O que queremos ser, apenas rendeiros do mar ou ambicionamos um pouco mais? E se não nos falta imaginação, o que nos falta então?

Pode dizer-se que a discussão é antiga, muito antiga, tão antiga quanto a origem da própria Civilização, ou seja, tão antiga quanto a antiga Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles, para quem o pensamento prevalecia tanto sobre a tecnhé que toda a arte de fazer ou produzir surgia não apenas menorizada mas até mesmo, em determinados casos, quase mesmo desprezada, como na passagem em que o mais realista de todos ou mesmo de pensamento mais científico, como hoje se diria porque, de facto, quem estabeleceu, de facto, as regras essenciais do mesmo pensamento dito científico e tão caracteristicamente Ocidental, o próprio Aristóteles, não deixava de mencionar com indisfarçável desdém as máquinas autómatos, se assim se pode dizer, que apareciam nas feiras para gáudio das gentes ou mesmo da populaça, se aceitarmos  talvez as mais literal tradução da respectiva expressão.

Não sem algum paradoxo, essa espécie de dicotomia entre o que então se designava como episteme e techné, ficou a perdurar no mundo ocidental como uma questão nunca inteiramente resolvida, não obstante o cristianismo ter vindo a dar uma realidade ao mundo sensível que os antigos nunca concederam ou reconheceram, podendo explicar também porque, a partir de Descarte e o surgimento da dita ciência moderna, com a trágica divisão entre res cogitans e res extensa, se deu exactamente o inverso, passando o domínio do mundo ou da natureza, a prevalecer sobre tudo o mais.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, poderemos dizer como diz o provérbio, mas, de qualquer modo, quando se referia o certo paradoxo da situação, poderá entender-se assim porquanto não apenas uma das fortes características do Ocidente ou, como também dito, Civilização Ocidental, é exactamente uma singular simbiose entre o que poderemos designar como pensamento puro e pensamento prático, elevando a arte de fazer a um diferente patamar de realização, como, para nós Portugueses, povo de absoluto, tal distinção não deixará de se afigurar como algo absurdo ou incompreensível.

Todavia, também é certo vivermos hoje um momento singular em que os Portugueses não apenas parece ignorarem-se a si mesmos enquanto tal, como, talvez também por isso mesmo, estão a deixar-se cair numa estranha apatia que não deixará de ter as mais graves e talvez até mesmo destruidoras consequências, como tudo quanto se relaciona com o mar é apenas o mais evidente e talvez ilustrativo exemplo.

O que é Portugal? Para que queremos tanto mar? Que fazermos com tanto mar?…

Queremos transformarmo-nos apenas numa espécie de rendeiros do mar?…

É uma possibilidade.

Podemos sempre, mediante uma determinada contrapartida financeira, entregar a prospecção das nossas áreas marítimas a terceiros, como aos alemães, por exemplo, que parece ser quem mais navega em consecutivas missões de cruzeiro científico nas nossas águas, como podemos entregar todo o transporte comercial a empresas dinamarquesas e ítalo-suíças, entre outras, escusando assim de nos preocuparmos com os dramas das crises do transporte marítimos, como a futura exploração dos respectivos recursos, a outras tantas empresas, como quem sabe, deixarmos a biotecnologia, por hipótese, a noruegueses e canadianos, igualmente entre outros, como as pescas eventualmente aos espanhóis, a construção naval aos franceses e, enfim, para não nos maçarmos muito, podemos mesmo entregar agora a vigilância e controlo das nossas áreas marítimas à nova Guarda Costeira e de Fronteiras da União Europeia, podendo ficarmos então sentados calmamente no cais, a ver os navios passarem, a servirmos um ou outro café aos turistas que não deixarão de continuar a apaixonar-se por esta tão antiga quanto singular nação, podendo prestarmos ainda um ou outro serviço adicional mas, acima de tudo, com tempo para descansarmos e, eventualmente, até mesmo … pensar.

Sermos uma espécie de rendeiros do mar? É esse o nosso destino? É isso que queremos realmente ser?

Sabemos, todos sabemos, vivermos momentos que não são fáceis mas Portugal já viveu muitos momentos difíceis, muitíssimo mais difíceis, alguns mesmo dramáticos e outros até trágicos.

Não vale a pena exagerarmos a situação actual.

O que sucede é estarmos a atravessar um momento de transformação ou metamorfose em que necessitamos simplesmente de recuperar a Paideia Portuguesa e que fez de Portugal o que Portugal foi e, de algum modo, mesmo de algum modo esquecido, ainda é.

Recuperar reactualizando.

Recuperar pensando, percebendo, como talvez nenhum outro povo haja percebido, a intrínseca relação entre o mundo inteligível e o mundo sensível, o mais alto significado de realização, decidindo, no caso em particular do mar, se queremos ser apenas meros rendeiros ou, parafraseando o nosso bom e velho Leonardo, queremos ser, de facto, «os obreiros de um mundo a fazer».

Por tudo isto também a importância da II Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar, para quem sabe, sabe o que quer ser e sabe o que quer que Portugal seja.



Um comentário em “Rendeiros do Mar”

  1. Antonio Da Câmara Machado diz:

    já não posso ouvir falar nas cotas do goras. São os proprios pescadores e aindustria conserveira quem pode determinar se se deve deixar de pescar uma espessie para ela se refazere não os eruditos daUE que te^que por o bodelho. Sou antigo pescadore fui obrigado a deitar ao mar 400000 tneladas de sardinha.Ha muita gente com grandes ordenados que deviam estar presos. porque é que aUE deixou fazer barquinhos para os AÇORES com uma autonomia de 5 dias: Do Corvo são 200 milhas e de SAnta Maria mais 200. Não era para termos menos barcos de boca aberta e realmente aproveitar o mar que temos

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