Já está escolhida a entidade que fará as especificações de todos os componentes informacionais e infra-estruturais do Corredor Atlântico Logístico Lisboa-Setúbal-Sines-Badajoz (CALLSSIBA) e preparará os cadernos de encargos para o lançamento dos concursos do projecto. Terminada a fase da consulta, a adjudicação foi concretizada com a empresa Marlo.
Depois disto, o projecto pode progredir, independentemente do resultado da candidatura a um financiamento comunitário, que deve ser conhecido no final deste ano ou princípio do próximo, conforme já anunciou Eduardo Bandeira, o administrador do porto de Sines que acompanha mais de perto a participação desta infra-estrutura nesta iniciativa.
O valor do projecto está calculado em 2.838.612,76 euros e concorre a um financiamento máximo permitido de 75% do total, no âmbito do Programa INTERREG V-A Espanha-Portugal (POCTEP – Programa Operacional de Cooperação Transfronteiriça Espanha/Portugal), no quadro do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
Os riscos
Será difícil obter a totalidade do financiamento porque o FEDER tem apenas 280 milhões de euros para esta vaga de candidaturas, durante as quais recebeu propostas para apoiar projectos que representam globalmente financiamentos de 750 milhões de euros, segundo nos esclareceu fonte próxima do processo.
Outro risco da candidatura é o modo como será avaliada sob a perspectiva da geografia. “O Programa só abrange regiões contíguas à fronteira, como o Alentejo, onde se situa Sines, do lado português, e a Extremadura, onde fica Badajoz, do lado espanhol”, referiu-nos Eduardo Bandeira. Como os portos de Lisboa e Setúbal ficam numa região não fronteiriça (Lisboa e Vale do Tejo), as suas componentes na candidatura podem não ser admitidas a financiamento.
“Do nosso ponto de vista, porém, a única coisa que faz sentido é reconhecer este corredor por inteiro e que só funciona com os três portos nacionais (Sines, Lisboa e Setúbal)”, referiu-nos o mesmo responsável. “E do ponto de vista da Plataforma Logística do Sudoeste Europeu (PLSWE), ou seja, de Badajoz, que é a outra parte do projecto, também só existe esta lógica”, acrescentou Eduardo Bandeira, recordando que “este segmento, Lisboa-Setúbal-Sines-Badajoz, é o segmento mais sudoeste do Corredor Atlântico, que vai até à Alemanha”.
Como, de acordo com as regras da candidatura, o valor correspondente às parcelas de Lisboa e Setúbal não pode ser distribuído pelas restantes, excepto se estiverem em causa questões de carácter informacional e não de natureza infra-estrutural, o financiamento do projecto fica prejudicado se o entendimento da entidade de gestão do POCTEP for strictu sensu.
Se o financiamento for insuficiente, será sempre possível tentar captar outros parceiros. Neste momento, “o investimento está desigualmente distribuído pelos quatro parceiros”, referiu-nos Eduardo Bandeira. A componente informacional é mais forte no porto de Sines, sendo a infra-estrutural mais forte na PLSWE (Badajoz).
E se o financiamento aprovado não cobrir os portos de Lisboa e Setúbal? “A par de novos parceiros, que poderão captar para viabilizar o projecto, caberá às administrações em funções definir o rumo do processo”, referiu-nos o mesmo responsável. Ambos têm uma componente intermédia informacional e infra-estrutural.
“Se falhar o financiamento, o projecto avança na mesma, embora possa não ser na totalidade”, admitiu Eduardo Bandeira. Segundo afirma, “a actual administração do porto de Sines, se estiver em funções, faz avançar, mas uma nova administração pode decidir de forma diferente”. Mas se o projecto for aprovado, a administração terá que o cumprir.
Entretanto, importa recordar que as administrações portuárias de Lisboa, Setúbal e Sines terminaram os seus mandatos e aguardam pela decisão do Governo relativamente à nomeação de novas administrações. No caso de Lisboa e Setúbal, que terão uma administração unificada, já foram adiantados os nomes de Lídia Sequeira (para presidir ao Conselho de Administração) e Ricardo Roque.
Um terceiro risco que corre o projecto, igualmente associado à viabilidade financeira, prende-se com o futuro do porto de Lisboa. Estão por contabilizar os prejuízos decorrentes da greve dos estivadores, que já fizeram um novo pré-aviso, prologando-a até 16 de Junho.” Embora não goste de falar do que não sei, é minha convicção que aquilo por que o porto de Lisboa está a passar é conjuntural e que vai recuperar”, admitiu-nos Eduardo Bandeira.
“Recordo que o porto de Lisboa é importantíssimo no plano nacional e se eu me enganar e o porto não estiver em condições de ser parceiro, o que é difícil porque a sua componente não é significativa, será uma perda para o projecto”, refere o administrador do porto de Sines. “Mas se o porto de Lisboa ficar de fora por opção própria, isso será uma machadada para o projecto”, admite. No primeiro caso, “o projecto seguirá e os empresários procurarão alternativas, mas no segundo, teríamos que repensar o projecto”, esclareceu-nos Eduardo Bandeira.
A ligação a Espanha
De forma resumida, o CALLSSIBA “é a extensão do conceito da Janela Única Logística (JUL) à PLSWE, que se situa noutro país”, explicou-nos o administrador do porto de Sines. Hoje, a JUL já funciona no porto de Sines no modo ferroviário, que foi pioneiro nesta matéria e é a única infra-estrutura portuária nacional que a possui aplicada a este meio de transporte.
Para a JUL estar completa, todavia, tem que integrar os operadores rodoviários, que são poucos, todos os portos nacionais e todas as plataformas logísticas nacionais. “Isso é o que está previsto fazer na Janela Única Portuária (JUP) III, e quando estiver feito, temos o conceito JUL fechado”, refere Eduardo Bandeira.
“No CALLSSIBA, queremos demonstrar que é possível aplicar este conceito entre dois países”, nota o mesmo responsável. Para o efeito, juntou-se a vontade da PLSWE em trabalhar com os portos nacionais e a vontade destes em alargar o seu hinterland a Espanha. “E os espanhóis reconhecem que estes três portos são os que melhor servem a Extremadura espanhola”, acrescenta.
Afirmar isso, porém, foi uma ousadia em Madrid. “Note-se que assinámos um protocolo entre os três portos portugueses e a PLSWE em Madrid, numa sessão pública em que esteve presente o presidente da Puertos del Estado, a autoridade pública que tutela os portos espanhóis”, confidenciou Eduardo Bandeira. “É que com este projecto, os portos portugueses querem disputar alguma quota da carga de Madrid, ainda que pouca, que é servida pelos portos de Valência e Bilbau”, acrescentou. “Mas para isso é preciso termos uma ferrovia competitiva”, admite.
Questionado sobre a forma como Madrid observa a sua própria aposta no projecto, já que o Estado espanhol é accionista da PLSWE, Eduardo Bandeira não sabe responder. “Nós interagimos com o Director Geral da plataforma, não com a administração, onde estão dois representantes de Madrid, e ele não nos transmite qualquer dificuldade interna”, referiu-nos.
Mas a PLSWE também quer servir Madrid. O seu interesse no CALLSSIBA vem de 2010, quando se lançou o seu antecessor, que foi o CILSIBA (Corredor de Inovação Logística Sines-Badajoz), financiado em 75% pelo POCTEP, destinado a estudar as condições de competitividade do corredor Sines-Badajoz e a fazer benchmarking com outros corredores. “Isso deixou evidente o que era preciso fazer para tornar este corredor competitivo”, diz Eduardo Bandeira.
Criada há anos para constituir parte do corredor ferroviário que ligava Sines, Madrid e os Pirenéus, e que hoje tem no seu traçado o Corredor Atlântico, a PLSWE nasceu com um terreno de 530 hectares adquirido pelo Estado espanhol junto à fronteira com Portugal. Hoje tem três accionistas: o Estado espanhol, dono do terreno (33%), o Governo Autonómico da Extremadura, ao qual cabe a presidência (33%), e o município de Badajoz (33%).
Actualmente, o projecto para a sua construção está aprovado e adjudicado (1ª fase, 100 hectares). “Há terreno, projecto e adjudicação, pelo que em breve devem começar as obras”, adianta o administrador do porto de Sines. Enquanto não avança, o que se fez? A partir de um recinto ferroviário abandonado na maior zona industrial de Badajoz, com uma área vedada para alfândega, fez-se um porto seco, de que a PLSWE é o maior accionista, que hoje “realiza três comboios de mercadorias, por semana, de Badajoz para Portugal, dirigido à Bobadela e Entroncamento, de onde a carga segue para os portos”, explica Eduardo Bandeira. “E este tráfego deve crescer”, acrescenta.
Como está até 5 quilómetros para lá da fronteira com Portugal, o porto seco pode receber o mesmo comboio da CP Carga que vai do nosso país, com o mesmo maquinista. ”É a única estação de mercadorias em Espanha em que isto é possível, por causa da curta distância da fronteira”, explica o mesmo administrador. ”É um serviço 100% CP Carga”, refere.
Quanto à presença da PLSWE no projecto, no plano formal, ela faz-se através da SOFIEX (Sociedade de Fomento Industrial da Extremadura), que já participou no CILSIBA. “Para efeitos da candidatura aos fundos europeus, entendeu-se que a PLSWE não tinha o perfil jurídico adequado”, explicou Eduardo Bandeira. Pelo que se recorreu a esta sociedade financeira, que é uma entidade “do Governo da Extremadura, tutelada por outra, a Extremadura Avante, cujo Director-geral é o presidente da PLSWE, e que faz a ligação entre o governo autonómico e as empresas”, prossegue. “A SOFIEX é uma espécie de braço armado da Extremadura Avante para efeitos financeiros e das candidaturas a fundos comunitários”, conclui.
