Sector mantém compromisso para reduzir emissões de CO2

A indústria do transporte marítimo acolheu favoravelmente o acordo obtido na Conferência de Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP 21), em Dezembro último, em Paris. Aceite por unanimidade pelos 195 Estados presentes, o acordo não contemplou qualquer referência ao sector, apesar das expectativas, em inclui-la, da Câmara Internacional da Marinha Mercante (ou International Chamber of Shipping – ICS), que assume representar cerca de 80% da marinha mercante mundial.

Essa ausência, contudo, não significou a desvinculação nem a exclusão do transporte marítimo dos compromissos assumidos. Conforme garantia a ICS em comunicado de 14 de Dezembro, quando já era claro que não estaria citada no acordo, “a indústria do transporte marítimo permanece comprometida em alcançar o objectivo ambicioso de reduzir as emissões de CO2 de toda a marinha mercante mundial” em 50% (por tonelagem/quilómetro, ou seja, de cada tonelada de mercadoria transportada – ou o seu equivalente volumétrico – na distância de um quilómetro) até 2050, face a valores de 2007.

Mesmo sem menção expressa ao transporte marítimo, a ICS considerava que a mensagem dos Governos era clara, aludindo a uma remissão implícita para a Organização Marítima Internacional (mais conhecida pela sigla IMO, de International Maritime Organization) da discussão sobre a redução das emissões de CO2 no sector.

Para a ICS, deve ser a IMO a centralizar o debate e não qualquer organização local ou regional. No comunicado de 14 de Dezembro, a ICS citava o seu secretário-geral, Peter Hinchliffe, para quem a “IMO é o único fórum que pode ter em consideração o princípio da diferenciação, exigindo que todos os navios se submetam às mesmas medidas de redução de CO2, independentemente da sua bandeira”. Segundo o mesmo responsável, “a regulação unilateral ou regional seria desastrosa para a redução global de CO2, matéria em que a IMO já apoia o transporte marítimo à escala global”. Uma crítica à União Europeia (UE), que tem estado na vanguarda das medidas destinadas a reduzir a emissão de CO2 no planeta.

Um dos pontos da discórdia é o ritmo que a UE quer imprimir às reformas no transporte marítimo. A directiva 2012/27 do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu sobre eficiência energética, que visa aumentar em 20% a poupança de energia até 2020, face às projecções de 2007, contestada pelo sector do transporte marítimo, é um exemplo disso. O Regulamento europeu sobre o Monitoring Reporting and Verification (MRU), que entrará em vigor em 2018 e impõe aos armadores de navios com mais de cinco mil toneladas de arqueação bruta a obrigação de verificar as suas emissões de CO2 e a sua eficiência energética e de comunicar os resultados à UE, é outro.

Segundo apurámos junto de fonte próxima do sector, a IMO tem sido mais lenta a adoptar as medidas indutoras de menos emissões de CO2, mas tem sido mais consistente na forma e tem um carácter universal, ao contrário da UE, cuja regulação é obrigatória nas suas águas e nos navios com bandeira dos Estados-membros.

Outro motivo de polémica tem sido a possibilidade de impor uma taxa de carbono ao transporte marítimo, adiantada em Outubro pelo Fórum Internacional dos Transportes (FIT), uma entidade afiliada da OCDE. Em Outubro, a ICS colocava em causa a proposta do FIT, que previa uma taxa de 25 dólares por tonelada de CO2 emitido, três vezes mais do que o preço pago pelas indústrias baseadas em terra. No entanto, no quadro de soluções para reduzir as emissões, a ICS prefere o mecanismo da taxa sobre o CO2 a outras opções, designadamente, os créditos de carbono, que considera susceptíveis de distorcer o mercado do transporte marítimo. E se tal taxa vier a ser adoptada no seio da IMO, a ICS defende que os encargos devem ser proporcionais à quota global de emissões do transporte marítimo, que era de 2,8% em 2007 e 2,2% em 2012, em vez dos “26 mil milhões de dólares anuais sugeridos pelo FIT”, conforme referia a organização em Outubro último.

A ICS, porém, entende que essa questão é secundária, considerando prioritária a implementação de um sistema global de recolha de dados do transporte marítimo para efeitos de eficiência energética, como o combustível consumido ou a distância percorrida pelos navios, que deverá ser obrigatório a partir de 2018.

Esta questão deverá ser discutida no encontro da IMO previsto para Abril deste ano, juntamente com o objectivo de redução de emissões de CO2 para o transporte marítimo, na linha do propósito da descarbonização plena até ao final do século. A este propósito importa recordar que, no âmbito da COP 21, num evento patrocinado pela UE, o consultor do Parlamento Europeu sugeriu que o transporte marítimo deveria reduzir as emissões em 63% até 2030 para cumprir o objectivo global de impedir que a temperatura média do planeta suba mais de dois graus até 2100. Face aos compromissos assumidos na conferência de Paris e ao impacto que poderão ter na indústria do transporte marítimo, a reunião da IMO, em Abril, é considerada um momento crítico na trajectória do sector rumo aos objectivos globais de redução das emissões de CO2.

 



Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill