Depois de uma chegada atribulada ao porto de Setúbal, devido a protestos dos estivadores precários, que foram afastados pela PSP, os trabalhadores contratados para embarcar veículos produzidos pela Autoeuropa puderam entrar no terminal e começar o trabalho.
Pedro Siza Vieira

Ontem de manhã chegou ao porto de Setúbal um autocarro com trabalhadores contratados para embarcar no navio Paglia entre dois mil e 2.500 veículos produzidos na Autoeuropa dos cerca de 10 mil que estavam parqueados no terminal ro-ro daquele porto. À chegada, porém, o autocarro foi impedido de entrar no terminal pelos estivadores do porto, maioritariamente com vínculos laborais precários, que bloquearam o acesso da viatura, ultrapassando as baias da PSP que se encontravam colocadas.

Durante essa acção de protesto, na qual terão estado cerca de 90 pessoas, segundo a imprensa, entre estivadores e seus familiares, os trabalhadores a bordo do autocarro, cujo número e proveniência nunca foi totalmente esclarecido, foram insultados pelos estivadores em protesto. Ao longo do dia, porém, 30 foi o número mais avançado. Pouco depois das 09H00, depois de alguma tensão, o corpo de intervenção da PSP retirou os manifestantes do local, um a um e sem grande resistência, após o que o autocarro foi escoltado por cinco viaturas policiais e entrou no terminal. Mais tarde, começou o embarque dos veículos. Entre os manifestantes, não terá havido detidos nem feridos.

À hora de fecho deste artigo, estava previsto que o navio, proveniente de Santander, em Espanha, partisse carregado também com estas viaturas na madrugada de 23 de Novembro, depois de uma operação de 16 horas, rumo ao porto de Emden, na Alemanha, apesar da imprensa ter chegado a divulgar que tal não deveria ocorrer antes de Domingo. Em todo o caso, fonte próxima do processo esclareceu-nos que a duração da operação seria incerta porque depende de vários factores, designadamente o clima e o decurso da própria actividade. Pelo que adiantar uma data para o seu termo será puramente especulativo. O que parecia certo era a presença da PSP no local até ao fim da operação, cuja data aquele corpo policial não antecipou porque não é sua competência. À noite, cerca das 21H30, depois de um turno de aproximadamente 12 horas, o autocarro transportou os trabalhadores para fora do terminal, protegido pela PSP, como de manhã, mas então sem qualquer bloqueio por parte dos precários que, no entanto, permaneciam no local em protesto, mantidos à distância por baias e um cordão policial.

Para os estivadores em protesto, os trabalhadores que aceitaram este serviço são mercenários e traidores que lhes estão a “roubar o pão” e o importante é terminar com a precaridade laboral a que estão sujeitos, nalguns casos, há décadas. E são secundados pelo Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística (SEAL), cujo responsável, António Mariano, que se juntou ao protesto e desafiou a ministra do Mar a estar presente ontem no porto durante a manifestação.

António Mariano repetiu na ocasião as acusações que tem feito a Ana Paula Vitorino de colaborar com a empresa de trabalho portuário de Setúbal (Operestiva) e os operadores portuários numa operação que classifica de criminosa. E manteve a crítica ao recurso a trabalhadores externos ao porto de Setúbal para realizarem tarefas que normalmente seriam realizadas pelos estivadores habituais do porto.

Por seu lado, a Operestiva, em comunicado, confirmou que tinha sido possível iniciar ontem o “carregamento de um navio com carga Autoeuropa”, que deveria estar concluído tão breve quanto possível. E saudou “a coragem dos colaboradores” que trabalhavam no carregamento do navio, “apesar das pressões de que foram alvo” e que “perceberam a importância que esta operação tem para toda a região e para o país”.

No comunicado, porém, a empresa diz mais. Prevendo que “até ao final do mês seja possível repor o normal funcionamento das operações no porto de Setúbal através do esforço de recrutamento que tem sido feito”, lamenta “a radicalização e o aproveitamento feito pelo sindicato de Lisboa e todos os actos e palavras” que ontem “dividiram e colocaram trabalhadores contra trabalhadores” e denunciou “a presença de elementos radicais estranhos ao porto de Setúbal que em muito contribuíram para o extremar das posições”.

No entanto, noutra comunicação de ontem, a empresa informou que “continua disponível para serem retomadas as negociações para um Contrato Colectivo em Setúbal, para resolução de todas as questões referentes ao porto de Setúbal”. E acrescentou que “as negociações devem prosseguir tal e qual como no momento em que foram interrompidas pelo próprio sindicato SEAL, ou seja, sem greve e sem paralisação por parte dos trabalhadores eventuais”. Recorde-se que uma das datas propostas pelo SEAL para uma reunião com a empresa era hoje.

Quem também esteve ontem presente no local foram deputados do Bolco de Esquerda (BE) e do Partido Comunista Português (PCP). Heitor de Sousa, do BE, reagiu de forma tripla: “com presença” no protesto, “em total solidariedade com os objectivos desta luta, que são perfeitamente justos”; “com respeito, porque é preciso respeitar estes trabalhadores, que são tratados abaixo de cão com um contrato de trabalho que não existe e que é à jorna, como era típico antes de 25 de Abril de 1974”; e “com indignação porque reparamos que o Governo promove uma solução organizada de uma tentativa de furar a greve destes trabalhadores”.

Já Bruno Dias, do PCP, referindo-se aos estivadores precários do porto de Setúbal, considerou que eles “fazem falta na operação diária, aqui, na actividade portuária” e manifestou não compreender a “obstinação por parte do patronato do sector portuário, nomeadamente da estiva do porto de Setúbal, em não aceitar contratar com vínculo efectivo estes trabalhadores no seu conjunto”.

No final do dia, instado a comentar o assunto, Marcelo Rebelo de Sousa optou por não o fazer, revelando no entanto que tem acompanhado a questão em permanência, “com atenção e preocupação”.

Para a Autoeuropa, que terá dispensado sete navios ao longo desta paralisação dos estivadores que dura desde 5 de Novembro, a presença deste navio em Setúbal faz parte das escalas regulares de transporte de veículos para o porto de Emden e a operação “teve por base a garantia de uma solução para o embarque de veículos dada pelo Governo e pelo operador logístico”. Na Quarta-feira, a empresa terá admitido que “a única alternativa a Setúbal é Setúbal” e que outras soluções não garantem o escoamento de toda a produção diária da sua fábrica de Palmela.



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