O sector dos transportes marítimos está em declínio mas, estranhamente, parece não haver palavras capazes de abalar a apatia presente

Todo o país sabe que o mar e a sua exploração sustentável para gerir crescimento e emprego na economia nacional são dos temas que o Senhor Presidente da República mais tem promovido na agenda pública nacional.

Também a indústria dos transportes marítimos reconhece o seu interesse específico pelo sector e ainda tem bem presente as palavras que proferiu, ao longo de 2010, em duas ocasiões marcantes:

A primeira, aquando das comemorações do 25 de Abril: “é essencial que criemos condições e incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam economicamente Portugal ao mar. Penso, desde logo, na criação de condições de competitividade e estabilidade fiscal para os transportes marítimos … que lhes permitam, pelo menos, igualar as condições dos demais Estados costeiros da União Europeia”.

A segunda, quando, intervindo no Congresso “Portos e Transportes Marítimos”, disse: “o transporte marítimo pode e deve ser no futuro uma alternativa viável ao transporte rodoviário. Para que isto aconteça, é indicado, em primeiro lugar, tomar as medidas necessárias para promover o transporte marítimo, pelo menos adoptando medidas fiscais similares aos demais países costeiros europeus”.

Não obstante, foi totalmente surpreendida pela sua mais recente intervenção, por ocasião do 30º aniversário da empresa TRANSINSULAR celebrado no passado dia 30 de Janeiro.

Com grande clareza, referiu-se o Senhor Presidente da República aos transportes marítimos como um “sector silencioso” porque “dele pouco ou nada se diz”.

Perante o declínio da marinha de comércio nacional, da qual também “muito pouco se diz ou se faz”, manifestou o seu inconformismo e disse que “é possível voltar a emergir e a crescer”.

Foi especialmente objectivo e incisivo quando, rematando, considerou importante “a adopção por Portugal da taxa de tonelagem que a União Europeia concede ao sector dos transportes marítimos. Sem isso, dificilmente reuniremos as condições necessárias para apoiar o crescimento de empresas do sector que requerem uma estabilidade e previsão de longo prazo da política fiscal para realizar os seus investimentos na renovação da frota. É uma questão que merece ser ponderada”.

A estimulante mensagem do Senhor Presidente da República fez, inegavelmente, abanar a apatia em que parece estar mergulhado o sector.

Ao mesmo tempo, viram os armadores nela evidenciadas as medidas que sistematicamente vêm reivindicando porque se enquadram nas “Guidelines on State Aid to Maritime Transport” adoptadas pela quase totalidade dos Estados-Membros da União Europeia e que reconhecidamente, com realce marcante para o inovador “Tonnage Tax”, conseguiram parar o continuado declínio da frota comunitária, aumentar a sua competitividade perante a concorrência dos navios registados em países terceiros e, por esta via, estimular o retorno aos seus Registos e a promoção do emprego dos marítimos europeus; medidas, aliás, que têm merecido acolhimento dos sucessivos Governos.

Embora correndo o risco de se exagerar nas citações e mesmo repisativo, entende-se dever recordar que um tal acolhimento é bem visível, por exemplo, nas Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo-Portuário apresentadas pelo MOPTC em Dezembro de 2006, onde avulta a “criação das condições para a concessão de apoios mais eficientes ao desenvolvimento da Marinha de Comércio, nos termos das Guidelines”, no Plano Estratégico dos Transportes 2008-2010 apresentado em 2009, também em 2010 no Programa do XVIII Governo onde se propõe “adoptar as orientações europeias ao nível das ajudas de Estado, permitindo aos armadores o recurso ao financiamento e ao planeamento plurianual da sua actividade” e, finalmente, na Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 onde se refere “a adopção de práticas para o sector dos transportes marítimos, nomeadamente de política legal e fiscal, similares às que têm sido adoptadas pelos congéneres europeus, com bons resultados, tanto em termos de receitas fiscais como de recuperação e criação de competitividade a nível global”.

 No entanto, e sistematicamente também, não houve consequências.

Tão clara sintonia de posições indicia que, pelo menos a ponderação da medida agora preconizada pelo Senhor Presidente da República, não ficará sem resposta.

O continuado e preocupante declínio da frota de comércio nacional e com ele o do emprego dos marítimos portugueses justificam-na e exigem-na.

Ou será que a apatia vai prevalecer?



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