17 de Outubro de 1868 (Artigo 7°).

A Convenção aplica-se a todos os interessados apenas quando todos os navios pertençam a Estados Contratantes, podendo ser aplicada a terceiros na condição de reciprocidade  (Artigo 8°).

Se todos os interessados e o Tribunal pertencerem ao mesmo Estado então nesse caso aplica-se a lei nacional, não a Convenção (Artigo 8°).

Se surgirem litígios entre os Estados questões de interpretação ou de aplicação da Convenção serão submetidas a arbitragem (Artigo 9°).

Vamos apresentar dois casos prático de abalroacao para ser melhor entendida a aplicação desta Convenção:

1- Suponha que há um choque de três  navios, todos da mesma nacionalidade. Além dos danos nos navios houve também dano em várias mercadorias pertencentes a três proprietários da mesma nacionalidade que os navios e o Tribunal competente tiver também a mesma nacionalidade que legislação se aplica? A Convenção ou a legislação nacional? Nos termos das Convenções acima referidas aplica-se a legislação nacional por se o elemento de conexão comum entre todos os interessados. Diferentemente seria se um dos navios envolvido na abalroação tivesse outra nacionalidade mas fosse da nacionalidade de um Estado Parte Contratante das Convenções então aplicava-se a Convenção. E se não fosse da nacionalidade de um Estado Parte, se fosse de um Terceiro Estado então poderia aplica-se a Convenção segundo a condição de reciprocidade.

2- Imaginemos agora que estes 3 navios pertencem a nacionalidades diferentes mas a Estados Partes da Convenção e todos eles sofreram danos e causaram por negligência a abalroação. Neste caso não têm direito a pedir indemnização respondem neste caso pelos seus próprios danos. Se tiverem causado danos a terceiros respondem cada um por esses danos na proporção das suas responsabilidades e caso respondam acima da sua proporção terão direito de regresso sobre os outros.

Na próxima edição do Jornal falaremos sobre o regime nacional em matéria de abalroação.



2 comentários em “O Direito e o Mar”

  1. Daniel Pitta diz:

    Mais uma vez as minhas desculpas, em linguagem náutica, não se diz atracagem, mas sim atracação.

  2. Daniel Pitta diz:

    Desculpe, mas o termo é abalroamento e não abalroação.

Responder a Daniel Pitta Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill