Esta é a perspectiva de Miguel Saldanha, administrador da Geosub, sobre a actividade dos levantamentos hidrográficos e da monitorização ambiental. Depois de experiências em África, por agora, opera no mercado nacional, que tem as suas vicissitudes, sem desdenhar regressar a outras latitudes.
Miguel Saldanha

O mercado nacional dos levantamentos hidrográficos e da monitorização oceanográfica “está a animar-se e não me recordo de ver tanta coisa a acontecer desde há muitos anos, provavelmente desde antes da crise de 2010”, considera Miguel Saldanha, sócio fundador e administrador da Geosub, empresa portuguesa que opera neste sector.

De acordo com Miguel Saldanha, apesar deste optimismo, ainda não são visíveis os resultados dessa animação, “talvez porque ficaram por fazer obras durante a crise, para as quais só agora é que estão a ser libertadas verbas, sobretudo no que se relaciona com a operacionalidade dos portos”.

“A isso, acresce o facto de haver uma procura maior por parte dos navios de passageiros e os cais e os terminais precisarem de estar adaptados para receberem navios maiores, pelo que é natural que as entidades portuárias promovam mais reconhecimentos e dragagens, o que obriga a que sejam feitos mais trabalhos de geofísica”, refere Miguel Saldanha.

Uma realidade que vai ao encontro do seu interesse, porque a sua empresa opera principalmente no mercado nacional, pelo que qualquer sintoma de dinamismo neste sector é um bom sinal. Em todo o caso, nem tudo serão rosas, porque “Portugal é um país com horizontes finitos e onde este mercado não tem muito por onde crescer”, refere o responsável da Geosub.

“A costa é a mesma e é complicado trabalhar nela; o hidrodinamismo é mais castigador do que em países do norte da Europa, nós temos uma linha costeira ocidental demasiado exposta, as tempestades do Atlântico propagam-se sem barreiras e a energia rebenta toda na nossa costa”, refere. Um conjunto factores que levam Miguel Saldanha a esclarecer que para fazer investimentos de maior vulto, designadamente em equipamentos, “são precisos trabalhos que os justifiquem e isso só com o mercado externo”.

“Nos últimos três anos, isso não tem sido possível, mas esperamos regressar ao mercado externo”, refere o responsável da Geosub. “A internacionalização interessa-nos, até porque apesar de estar animado, o mercado nacional ainda não nos garante desafogo financeiro”, refere. E admite dificuldades permanentes de tesouraria decorrentes da necessidade de investir na vertente operacional e de haver “quem pague tardiamente”.

Por enquanto, face à falta de escala do mercado nacional, e mais uma vez apesar do recente dinamismo, Miguel Saldanha não antecipa melhorias tão cedo. E sublinha que “o mercado natural dos portugueses está nos PALOP’s”, onde a empresa já realizou diversas operações e mantém contactos.

 

O mercado externo

 

De facto, embora actualmente só mantenha operações em Portugal, a Geosub já operou noutras latitudes. Magrebe, Cabo Verde e Angola já foram mercados da empresa. Reconhece que a sua empresa nutre alguma simpatia pelos mercados francófonos, tendo operado regularmente e durante anos em Marrocos, onde gostou de trabalhar. Até ter deixado de ser interessante, do ponto de vista económico, a partir do momento em que os concorrentes espanhóis, empurrados pela crise no seu país, dirigiram a sua atenção para Marrocos, atirando os preços demasiado para baixo, tornando esse mercado desinteressante.

Mas o seu registo externo também inclui serviços prestados na Argélia, Tunísia, República Democrática do Congo, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, além de Espanha. A presença em mercados externos, como os africanos, porém, tem os seus riscos e reclama cautelas. E ninguém fica ofendido “se pedirmos logo 50% do pagamento à cabeça”, admite Miguel Saldanha. Uma realidade diferente da portuguesa, onde “há pudor em pedir dinheiro ao cliente à cabeça e onde o cliente, se o fizermos, fica escandalizado”, refere.

Um exemplo de um mercado africano que se revelou satisfatório foi Angola, onde a Geosub entrou em 2012 através de um contacto que mantinha, para prestar serviços de levantamentos hidrográficos. “Na fase boa, 60% do nosso volume de negócios era obtido em Angola”, refere, acrescentando que em 2014 a empresa facturou mais de 500 mil euros, “o que não é mau para uma pequena empresa na nossa actividade”.

Em 2015, a partir do momento em que Angola deixou de contar, devido à estagnação da actividade económica desse mercado, a facturação da Geosub ressentiu-se. Hoje, Angola é um mercado que permanece em suspenso e onde a empresa tem créditos sobre empresas privadas que dificilmente serão cobrados.

 

Vicissitudes cá dentro

 

Em Portugal, a empresa tem realizado diversos serviços e mantém um trabalho regular (campanhas de colocação e recolha de bóias de monitorização ambiental em zonas balneares nacionais) no âmbito da parceria entre o Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) e a Fundação Vodafone. Mas mesmo o mercado nacional tem as suas vicissitudes e existem expectativas de trabalho, logo, de facturação, que depois se prolongam no tempo por diversos factores ou não se chegam a concretizar.

Entre as vicissitudes, Miguel Saldanha cita o recente caso da monitorização ao porto da Madalena, na Ilha do Pico, nos Açores. “Ocorreu uma ondulação destrutiva que nos fez perder um aparelho”, refere, sublinhando que isso faz parte dos riscos inerentes à actividade. Depois para levar a cabo o estudo que tínhamos entre mãos, chegou-se à conclusão que seria melhor realizar os trabalhos em condições de agitação mais calmas, o que só pode ocorrer de Maio em diante.

“Existem igualmente exigências legais enquadram a actividade das dragagens portuárias e que têm implicações nos levantamentos portuários para reconhecimento de fundos por meios geofísicos”, refere Miguel Saldanha, sublinhando que “do ponto de vista formal, estão absolutamente correctas, pois deve ser assegurado que qualquer vestígio de interesse patrimonial fica salvaguardado da actividade destrutiva de uma dragagem”.

“Mas tem-se constatado uma postura demasiado fundamentalista e intolerante por parte de alguns agentes ligados à tutela do Património Cultural e Arqueológico, muitas vezes impreparados académica e cientificamente, que acabam por minar os processos de aprovação dos Estudos de Impacte Ambiental com nefastas consequências económicas para os projectos de melhoria operacional dos portos”, nota Miguel Saldanha.

“Já passámos por situações nas quais, nos acessos de determinados portos se encontram restos de navios afundados, sobejamente conhecidas e já reportados, correspondentes a episódios de naufrágios com menos de 100 anos, que à partida não têm interesse nem estatuto de achado de interesse patrimonial, mas aos quais, os citados agentes se agarram com devoto fervor, tentando impor estudos aturados e a serem financiados pelos donos de obra ou por vezes, exigindo que sejam os prestadores de serviço de geofísica que, com orçamentos já fechados, prossigam indefinidamente trabalhos de grande detalhe”, refere Miguel Saldanha.

Este tipo de episódios leva Miguel Saldanha a referir que “depois de ter trabalhado noutros países, verifico que aqui as coisas são mais difíceis por causa das burocracias, que prolongam as coisas no tempo”. E depois surge o dono da obra, “que só fica satisfeito quando esses assentimentos estão assegurados” e que até esse momento não paga.

 

A origem

 

A origem da Geosub remonta aos anos 90 do século passado, quando estavam disponíveis fundos europeus significativos para financiar novos projectos de saneamento urbano, como redes de tratamento de águas ou emissários submarinos, entre outros, e só o Instituto Hidrográfico (IH) tinha capacidade para realizar os estudos adequados para o efeito. “Não havia município do litoral que não tivesse o seu projecto de emissário submarino”, refere Miguel Saldanha.

Face ao volume de solicitações do IH para trabalhos de cartografia sub-aquática e caraterização fisiográfica e oceanográfica nas zonas desses projectos, um grupo de então jovens técnicos de vínculo precário da instituição vislumbraram uma oportunidade de negócio. E assim, em 1992, nasceu a empresa, cujo nome foi sugerido pelo próprio Miguel Saldanha. Miguel Miranda, actual presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), terá chegado a apelidar a empresa de IH em miniatura, face ao tipo de trabalho que desenvolvia.

Depois de ter atravessado uma fase menos positiva, a empresa recuperou dinamismo e em 2001 realizou um trabalho que a relançou. Foi uma campanha de monitorização no Guadiana na qual “a Geosub colocou sete equipas em simultâneo”, numa colaboração com o Centro de Investigação dos Ambientes Costeiros e Marinhos da Universidade do Algarve (CIACOMAR), no qual foram recrutadas pessoas para preencher as necessidades operacionais do projecto.

O projecto demorou vários meses e teve o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) como cliente. “As equipas tinham que recolher vários dados, como temperatura da água, qualidade da água, tinham que fazer colheitas, tudo entre Mértola e Vila Real de Santo António, e nós coordenámos isso com grande facilidade”, recorda hoje Miguel Saldanha.

Ao longo dos anos, a empresa acumulou competências e experiência em levantamentos e trabalhos costeiros e em águas interiores, que lhe permite prestar uma ampla gama de serviços no âmbito da oceanografia, hidrografia, assinalamento marítimo, monitorização marítima, prospecção de subsolo marinho, cartografia e da colocação e manutenção de infra-estruturas sub-aquáticas. “Há mais empresas a fazer o que fazemos, mas julgo que nenhuma abrange o amplo leque de valências que temos”, considera Miguel Saldanha.



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