O projecto, as alfândegas, a ferrovia e Elvas
Participado pela Administração dos Portos de Sines e do Algarve, Administração do Porto de Lisboa, Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra e PLSWE, o CALLSSIBA tem uma componente informacional, de informática aplicada, e outra, infra-estrutural, mais física. Segundo Eduardo Bandeira, deverá estar pronto para testes de integração no início de 2019.
A primeira consistirá em colocar a JUL a funcionar como plataforma nacional, nos mesmos termos em que já funciona no Terminal XXI do porto de Sines. Implica colocar toda a informação do sistema a funcionar também com os agentes económicos espanhóis e, se possível, com as alfândegas dos dois países.
A segunda consistirá em dotar os quatro parceiros das condições de automatização de leitura das cargas que entram e saem dos portos. Isto significa efectuar o controlo de camiões, comboios, motoristas, maquinistas e contentores por portas automáticas, e que constitui o fundamento da JUL, já a funcionar no porto de Sines.
As grandes vantagens “são para os agentes económicos, embora os portos também ganhem com o projecto, tendo mais carga”, admite Eduardo Bandeira. O que se pretende é conferir rapidez ao fluxo de mercadorias, eliminar o papel nos processos, eliminar redundâncias, diminuir o número de problemas através da qualidade de dados, melhorar o controlo aduaneiro do transporte de mercadorias, facilitar o acesso dos agentes económicos a todos os índices de produtividade de todos os nós da cadeia logística e melhorar os próprios índices estatísticos de tudo o que circula pela cadeia logística.
Ao agilizar os processos burocráticos, de modo a que o transporte nunca tenha que parar por razões de tramitação processual, conquistam-se ganhos económicos e as próprias alfândegas vêem o processo de controlo agilizado, “pois passam a saber antecipadamente que carga está para chegar, quer de Badajoz, quer dos portos portugueses”, explica Eduardo Bandeira, que acrescenta a melhoria da análise de risco.
Neste projecto, não é de ignorar o papel das alfândegas, um parceiro fundamental para o êxito do sistema, mas cuja acção não depende dos portos nem da PLSWE. “Por isso falámos com as alfândegas antes do projecto”, mas não houve tempo útil para maturarem a ideia e optou-se por deixá-las de fora. “Estão fora e isso foi deliberado”, esclarece Eduardo Bandeira, que admite, no entanto, que a receptividade das alfândegas ao projecto foi positiva.
No caso da alfândega de Badajoz, como depende dos respectivos serviços centrais, dado que Espanha é um estado regional, foi assumido o compromisso de se colocar a questão à hierarquia, sediada em Madrid. Depois disso, a sub-directora geral das alfândegas de Madrid veio a Portugal conhecer o projecto, juntamente com a sub-diretora-geral das alfândegas de Portugal. Ficou assente que, “à medida que o projecto for avançando, vamos dialogando com as alfândegas para irmos fazendo o ponto da situação”, referiu-nos o administrador do porto de Sines.
Outro aspecto que é importante para o sucesso do CALLSSIBA mas não depende directamente dos parceiros é o melhoramento da ligação ferroviária. Como o comboio só é competitivo a partir de distâncias da ordem dos 200 quilómetros, como sucede com o percurso para Badajoz, importa olhar para esta realidade. Com a aprovação da ligação Évora-Elvas, poderá ser evitada a deslocação ao Entroncamento e a Setil, poupando cerca de 170 quilómetros e com isso custos de transporte, que é pago ao quilómetro, tal como a utilização da linha. Além disso, será possível utilizar comboios de 750 metros, diferentemente dos 440 metros dos actuais, o que diminuirá também o custo unitário por quilómetro para cerca de metade. “Isto será uma ajuda à competitividade”, refere Eduardo Bandeira.
A propósito da ausência de Elvas da iniciativa, recordando que as administrações portuárias portuguesas do projecto reagiram sempre a convite da PLSWE, quer no CILSIBA, quer agora no CALLSSIBA, Eduardo Bandeira esclareceu-nos que do lado português “sempre se falou no corredor Lisboa-Setúbal-Sines-Elvas-Badajoz”. Para os parceiros portugueses, “o projecto sempre foi inclusivo, em termos de Alentejo e Extremadura espanhola”, referiu-nos. Mas acrescentou que “se quem explora o terminal de Elvas não quiser estar connosco, não somos nós que vamos forçar”. Sem excluir quem queira participar no projecto (leia-se Elvas), Eduardo Bandeira explicou também que os portos nacionais não quiseram perder a oportunidade de avançar. “Penso que terá existido contacto com o operador que explora o terminal de Elvas”, referiu o mesmo responsável.
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