... ou de como importa sabermos olhar para o mundo com o sentido de realidade que mundo tem.

No meio mineiro, havia uma estória antiga e engraçada sobre uma simpática funcionária dos serviços geológicos, encarregada da edição do boletim mensal, que depois de rever minuciosamente os artigos todos, repletos de datações de eras geológicas, desabafava com quem a quisesse ouvir, que nunca entendia bem o porquê daquela correria do envio dos originais para a gráfica, e da gráfica para os leitores.

E no meu tempo de aluno de engenharia de minas do Instituto Superior Técnico, se no decorrer de uma aula, um professor distraído deixasse cair um milhão de anos ao exemplar que estudávamos na altura, também ninguém ia dar por isso, preocupados que estávamos com o último número dos Cahiers du Cinéma, ou com a inoperância do meio-campo do Sporting naquela época.

E no entanto, o que faz um minério é o tempo; o tempo presente. Já que uma das caraterísticas de um minério, é ser uma espécie mineral com valor acrescentado.

Aquele valor pode ser quase eterno, como no caso do ferro, que tem acompanhado a par e passo a marcha do Homem ao cimo da terra e da história, ou fugaz, como o urânio, que passou de ser a energia do futuro para ser a do passado, através de uma campanha relâmpago bem-sucedida de diabolização.

Já o sentido de oportunidade (o valor de um mineral numa determinada altura) e o intervalo de tempo que lhe está associado, deve ser suficiente para permitir o lucro de uma exploração mineira, suportando os elevadíssimos investimentos desta atividade, a que acrescem os que são característicos da fase de prospeção.

A este problema dos avultados investimentos  – e recordamos que a meio do século XX, a indústria mineira era o negócio de capital mais intensivo à superfície (e neste caso, debaixo) da Terra, e mesmo no fundo do mar, como no caso do petróleo – é preciso adicionar a resolução dos impactes ambientais causados, e a instabilidade pela posse do direito de exploração, condicionada pela diversa legislação mineira nacional, salutarmente preocupada com os interesses das populações dos locais de exploração e respetivas imediações, ou pelos apetites nem sempre lógicos das políticas  dos estados estrangeiros onde as minas se instalam, com a agravante de que nestes casos, se tratam geralmente de mega indústrias.

Este conjunto, na atualidade possui mais dois problemas, e uma vez mais, ambos económicos.

Agora, o investimento é aumentado do preço da robótica, que de uma forma admirável e louvável, tem vindo a substituir a presença humana nos locais de maior perigo e insalubridade, e a janela de tempo formada pela conservação (pelo menos) da procura, por um período razoável, pode subitamente fechar-se, pela descoberta de novos materiais, que atiram quase instantaneamente os velhos para parques temáticos de arqueologia industrial.

Ora este quadro apenas se complica, quando é transferido para o fundo do mar.

São os mesmos problemas, acrescidos por uma coluna de água com alguns milhares de metros.

Tudo isto, quando não se conhecem – e provavelmente não se conhecerão, conforme têm vido a revelar estudos de geoquímica e de geologia – novas espécies minerais nos fundos oceânicos, e em que os recursos minerais em terra estão longe de estarem esgotados.

Até na Europa. E até em Portugal.

Na Alemanha, numa altura em que parece que o carvão passou de indispensável (e motor civilizacional do período histórico porventura mais fecundo da humanidade, como foi a revolução industrial) a problemático, e agora a imoral, estão enterradas no sub-solo, mais de 40 biliões de toneladas de carvão, quase 5 % das reservas mundiais.

Em Portugal temos o caso do cobre. Amplamente presente na denominada faixa piritosa ibérica, na grande mancha alentejana-andaluza, o cobre é extraído das pirites (FeS2) em Aljustrel, e das calcopirites (CuFeS2) em Neves Corvo, em quantidades tais que fazem desta última, a melhor mina de cobre da Europa.

E contudo, aquele sentido de oportunidade que falámos no inicio, provocou calafrios nos gestores mineiros a meio dos anos oitenta do século passado.

O cobre, com reservas estimadas em cerca de 900 milhões de toneladas, o minério mais utilizado pelo homem, depois do ferro e do alumínio, sobretudo pelas suas aptidões condutoras, estava a ser colocado em causa pelas fibras óticas. O futuro iam ser as comunicações, tanto de voz quanto de dados, e estas iam prescindir do cobre, porque iam ser feitas imaterialmente no espaço, ou através de fibras óticas. Os cabos transmissores, tais como os conhecíamos e conhecemos, tinham os seus dias contados.

Mas como sabemos, nada disto aconteceu. O cobre continuou a revelar-se insubstituível no fabrico de cabos, e estes, nomeadamente os submarinos, na transmissão de voz e dados.

E esta conjuntura permitiu que Portugal tivesse obtido uma receita muita interessante da sua atividade mineira. Algo como agora poderia provavelmente ser feito com o lítio, e fazendo jogar o sentido de oportunidade a nosso favor.

Não é apenas o teor de um minério, e o seu valor quotidiano na bolsa de minérios, a ditar o sucesso de uma exploração mineira, mas muito também os custos da sua produção (que já têm a montante os da prospeção e a jusante os da recuperação ambiental), e estes interagem com a relação estéril/minério do método extrativo, que de grosso modo é melhor numa lavra subterrânea do que a céu aberto, mas com os custos desta a serem inferiores aos daquela.

Ou seja, esta dualidade estéril/minério, e exploração subterrânea/céu aberto, e o seu relacionamento, efetivamente transforma o valor (em termos percentuais e monetários) do teor de uma ou mais espécies de minérios, num fator determinante de uma mina.

De certa forma, pode-se dizer que os cerca de 3 a 4% de cobre (concentrado) da mina subterrânea de Neves Corvo, ficam a meio caminho entre os cerca de 0,5 % da mina a céu aberto de La Escondida, no Chile, e a maior mina de cobre do mundo, e os 8 %, anunciados em estudos nas revistas da especialidade, para o minério de cobre a extrair do fundo dos oceanos em Nauru, a nordeste da Austrália, em plena Micronésia, e a cerca de 5 000 metros de profundidade.

Aqui, o minério de cobre, acompanhado de manganês, níquel e cobalto, entre outros, aparece em nódulos arredondados polimetálicos, de diferentes dimensões.

Confirmando-se a inexistência de novas espécies minerais no fundo do mar, aqui, o grande interesse da exploração das espécies já conhecidas, reside no aparecimento de concentrações de minérios, substancialmente superiores às que se verificam à superfície, nomeadamente em se tratando de terras raras, com as suas cotações a atingirem valores muito elevados.

Mas nestes casos, terá que ser a investigação científica, a jusante da extração, a encontrar valores de recuperação superiores aos atuais, e que permita obter progressivamente mais (e melhor) minério das quantidades de rocha extraída.

Este processo, a par da reciclagem e do reaproveitamento, fortemente apoiado na utilização/transformação de sucatas, pode dar um novo incremento à procura ainda tão intensa de minérios por parte dos países desenvolvidos, ou em vias de o ser.

Por último, mas não menos importante, e agora na ótica da sociedade em geral, há que investir em dispositivos e procedimentos ambientais, que façam com que as populações, sobretudo as mais afetadas pela atividade da atividade mineira, não sofram impactes ambientais, e fiquem na posse das suas paisagens restabelecidas, para além das justas e corretas compensações materiais.  

E uma confirmação de como o estudo do assunto da mineração em fundo oceânico tem avançado quantitativa e qualitativamente, é que o relatório de 2002 da International Seabed Authority (ISA), um organismo na órbita da ONU, para a questão, registava que a quantidade e tipologia dos cerca de 200 depósitos de sulfuretos polimetálicos conhecidos na altura, não justificava a sua exploração.

Vinte anos depois, o seu último relatório já expressa uma realidade diferente, e aquela exploração está em agenda, provavelmente por ser aquela cuja efetivação se encontra mais avançada, e que por isso reúne mais probabilidades de concretização, tendo sido um muito frequente objeto de palestras e conversas durante a recente Segunda Conferência dos Oceanos, reunida em Lisboa em junho e julho deste ano.

À ISA, encarregada do assunto, cabe um papel preponderante mas delicado, porque parece que a arrancada do homem rumo ao mar profundo, qual nova e derradeira fronteira, típica da viragem do século XX para o XXI, e dos primeiros tempos do segundo milénio, está a ser promovida pela miragem das riquezas minerais jazentes no fundo dos oceanos.

Como se já não bastasse que a investigação mineralógica feita à superfície durante séculos, nomeadamente a prospeção – rude no passado, e sofisticadíssima no presente – tenha tido por fundamento e objetivo, o enriquecimento dos acionistas de sociedades mineiras, e não das coleções mineralógicas dos gabinetes de curiosidades e dos museus de história natural, a atual expansão das plataformas continentais em curso, tende a continuar e perpetuar este estado de coisas.

Relacionado com o assunto, agora sob o prisma dos recursos energéticos, algo muito atual e pertinente, recordamos que números avançados aquando das primeiras informações da nossa plataforma continental estendida, previam a existência de recursos no valor de dez mil milhões de Euros da altura.

Se Portugal, tem estas expetativas, e é com o seu cumprimento que em parte municia a sua Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), a par do cumprimento de outros objetivos menos materialistas, dificilmente se pode esperar que as expetativas das frágeis economias de alguns países litorâneos, sejam particularmente diferentes.

Torna-se assim necessário uma reflexão sobre o assunto, e como quase tudo que carateriza a contemporaneidade, a nível planetário. Que entre outras coisas, determine se não se pode pura e simplesmente extrair minério do fundo do mar, ou se se pode, em determinadas situações e condições, e quais são estas.

Entretanto, fica a continuar tudo como no Génesis. E a permanecer como fonte de sabedoria, o delicioso provérbio da Serra Leoa, que podemos encontrar na Nação crioula, de Eduardo Agualusa:

Stone we dei botam wata, no say wen rain de cam.

Qualquer coisa como uma pedra debaixo de água não sabe que está a chover.  



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