Quem o refere é o presidente da ADAPI, que lamenta o fim do apoio ao desmantelamento da frota pesqueira nacional, em boa parte envelhecida. Queixa-se da concorrência externa, sobretudo asiática, da pesca ilegal e da falta de recursos qualificados na DGRM. Mas elogia o acordo de pescas para 2018 e o esforço do sector para chegar onde chegou
Sardinha

 

As notícias são boas, as quotas estão a ser respeitadas e, apesar de tudo, o panorama da pesca não está tão negro assim, dá a entender Pedro Jorge, presidente da ADAPI – Associação dos Armadores de Pescas Industriais, que refere no entanto que ainda há muito a fazer neste universo de quotas, frotas e ambiente (uma questão tão considerada actualmente).

 

Com a reestruturação do sector de pesca, o excesso de frota atenuou-se e foi finalmente possível combinar a frota pesqueira com os recursos disponíveis. Ainda assim, continua a haver frota a mais, refere Pedro Jorge. O desmantelamento de embarcações de pesca em Portugal, cujos apoios terminaram em 2017, é essencial para reajustar e higienizar a frota portuguesa. Existem segmentos muito velhos que se andam a arrastar e a prova disso é que há 8 mil embarcações registadas e apenas cerca de 50% a 60% estão licenciadas. Defendendo assim que menos embarcações no mar significaria mais possibilidades, mais rentabilidade e maior poder de remuneração às tripulações.

 

O problema não serão as quotas. As quotas estipuladas para Portugal estão a render, há boas notícias no caso da raia, do tamboril, do lagostim, portanto não temos um desvio muito grande face a nos anteriores. Há, no entanto, pequenos atrasos, “como é o caso da sardinha e da pescada, em que não há grande explicação científica para a descida tão abrupta do stock, ainda assim, são casos que estão a ser monitorizados e controlados com medidas de contingência”, refere. No caso da sardinha, em que não se percebe bem como o stock diminuiu, há que ir ao encontro das regras da União Europeia, com planos de contingência, recuperação e ajustamento.

 

Desafios ao sector

 

Assim, os verdadeiros desafios, explica o Presidente da ADAPI, estão na questão dos recursos, do pessoal e do mercado (em que temos problemas, pois somos mercados deficitários no pescado). Uma importante chave poderia ser o investimento na renovação da frota, no entanto, “quer no quadro comunitário anterior, quer no que está em vigor até 2020, não nos foi consentido qualquer apoio para renovar a frota”, refere, associando a este um problema gravíssimo, que são 14 anos sem se fazerem navios de substituição. E a União Europeia está a cometer um erro muito grande que é impedir a substituição de motores, porque hoje em dia há motores muito mais amigos do ambiente do que os motores actuais.

 

O actual quadro comunitário de apoio, além desta lacuna, tem um desajustamento absoluto em relação à economia do mar, no quadro do FEAMP – Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e de Pesca. Os eixos das verbas estão mal alocados, tanto por parte do Governo português, como pela União Europeia. Prova disso é que na União Europeia “há 5,7 mil milhões de euros disponíveis para 27 países e ainda só se gastaram 3%”. No caso português, existem 477 milhões de euros para investir em 7 anos na reconstrução da frota e ainda só foram gastos 6%.

 

Decadência de meios na DGRM

 

O funcionamento da administração também é deficitário, mesmo com a reforma profunda dos órgãos de tutela, que acabaram por fundir a Direcção-Geral das Pescas na actual Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), onde toda a economia do mar se dirige. Todavia, não se dotou a organização dos meios necessários para que funcione plenamente. Há uma decadência de meios na DGRM e os serviços, pela ausência de pessoas qualificadas, têm sido prejudicados.

 

A legislação marítima também não está adequada às exigências, quer no que respeita as embarcações, quer na situação do pessoal. A convenção STCW-F, relativa aos padrões de certificados de formação de tripulantes marítimos, que se espera que entre em vigor para trazer mais segurança às tripulações, vai trazer iguais dificuldades, pois a formação do mar é muito pesada em termos de carga horária e obriga as pessoas a ficarem em terra por períodos muito longos.

 

Uma das questões importantes é o acesso à profissão – a pesca deve ser a única profissão do mundo em que para iniciar actividade tem de receber-se cerca de 200 horas de formação, o que não é um convite à entrada na área, num momento em que faltam pessoas na indústria. Mas o que pode fazer com que as pessoas queiram trabalhar no mar? Agilizar a entrada na carreira, remunerar bem as tripulações e a possibilitar a progressão na carreira, sugere Pedro Jorge.

 

A concorrência externa, o preço dos combustíveis e os plásticos

 

Problemas graves são também as penalizações que os industriais suportam com medidas, quer de ambiente, quer de licenças de outro foro, e que depois acabam por entrar no mercado com outros pescadores externos, que deveriam adoptar igualmente, certas medidas e não adoptam. Consequentemente, esses pescadores externos colocam o pescado nos nossos mercados (nós importamos 60% do que comemos, porque somos altamente deficitários), que são altamente apetecíveis para quem vende, pois temos poder de compra, principalmente para os produtos asiáticos, onde não há regras sociais.

 

Globalmente, é muito positiva a acção da União Europeia, no que respeita o rendimento mínimo da pesca sustentável, no entanto, “estamos a ver os resultados e como o mar é global, se nós estamos a fazer um esforço e os outros não nos acompanham, não se dirá que é inútil, mas é descompensado” explica.

