Paulatinamente, tudo se conjuga para a definitiva institucionalização das áreas marítimas sob jurisdição nacional na União Europeia como parte de um verdadeiro Mar Europeu, tal como o último documento do Parlamento Europeu, «Uma Agenda para o Futuro dos nossos Oceanos no Contexto dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030», deixa antever.
VTS

Distraídos e ofuscados pelo que se diz serem os mais brilhantes êxitos da nossa economia no presente Século e ufanos por o Mundo não ter agora senão olhos para as nossas magníficas paisagens e Portugal estar na moda como se lembra já de ter estado antes, pouco atendemos por tudo quanto por esse mesmo Mundo se vai passando, a começar logo aqui pela Europa.

Em Janeiro passado, a 16, o Parlamento Europeu aprovou um notável documento intitulado, «Uma Agenda para o Futuro dos nossos Oceanos no Contexto dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030», como pretexto de contribuição para o «governo internacional dos Oceanos» e que, não apenas sob uma aparência o mais inócua possível e até redigido com a melhor ou mesmo mais excelsa das intenções, não deixa de ter como subjacente mais um passo no caminho que tem vindo a ser trilhado de vir a transformar as áreas marinhas sob jurisdição nacional no âmbito da União Europeia, num verdadeiro Mar Europeu, i.e., mais cedo ou mais tarde, sob integral gestão da Comissão Europeia, como hoje já sucede no que respeita à Política Comum de Pescas, no que respeita à Gestão dos Recursos Biológicos na Coluna de Água das ZEE e, menos explicitamente mas não com menor possibilidade de o  ser também efectivamente, em relação à acção da Agência Europeia de Guarda de Fronteiras e Costeira.

Sob um manto piadoso da preocupação com a sustentabilidade dos Oceanos, parecendo seguir, nesse particular, tão só e apenas as supostamente mais altruístas e completamente desinteressadas iniciativas das Nações Unidas e dos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030, o Parlamento apenas insta, evidentemente, o Conselho e a Comissão a lerem o documento e agirem em conformidade, ou seja, a instarem, por sua vez, os respectivos Estados-Membro a seguirem as mesmas preocupações e consequentes propostas de resolução.

Preocupações e propostas de resolução que respeitam, naturalmente, a tudo quanto de mais  importante ocorre no Mar, apelidado, naturalmente, de Mar Europeu, abrangendo desde as mais evidentes questões respeitantes à poluição, acidificação, eutrofização dos Oceanos, bem como ao crescente drama dos plásticos e microplásticos disseminados um pouco também por todos os Oceanos e a entrarem já, inclusive, na cadeia trófica, conduzindo assim ao concomitante problema à sustentabilidade da pesca e do crescendo mundial da pesca ilegal, sem esquecer igualmente as mais recentes formas de produção de energia renovável marinha nem, em âmbito muito distinto, as questões da pirataria e os vários tráficos hoje realizados por via marítima, nada do que o documento refere e enumera deixa de ter sentido e tudo quanto preconiza se afigura quase mesmo de simples bom senso.

E de tal modo assim é que, sem laivos de qualquer deslocado fundamentalismo ambiental, se abstém, inclusive, de uma qualquer liminar e absoluta condenação de novas práticas de prospecção e exploração de hidrocarbonetos em mar aberto, assim como de novas formas de prospecção e mineração em mar profundo, uma vez ser igualmente patente uma tal condenação ser destituída de qualquer realismo, a menos, evidentemente, que se advogue um retrocesso civilizacional ou se imagine possível uma súbita e milagrosa transformação tecnológica de produção de energia e de produção de sucedâneos dos mais tradicionais recursos minerais como ainda ninguém viu ou imaginou sequer.

Em suma, lendo o documento em abstracto, se assim se pode dizer, ou seja, sem atender a quem o redigiu, por si mesmo, quase se diria tratar-se, como referido, de um documento de simples bom senso, reflectindo apenas quanto hoje começa já a ser relativamente consensual em relação aos temas em apreço.

