O aumento da população em associação ao correspondente crescimento das necessidades de alimentação, tornam a intensificação do recurso à aquacultura como inevitável e, muito em particular, à exploração da aquacultura em regime de mar aberto.

A Aquacultura ou Aquicultura é a actividade zootécnica que abrange a produção de organismos aquáticos para uso humano (peixes, crustáceos, moluscos, cefalópodes e plantas aquáticas).

Existem registos da criação de tilápia do Nilo no Egipto que datam de há 3 000 anos e na China relativos à produção de carpa também vários séculos antes da nossa era.

Trata-se de uma actividade praticada em todo o mundo em água doce, água salobra e no mar, com formas muito diversificadas que correspondem a adaptações aos mais diversos contextos climáticos e socioeconómicos em que se inserem.

Abrange uma grande diversidade de formas de produção, que nos sistemas extensivos vão pouco além do confinamento dos organismos a produzir no ambiente aquático em que estão inseridos, ao contrário do que se passa nas explorações semi-intensivas e intensivas caracterizadas por diferentes graus de utilização de recursos exógenos (designadamente estruturas funcionais e alimentos).

Segundo a FAO (2018) trata-se do sector alimentar mais diverso que existe pois explora quase três centenas de espécies diferentes incluindo 20 espécies de plantas aquáticas, 59 espécies de moluscos, 27 espécies de crustáceos e 171 espécies de peixes.

Para além da produção de algas que representa cerca de 30 milhões de ton / ano, a produção animal compreende cerca 54,1 milhões de ton / ano de peixe, 7,9 milhões de ton / ano de crustáceos e 17,2 milhões de ton / ano de moluscos.

Relativamente à produção de peixe predomina o cultivo em água doce que compreende diversas espécies de carpa (cerca de 21,7 milhões de ton / ano), seguindo-se a produção de tilápia (cerca de 6,8 milhões de ton / ano) e diversas espécies de peixe gato (cerca de 5,2 milhões te ton / ano) também maioritariamente cultivadas em água doce.

Apenas em quarto lugar surge o Salmão Atlântico, em água salgada, com uma produção global de cerca de 2,7 milhões de ton / ano (metade na Noruega).

Em quinto lugar, correspondendo a uma emergência recente no mercado global, o Pangasius com 1,5 milhões de ton / ano produzido em água salobra.

Por curiosidade, à produção mediterrânica de Dourada e Robalo correspondem 387 mil ton / ano.

Depois desta muito sumaria apresentação, importa olhar para a vertente do consumo para compreender a dinâmica desta actividade.

Segundo a FAO (Publ. Nº 607) no decurso das últimas três décadas o consumo global do mix formado por peixe, crustáceos, moluscos e cefalópodes cresceu mais de 2,5 vezes tendo passado de 60 milhões de ton / ano, no final da década de oitenta do século passado para cerca 156 milhões de ton / ano actualmente.

Na referida publicação estima-se que em relação ao período entre 2008 e 2013, 40% do acréscimo de consumo verificado nesse período seja devido ao aumento populacional e 60% ao incremento da receita usufruída pelas populações.

A distribuição mundial do consumo de peixe é muito desigual cabendo em 2013: 70% à Ásia, 11,6 % à Europa, 9,8 % às Américas, 7,8 % à África e 0,8 % Oceânia.

O patamar de consumo global esperado para 2030 para o mix referido situa-se em torno de 186,3 milhões de ton / ano (cf. FISH TO 2030, World Bank, 2013).

Vale a pena reflectir um pouco sobre os dados registados.

O enorme crescimento do consumo tem a ver, como referido, com o incremento da população e com o acréscimo da receita que se vem verificando em países emergentes, designadamente os localizados na Ásia onde se concentra grande parte da população mundial.

Por outro lado a produção de peixe nos países asiáticos de climas temperado, sub-tropical e tropical faz parte das práticas correntes da vida rural, designadamente nas áreas de produção de arroz em sistema de alagamento, onde nos canteiros, a produção de carpas convive com a cultura. Desta forma, a produção de peixe constitui localmente uma actividade adaptada à fraca capacidade de utilização de outros recursos para além da abundante mão de obra, com custos de produção muito baixos o que permite o acesso ao consumo deste bem por parte de uma enorme massa populacional.

Para o horizonte de 2030 o referido estudo aponta para um notável incremento do consumo nos países do continente asiático, a estabilidade para o conjunto nos países da Europa e da Ásia Central, algum decréscimo para a América e o Japão e um crescimento moderado na África, ou seja, grande incremento do consumo para os países emergentes asiáticos, estabilidade ou um pequeno decréscimo nos países desenvolvidos e um crescimento de grau variável em função dos condicionalismos locais para os restantes países em desenvolvimento.

Porém, para que não se tirem conclusões apressadas, o mesmo estudo acentua, com referência aos dados de 2010 que 38% do peixe produzido era objecto de exportação, 67 % do qual a partir de países em desenvolvimento, o que claramente significa que estamos perante um mercado global com elevado grau de integração onde tudo o que se passar terá grande reflexo em todos os países, especialmente para os que estão particularmente dependentes da importação de peixe.

Se estivermos atentos a sinais mais recentes embora difíceis de quantificar, pois

requerem estudos específicos, não deveremos deixar de referir duas questões importantes. A primeira refere-se ao facto de no decurso da última década o preço do

pescado ter mostrado uma não negligenciável tendência para a subida. É evidente que esta análise deve ser feita na origem e não no mercado final onde o preço pode ser objecto de distorções, mas se a isto somarmos a intervenção crescente da China no mercado internacional de bens alimentares, corremos o risco de, de repente, sermos confrontados com a escassez da oferta de peixe e suas consequências no preço ao consumo.

Não esqueçamos que na resposta ao consumo, a nível global, o sector da pesca atingiu há uma dezena de anos o seu tecto de produção da ordem de 90 milhões de ton / ano, sendo o remanescente, já majoritário mas em constante crescimento, suprido pelo sector da aquacultura. Esse assunto será analisado em resposta a outra questão.

No que respeita a Portugal, não procurando esgotar esta matéria mas deixar a informação essencial, devemos começar por acentuar que Portugal é, após a Islândia e o Japão, o 3º país com maior consumo per capita de peixe, na ordem de 56 kg / ano a que corresponde o consumo global líquido da ordem das 570 000 ton / ano. Este consumo foi satisfeito em 2019 por 137 669 ton de peixe capturado e 13 940 ton de produção aquícola (dados relativos a 2018) sendo o restante, quase 420 000 ton, ou seja cerca de ¾ do consumo é constituído por peixe importado.

Sabendo que não é de esperar qualquer aumento das capturas que têm aliás vindo a diminuir (há cerca 50 anos representavam 333 695 ton e, mais recentemente em 2004 tinham o valor de 148 242 ton) apenas a aquacultura, que actualmente representa apenas cerca de 3% do peixe importado, tem largo espaço para contribuir para a diminuição deste desequilíbrio.

A aquacultura praticada em Portugal compreende o cultivo extensivo de ameijoa e em menor escala ostra, em especial no Algarve, embora também na Ria de Aveiro e nos estuários, a que há que juntar produções de ostra e mexilhão em mar aberto destinadas em parte ao mercado de exportação.

No que diz respeito à produção de peixe verifica-se a produção semi-intensiva de dourada e robalo em antigas salinas reconvertidas para o efeito e, em regime intensivo diversas empresas produtoras de truta, para além da produção de pregado e linguado.

Tem sido feito um grande esforço e alocados importantes fundos financeiros na tentativa de desbloquear o impasse com que o sector se debate sem resultados satisfatórios. Têm sido invocadas muitas razões mas a principal prende-se com o esgotamento dos espaços de produção em terra, havendo apenas a alternativa de investir no mar aberto ultrapassando para tal a indisponibilidade de soluções tecnológicas adequadas, assunto que analisaremos adiante.

Com excepção das rias e dos estuários a costa portuguesa é totalmente desprotegida e em especial na costa oeste sujeita a temporais de muito elevada intensidade. Na costa algarvia, embora mais protegida, não deixa de ser muito arriscado produzir em mar aberto sem a tecnologia adequada pois também está sujeita a temporais, ainda que menos intensos, para além da ocorrência de fortes correntes marítimas superficiais.

Mas, com recurso a tecnologias adequadas a produção é possível e com enorme potencial. Na costa Oeste, onde as águas são mais frias, será possível produzir salmão em gaiolas submersas adequadas às exigências da espécie e, até, com vantagens relativas em relação à Noruega pois, à profundidade adequada é possível usufruir ao longo do ano de temperaturas em torno de 14 º C, a temperatura ideal para o desenvolvimento da espécie, que só ocorre um ou dois meses por ano na Noruega. Não esqueçamos que Portugal importa mais de 15 000 ton /a no de salmão, quantidade que pode vir a ser perfeitamente coberta pela produção local e gerar inclusivamente uma forte linha de exportação. Para a produção da costa Oeste estará igualmente indicada a produção de pescada a ocorrer quando a tecnologia relativa a esta espécie ficar dominada, o que não levará muito tempo pois em Espanha é objecto de investigação com resultados promissores.

Relativamente à costa algarvia a gama de produções possível é bem mais alargada, incluindo a dourada, o robalo, os sargos, os pargos, o atum e o lírio (Seriola sp.) que têm nesta região um regime térmico muito mais favorável que no Mar Egeu onde a Grécia e a Turquia dominam a produção destas espécies. Efectivamente as temperaturas da água do mar algarvio oscilam entre cerca de 14ºC no Inverno e 24º C no Verão, permitindo o crescimento contínuo para a generalidade das espécies citadas, enquanto que no Mar Egeu oscilam entre 9 a 10ºC no Inverno e cerca de 28º C no Verão, temperaturas extremas que colocam muitas dificuldades à produção.

A razão pela qual a produção floresceu na Grécia e na Turquia e não arranca no Algarve deve-se ao simples facto de, no Mar Egeu, o sistema de ilhas e de enseadas criar condições de protecção contra tempestades o que não se verifica entre nós.

Nesse enquadramento, no que respeita à produção de peixe, o futuro da aquacultura joga-se no mar aberto que constitui a área de expansão possível da actividade para fazer face ao persistente incremento da procura mundial.

Uma vez que actualmente a produção global de peixe em água doce não andará longe das 46 milhões de ton / ano e sendo de atribuir aproximadamente 4 milhões de ton / ano tanto à produção de peixe em águas salobras, como no mar, aquela afirmação pode parecer paradoxal.

A razão principal para a predominância da cultura em água doce já foi avançada.

Recorde-se que se trata da conjugação de espaços disponíveis com os sistemas de produção vigentes no meio rural. Já a limitação das produções de peixe nas águas salobras e no mar é devida à limitação de espaços disponíveis em ambos os casos, seja por se restringirem às areas dos estuários ou, no caso da maricultura, por apenas ser possível em espaços protegidos da agitação marítima (fiordes ou enseadas fechadas).

Acresce que em ambos os casos a produção de peixe concorre com outras produções, designadamente de crustáceos nas águas salobras e de moluscos nas águas salgadas.

Segundo o documento da FAO atrás referido, a produção extensiva que se verifica nos principais países produtores asiáticos (China, India, Vietnam, Bangladesh e Myanmar) caracteriza-se por produtividades da ordem dos 500 a 800 kg / ha, o que em termos de média nacional indica uma tecnologia muito eficiente em termos de produção extensiva, de difícil evolução para um patamar superior, a menos que fosse generalizada a prática da alimentação suplementar, com rentabilidade eventualmente duvidosa enquanto prática generalizável nos contextos locais.

Por outro lado, o sistema atrás referido de produção conjugada de arroz e peixe não parece poder progredir, como tem acontecido até ao momento, sendo de prever que, pelo contrário, venha a conhecer a curto prazo sinais de retrocesso. Efectivamente, em consequência de vertiginoso desenvolvimento económico que a China tem conhecido, foi desencadeado um elevado êxodo rural, devido à enorme diferença de rendimento entre as populações rurais e urbanas, verificando-se a deslocação de grandes massas populacionais para as cidades onde auferem o dobro do rendimento em relação aos seus locais de origem.

Este êxodo conduzirá ao abandono progressivo de muitos campos cultivados por

carência de mão de obra ou implicará alterações da tecnologia do cultivo pela introdução de factores de produção externos, designadamente fertilizantes e herbicidas que condicionarão a produção de peixe.