 

A questão do lixo marinho é um drama – 80% do lixo marinho é gerado em terra e os plásticos são um problema. Nesse sentido, Portugal e a União Europeia têm um programa muito interessante que algumas associações subscreveram – ”Mar Limpo” -, em que os navios têm contentores a bordo para apanhar o lixo marinho, especialmente os plásticos, que depois entregam em terra. “Um exemplo que me fartei de pedir à senhora ministra que publicitasse, porque às vezes, as pessoas têm uma visão tão negativa da pesca que é interessante que os bons exemplos também sejam publicitados”, revela.

 

Uma preocupação é também o preço do combustível. Em 2017 subiu o preço e se começar a subir novamente, consistirá num problema de rentabilidade para a pesca. “O combustível já chegou a ser 40% da nossa receita e isso é muito. Se voltarmos a esses números, pode ser um problema”.

 

 O flagelo da pesca ilegal

 

 Outra situação que merece relevância é a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada que é um “flagelo”. O volume de capturas ronda os 90 milhões de toneladas e a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) veio dizer que 30% (26 milhões de toneladas) são pesca ilegal. O que é negativo para o estado dos recursos, para os ecossistemas e para a economia. Mas depois, o que acaba por acontecer?, questiona. Este pescado é vendido em circuitos informais, responde.

 

“Nós, temos de cumprir regras, quer em termos de limites de capturas, quer em termos fiscais, e depois somos confrontados no terreno com 30% pesca ilegal que escapa a tudo”, sublinha, apontando os países asiáticos como os mais férteis em irregularidades, que têm de ser combatidas, nem que seja fechando as fronteiras e fazendo uma “guerra económica”.

Na nossa costa há muito pesca ilegal, principalmente pescado vendido em circuito ilegal. Mas o que é a pesca ilegal? É a que não tem licença? É a que não se pode pescar numa determinada área e é pescada? É o que se pesca na zona legal, tem licença e depois vende-se fora da lota? Este é o maior tipo de pesca ilegal em Portugal: a venda directa aos restaurantes, refere Pedro Jorge. Porquê? Porque quando se foge ao circuito (fuga à lota) não se paga IVA, entre outros custos, explica.

 

Na prática, o que sucede é que por exemplo para a pesca de arrastão, basta fazer 47 mil euros em lota, num ano, para ter licença novamente no ano a seguir, além de outros requisitos. Mas, refere, “mal de nós se não fazemos isso num mês, portanto na minha perspectiva devíamos multiplicar isso por 10”, pois “as embarcações que fogem acabam por fazer as vendas na lota em valor igual ao que necessitam para renovar no ano seguinte, o resto vendem ilegalmente”.

 

Acordo para as TAC de 2018

 

Na opinião de Pedro Jorge, o acordo sobre as quotas de pesca a que a União Europeia chegou para 2018, no que diz respeito a Portugal, é “razoável, vem na linha do que esperávamos, embora depois do Conselho de Ministros Portugal tenha conseguido melhorar a proposta, e vem na linha do esforço que fizemos para trás, porque estarmos hoje onde estamos significa que tivemos de fazer enormes esforços para trás”, explica.

 

Pedro Jorge relembra a necessidade de pareceres científicos para TAC (Totais Admissíveis de Captura). “Uma investigação científica forte, competente e com meios é importante para confrontar em Bruxelas e para que sustentem o nosso ponto de vista e anunciem qual será o futuro”, considera. Há uma lacuna grave na nossa investigação e isso não ajuda os empresários do sector a entender os problemas actuais, admite. É o exemplo da quota de biqueirão, que sempre foi alta, não chegando sequer a ser pescada na totalidade – “andávamos nas 4.100 toneladas, 4.500 toneladas, que não gastávamos, agora, para 2018 temos 6.522, que não chegam”.

 

 

 



2 comentários em “A pesca precisa de menos e melhor frota”

  1. Nuno filipe diz:

    Acabar com a pesca ao fds….. poderia ser uma solução…. o excesso de peixe em lota às segundas-feiras e um problema para os pescadores….

  2. Fernando Manuel Silva (PhD) diz:

    Começaria por subscrever, na generalidade, esta abordagem efectuada pelo Senhor Pedro Jorge, Presidente da ADAPI.
    Gostaria, no entanto, se me é permitido sublinhar dois factores que me parecem merecedores de uma reflexão, no âmbito deste cenário agora enunciado, a saber:
    – Porque é que o “sector das pescas” é o parente pobre no âmbito do Programa de Incentivos destinado e aprovado para a denominada “Economia do Mar” ?
    – Porque é que em Portugal, continuamos a assistir a uma infinidade de entidades empresariais e profissionais, muitas delas de costas voltadas entre si, reclamando pela representatividade do sector das pescas e muito pouco fazendo, pela dignificação da profissão, inovação do sector e crescimento sustentável do mesmo.
    A inveja, o orgulho, a vaidade, a presunção e a traição continuam a envenenar a alma dos portugueses, penalizando-nos e enfraquecendo-nos.
    Divididos, sem dimensão e massa crítica somos uma presa fácil, aos olhos da concorrência e dos nossos adversários.
    Temos que contribuir colectivamente, para um Portugal no seu melhor !

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