Como vivemos num mundo de contingência, afirmar que David Ricardo estava absolutamente certo não significa senão, tão só e apenas, reconhecer da absoluta correcção do enunciado da regra, não a absoluteidade da própria regra nem, muito menos, pugnar pela sua absoluta aplicação ou seguimento – tanto mais quanto o proverbial pragmatismo britânico, mesmo quando assumido por alguém de lusa ascendência, sempre não deve fazer meditar duas vezes, pelo menos, antes de mais decidir.
Seja como for, o facto é que, admitindo a hipótese de todos produzirem o mesmo sob as mesmas condições, inexorável seria a tendência para a entropia ou, no mínimo, para uma completa estagnação, uma vez toda a evolução se basear exactamente numa crescente diferenciação e especialização, assim como a importância das nações, tanto como dos próprios indivíduos, não deixa também de residir primordial no grau, mais ou menos elevado, de diferenciação e especialização, atingido.
Tudo isto dir-se-á elementar e de simples evidência mas, não raras vezes, é exactamente o que é de mais simples evidência e elementar quanto mais facilmente escapa.
No actual contexto europeu, e mesmo mundial, o que diferencia, ou pode diferenciar, e distinguir Portugal?
Se olharmos para um simples Atlas, mesmo que só de relance, logo salta à vista sermos uma nação semi-arquipelágica e que a dimensão de Oceano sob jurisdição nacional é, de facto, imensa, chegando mesmo aos quatro milhões de quilómetros quadrados se tivermos já em conta a extensão dos limites da Plataforma Continental.
Logo depois, pensando que somos uma nação autónoma e independente, com quase nove Séculos de História, inevitável é pensarmos igualmente que tal só é possível se a essa mesma autonomia e independência corresponder, de facto, a uma mesma autonomia e independência cultural sem a qual qualquer autonomia e independência política não teria qualquer sentido.
Por fim, inevitável é não deduzir também, a partir dessa mesma autonomia e independência cultural, correspondente a uma mesma autonomia e independência política, um modo de ser igualmente particularmente singular e idiossincrático, uma vez não poder deixar de haver uma profunda, intrínseca e solidária relação entre todos esses elementos, sob pena de nada fazer sentido.
Ora, se pensarmos o Oceano, ou os Oceanos, no contexto actual, impossível não pensar que é exactamente aí que reside o futuro, não apenas pela crescente territorialização do Mar como também porque, das Alterações Climáticas ao papel que os Oceanos têm como regulador do Clima da Terra, bem como constituindo-se também como um elemento determinante tanto no sequestro de carbono como no fornecimento de oxigénio à mesma Terra, para além, evidentemente, de quanto mais explorado mais se descobre e compreende como há ainda muitos mundos no nosso mundo, onde há vida sem oxigénio ou luz, seres a viverem de azoto e seres até hoje desconhecidos mas com propriedades extraordinárias para a medicina, a nutracêutica, a cosmética, para o desenvolvimento de novos materiais, inclusive, e sabe-se lá que mais.
Sim, hoje não há já qualquer dúvida que o futuro vai estar e depender da biotecnologia e muito em particular da biotecnologia marinha, como sabemos já também dispor Portugal, seguramente, da mais rica biodiversidade marinha da Europa e, eventualmente, mesmo uma das mais ricas do mundo.
E somos uma Nação Marítima, a Nação Marítima por excelência da Europa.
Somos?…
Talvez…
Todavia, talvez importe não esquecermos também que a Coluna de Água da nossa ZEE já não verdadeiramente nossa, ou seja, que a gestão dos seres vivos da Coluna de Água da nossa ZEE se encontra hoje já sob gestão de Bruxelas e que, para além dos limites da nossa ZEE, os nossos direitos e prerrogativas não vão além do solo e subsolo marinho.
O que é que isso quer dizer?
O que isso quer dizer é que, exactamente por isso, mais determinantes, estrategicamente determinantes, se afirmam as Áreas Marinhas Protegidas porquanto, de acordo com as próprias disposições da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, os limites e o controlo que podemos ter, mesmo em termos de investigação científica, é quase total, saibamo-las defender, vigiar e conservar.
E o curioso é que, exactamente por essa singularidade e diferenciação cultural de séculos anteriormente referida, das Canções de Amigo à conceptualização da Propriedade exposta por Orlando Vitorino na Exaltação da Filosofia Derrotada, Portugal sempre manifestou uma relação única, pelo menos em termos Europeus, com a natureza, muito distinta, por exemplo, dos povos do Norte, onde, por exemplo, ao contrário destes, nunca o preceito de estarmos aqui para sermos «donos e senhores da natureza» foi bem aceite, justificando, se tivermos plena e verdadeira consciência disso, sermos, por autoridade, os Campeões do Ambiente que, por razões estratégicas, também devemos ser.
Se quando os Ingleses decidiram colocar termo à escravatura, arrogando-se inclusive o direito de patrulhar o Atlântico, não se coibindo sequer o direito à abordagem, não foi primordialmente por razões, como todos sabemos, humanitárias mas económicas.
No caso, a sermos os Campeões do Ambiente, tem, ainda por cima, a grande virtude de o sermos em nome, de facto, do próprio Ambiente, não deixando de poder vir a ter também, o que hoje não é despiciendo, possíveis, e talvez até mesmo enormes, vantagens económicas, directas e indirectas.
Por um lado, por tudo quanto dito, os recursos marinhos, cada vez mais procurados, de acordo com a mais simples lei económica da procura e oferta, não podem senão tronar-se cada vez mais valiosos mas, como também sabemos, por outro, o seu grande e maior valor irá residir na capacidade que cada um tiver para os transformar e transfigurar em verdadeiros novos produtos de mercado, i.e., requeridos e úteis.
Também aqui a História vem, neste momento, a nosso favor porquanto, segundo o célebre dito, se «a necessidade aguça o engenho», desenvolveram os Portugueses ao longo dos Séculos uma igualmente muito singular imaginação que lhes permite ultrapassar algumas dificuldades que a outros se afiguram, pura e simplesmente, inultrapassáveis, com a vantagem de não perderem nunca o sentido do todo, da visão sistemática do mundo e da vida, ou seja, do que se diz do todo diz-se da parte e vice-versa.
Mas neste mundo, como sabemos também, nada é dado, tudo exige profundo empenhamento, estudo, conhecimento, ciência, muita ciência, como imaginação, muita imaginação, e muito engenho.
Agora, tendo as capacidades, tendo as condições, só falta mesmo desenvolvermos os meios, seja para vigiar, proteger e conservar o Ambiente em geral e as Áreas Marinhas protegidas em particular, seja para transformar, de forma apropriada, os respectivos recursos.
O que também sabemos é que tudo isso requer uma acção particularmente determinada, não apenas de um ou outro, mas realmente nacional, envolvendo todos, das empresas às mais diversas entidades e organizações.
Mas para isso, é necessário ter, antes de mais, plena consciência disso, plena e real consciência de tudo quanto aqui exposto, sendo para, isso, necessário que não se perca, evidentemente, o Seminário da próxima Quinta-feira, «Do Capital Natural ao Valor Estratégico das Áreas Marinhas Protegidas, a ter lugar no Museu Paula Rego, em Cascais, com início às 9:30h, entrada livre mas, por razões logísticas, com inscrição aqui: marketing@jornaldaeconomiadomar.com
Sabemos que os Portugueses, os verdadeiros Portugueses, com verdadeira consciência de o serem, não faltarão.