A produção de peixe em água doce pode conhecer ainda algum acréscimo em países de África e da América Latina onde existem consideráveis extensões de água ainda não utilizadas sistematicamente na produção de peixe que, no entanto, parte de produtividades muito baixas que, mesmo com algum optimismo, levarão muitos anos a atingir os patamares referidos para a produção de peixe nos países asiáticos.

As razões expostas impõem a conclusão de que a única solução para encontrar resposta para o persistente incremento global do consumo que vimos referindo, é franquear a nova fronteira que a Aquacultura Offshore consubstancia. Trata-se de um problema actual, que vem, há cerca de uma década, constituindo constante motivo de reflexão em reuniões promovidas para o efeito por instâncias internacionais como a European Aquaculture Society e a World Mariculture Society, para além de esforços de nvestigação & Desenvolvimento promovidos por diversas empresas de equipamentos destinados ao sector.

Acontece porém que, porque se trata de produzir equipamentos para enfrentar o mar aberto, invariavelmente as linhas de desenvolvimento que vêm sendo seguidas têm estado orientadas para a produção de equipamentos cada vez mais resistentes para poderem suportar as situações de alta energia que a exposição ao mar aberto pressupõe.

Esta tendência orienta a procura de soluções tanto no que respeita a gaiolas oceânicas de produção, quanto às barcaças destinadas a fornecerem a ração para o peixe das gaiolas que apoiam.

No primeiro caso através do enorme aumento de dimensão e da adopção de estruturas rígidas de que são exemplos:

É o caso da grande gaiola inspirada nas estruturas da indústria petrolífera com aproximadamente 250 000 m3 de capacidade, permitindo o crescimento de 1,5 milhões de peixes o que, nas condições correntes de cultivo de salmão, aponta para a produção de aproximadamente 7 500 ton / ciclo.

Isto significa que para uma empresa utilizando esta gaiola autónoma poder estar todo o ano no mercado necessita de dispor de pelo menos 6 destas unidades com uma produção global de 45 000 ton / ciclo.

Esta foi efectivamente a opção da SALMAR, AS uma empresa de gigantesca dimensão, mas esta não é claramente uma opção replicável fora deste contexto.

Outro exemplo de gaiolas de produção de gigantescas dimensões é a Autonomous Offshore Fish Farming Vessel uma embarcação com cerca de 500 m de comprimento e 50 m de largura, contendo 5 gaiolas protegidas das correntes marinhas por um imponente deflector. Este sistema, aliás como o anterior suporta apenas ondas até 10 m de altura e constitui uma aposta muito dispendiosa, pois para estar no mercado ao longo de todo o ano são, no mínimo, necessárias duas unidades com uma produção global de 20 000 ton / ciclo.

No que diz respeito às barcaças que disponibilizam alimento para os peixes em crescimento nas gaiolas que apoiam, a solução corrente é uma estrutura de forma paralepipédica, com capacidade de armazenamento de ração para o peixe entre 80 e 800 ton mas, como é visível na fotografia, tem de estar no interior de um fiorde pois não suporta ondas com altura superior a 4,5 m nem correntes marítimas com velocidade superior a 1,0 m / s.

Para sair para zonas menos protegidas, a última inovação é a barcaça tomar a forma esbelta de um navio, mas mesmo assim apenas suporta ondas de 6,5 m de altura.

Chegados a este ponto importa dizer que a solução que propomos constitui um autêntico Ovo de Colombo.

Efectivamente, como toda a gente sabe, a energia das ondas decresce significativamente com a profundidade.

Assim, a solução consiste em submergir as gaiolas durante o temporal voltando à superfície quando a tempestade passou.

Para isso é preciso colocar à disposição dos produtores de um equipamento, controlado remotamente a partir do escritório da empresa (em terra firme), que para além de outras funções próprias controle as operações de submersão / emersão.

Esse equipamento é a Plataforma Submersível de Alimentação, Controlo e

Comando que estando normalmente à superfície, distribui alimento para o peixe em crescimento em cada gaiola associada, recolhe e transmite para o escritório da  empresa os parâmetros de produção e promove a sua própria submersão bem como a das gaiolas associadas (a cerca de 25 m de profundidade) perante uma situação de temporal, voltando à superfície, com as gaiolas associadas quando a tempestade passou.

Trata-se de uma solução muito menos dispendiosa e adaptável à generalidade das situações que se deparam na concretização de projectos de Aquacultura Offshore.



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