Todavia, se atendermos devidamente à autoria e ao enquadramento político do mesmo, sabendo que ninguém fala, escreve ou elabora documentos, sobretudo deste teor, senão em ordem à acção tendo sempre em vista a realização de um muito concreto e bem determinado objectivo, talvez se comece a perceber também nem tudo ser tão inócuo quanto uma primeira, rápida e menos atenta leitura poderá deixar eventualmente transparecer.

De facto, a expressão de Mar Europeu não é inocente e surge na sequência da muito inteligente subtileza de tudo colocar a coberto das mais altruísticas, desinteressadas e puramente humanitárias preocupações das Nações Unidas respeitantes ao Objectivo 14, o Objectivo associado aos Oceanos dos já citados Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030, fazendo crer e aceitar que os respectivos assuntos, problemas e questões, dizendo respeito a todos, afectando todos, ou seja, sendo assuntos, problemas e questões internacionais por índole própria, não havendo quem, individualmente, tenha capacidade, por si só, para os resolver e ultrapassar, exigem, impõem e obrigam, por inevitável consequência, a uma Governação Mundial.

Realisticamente, porém, dada a evidência de o Mundo não se encontrar ainda em estádio de imediato e directo Governo Mundial seja do que for, impõe-se ainda também a regra da necessidade das instâncias intermédias e do princípio da subsidiariedade, surgindo assim União Europeia, na verdade, via Comissão Europeia, como a interlocutora por excelência para tais matérias, muito mais do que os Estados-Membro, uma vez poder colocar-se também naquela mesma altruística posição supranacional e puramente humanitária de uma Nações Unidas, a par de deter, dispor e exercer uma preponderância e autoridade próprias de quem, por inerência e consentimento, detém já essa mesma inelutável preponderância e autoridade sobre todos os Estados-Membro.

Sabemos também o que isso significa e se relermos e atendermos devidamente a quanto é dito no mesmo documento em relação às Áreas Marinhas Protegidas e correspondente proposta para a sua perfeita integração na Rede Natura 2000, bem como na necessidade de se avançar em simultâneo com o Ordenamento do Espaço Marinho, o que faz realmente todo o sentido, da criação de uma Rede Internacional de Dados Marinhos para reforço de disseminação da informação já existente nesse domínio e possibilidade maior e mais rápido avanço de todos os programas de investigação relativos ao Mar, aos e aos Oceanos e às alterações climáticas, além, naturalmente, do não menos meritório e igualmente muito louvável reforço de cooperação entre a Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA), da Agência Europeia de Controlo das Pecas (EFCA), da Frontex e da Guarda Marinha de Fronteiras e Costeira, mesmo sem mais aprofundar, o quadro começa a tornar-se mais nítido.

Dir-se-á, como sempre se diz e defende, serem os respectivos Estados-Membro a deterem efectiva jurisdição nacional sobre as respectivas áreas marítimas e não a União Europeia mas, como também importa nunca esquecer, mesmo no que respeita à Coluna de Água da Zona Económica Exclusiva, depois do Tratado de Lisboa, foi a Comissão que passou a deter a gestão dos respectivos recursos biológicos e já não os respectivos Estados, poucas dúvidas havendo também que, mais cedo ou mais tarde, quando necessário, conveniente ou o avanço da tecnologia assim o ditar, as mesmas prerrogativas não deixarão de se exercer e alargar igualmente ao solo e ao subsolo marinhos das mesmas ZEE, como até um dia mais tarde, à Extensão da Plataforma Continental.

Parece que exageramos mas ainda recentemente, Jacques Attali, num livro, «Histoires de La Mer», publicado em Agosto passado, propunha, não por acaso, a criação de uma Organização Mundial dos Oceanos.

É tudo isso do interesse de Portugal?

Evidentemente que não mas, infelizmente, de um ponto de vista oficial, comportando-nos como se assim fosse, muito contentes por esse mundo fora e participarmos na Conferência das Nações Unidas para os Oceanos, fazendo coro com todos quantos defendem dever os Oceanos exigirem um Governo Global e muito satisfeitos por termos também a propor ao Mundo os nossos propósitos muito consentâneos com os famigerados Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, ou ODS 14, como se contássemos muito e não fosse importante interrogarmo-nos, tendo em atenção perecer estarmos num movimento irreversível, o que podemos e devemos fazer antes, senão para contrariarmos em absoluto tal movimento, o que seria eventualmente até não apenas estulto mas talvez pateta e contraproducente, pelo menos para não nos deixarmos engolir e afogar por interesses terceiros.

Ora, em tal enquadramento, talvez se afigura necessário e importante, em primeiro lugar, termos plena consciência disto mesmo, de quanto está a ocorrer e dos principais interesses em jogo, mas, infelizmente, tal não parece suceder, não atendendo sequer devidamente às respectivas e inevitáveis consequências, seja por adormecimento, apatia ou seja pelo que for, afigurando-se mesmo encontrarmo-nos completamente sem reacção.

Em segundo lugar, adquirindo e tendo alguma consciência de tudo isto, importa sabermos desenvolver a doutrina e respectivos planos estratégicos que nos permitam prepararmo-nos para ultrapassarmos, ou mitigarmos, pelo menos, as inevitáveis consequências de tudo quanto está paulatinamente a ocorrer, o que, salvo raríssimas excepções, também não se vê estar a suceder.

Tendo consciência, tendo a necessária doutrina e os respectivos planos estratégicos, importará, naturalmente, prepararmo-nos para passar a acção, convencendo, persuadindo e tentando impor a nossa visão, sem receio de afrontar quem e quanto necessário for afrontar.

Estamos dispostos a isso?

Essa, infelizmente, a grande dúvida.



4 comentários em “Subjugação e Autonomia ao Grande Mar Europeu”

  1. Desde o 25 de Abril que os Acores passou a viver das migalhas dos outros, porque antes tinhamos a nossa economia em acordo com as nossas circunstancias, onde tudo fasiamos para subreviver sem restricoes o alguem que nos imposesse retricoes, em especial no mar, so nao tivemos foi a ousadia e inteligencia de nos modernizarmos em sistemas de pescas, mas continuamos na mesma e nao pudemos competir de maneira nehuma com os Europeus, e por essa razao e que temos de fazer uma revulcao e tumar totalmente o control a 100% das 200 milhas martimas que nos rodeiam, temos que ter um sistema de governo propio onde nada pudera sera sernos imposto por ninguem o nehum outro governo, temos o exemplo da Iceland e seguilo.

  2. Portugal deixou de ser estado soberano com o Tratado de Lisboa. Entregamos o poder à besta (Apocalipse 17:17)

  3. Francisco Portela Rosa diz:

    Uma grande parte dos recursos, dentro das 12 milhas, já são geridos por burocratas de Bruxelas, que nunca embarcaram num barco de pesca, e tem imposto regras, apesar das posições contrarias dos três países do Sul, Portugal, Espanha e França.
    As 12 milhas, que em principio era território nacional, tem estado sujeitas a legislação na sua maioria imposta pelos países do Norte.
    Todas as especificidades da pesca nacional, quer dentro da nossa ZEE, quer em aguas internacionais, aplicam-se regras muito penalizadoras à nossa frota. Concretamente em aguas internacionais do Atlântico, encontramos barcos quer chineses, quer coreanos a pescar o que os barcos europeus não podem.
    Por vezes toda esta gestão parece mais um negócio do que uma verdadeira proteção dos recursos. É uma triste realidade.

  4. Carlos Silva diz:

    E sempre do interesse de terceiros sejam pessoas ou nacoes e se deixamos que burucratas europeus ao servico de sorios e outros decidam do nosso futuro completamente entao deixaremos de existir
    Porque razao hao de individuos estrangeiros estar preocupados com os portugugueses quando decidem sobre portugal ? Eles nao sao portugueses nem vivem ca e assim abdicamos de qualquer hipoteses de mandar esta europa falaciosa as malvas , pois nunca teremos qualquer fonte de riqueza independente
    Venderam o pais ssm nunca nos peeguntarem os tolos dos politicos maa nos consentimos

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