…aquele sorriso de Antero que era como um sol nascente, iluminou, fez toda clara e rósea a sua boa face onde havia um não sei quê de filósofo de Alexandria e de piloto do Báltico
Eça de Queirós, sobre Antero de Quental, in Um génio que era um santo
O partido socialista português nasceu em dez de Janeiro de 1875, e no mar.
Correspondia a uma antiga aspiração de um conjunto ainda diminuto de cidadãos interessados na questão social, e mais especificamente no proletariado português, promovida a partir da segunda metade do século XIX, fortemente influenciada pela revolução industrial, e particularmente pelo fontismo, num país ainda essencialmente agrário.
Conhece um grande desenvolvimento na década de 1870, a que não é alheia a fundação da Comuna de Paris em 18 de Março do ano seguinte, a realização das Conferências dos Casino (a primeira das cinco em 22 de Maio de 1871, e a última em 26 de Junho do mesmo ano), a atenção que lhe dedicou o mais brilhante grupo de intelectuais portugueses que alguma vez existiu, a Geração de Setenta, e a chegada a Lisboa, em Junho de 1871 de três emissários espanhóis, Anselmo Lorenzo, Gonzáles Morago e Francisco Mora, da Associação Internacional dos Trabalhadores, também recentemente criada, para se reunirem com Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e José Fontana, para em conjunto acertarem a formação do Núcleo Internacional de Lisboa, da Associação.
Desde finais de 1867, que em casa de Batalha Reis se reunia O Cenáculo, num primeiro andar da Travessa do Guarda-Mor, depois Rua do Guarda-Mor, e atualmente Rua do Grémio Lusitano, ao Bairro Alto, à volta de nomes como Salomão Saragga, Lobo de Moura, José Fontana, Mariano Machado e Manuel de Arriaga, e onde pontificava José Maria Eça de Queirós, que descreve desta forma o que era aquela tertúlia:
… o nosso querido e absurdo Cenáculo instalado na Travessa do Guarda-Mor, rente a um quarto onde habitavam dois cónegos, e sobre uma loja em que se agasalhavam, como no curral de Belém, uma vaca e um burrinho. Entre essas testemunhas do Evangelho e esses dignitários da Igreja, rugia e flamejava a nossa escandalosa fornalha de revolução, de metafisica, de satanismo, de anarquia, de boémia feroz.
Mas tudo isto se transforma com a chegada de Antero de Quental ao Cenáculo, vindo dos Açores, em Novembro de 1868, conforme Eça também explica:
…Sob a influência de Antero logo dois de nós, que andávamos a compor uma ópera bufa, contendo um novo sistema do Universo, abandonámos essa obra de escandaloso delírio – e começámos à noite a estudar Proudhon, nos três tomos da “Justiça e a Revolução na Igreja”, quietos à banca, com os pés em capachos, como bons estudantes.
E assim, no prosseguimento do encontro dos idealistas ibéricos, José Fontana funda a Associação Fraternidade Operária, em 1872, a qual se faz representar no 5º Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, em Setembro desse ano, por Paul Lafargue, que também tinha estado em Lisboa, e que era nada mais nada menos, do que genro de Karl Marx.
Deste congresso, reunido em Haia, saiu a orientação da criação de partidos socialistas nacionais (para além da rejeição do anarquismo), e que no caso português, teve como resultado a fundação do Partido Socialista Português, por José Fontana.
Para este processo também contribuiu enormemente Joaquim Pedro Oliveira Martins, nome incontornável da Geração de Setenta, com o seu A Teoria do Socialismo – Evolução Política e Económica das Sociedades da Europa, publicado em 1872.
O Partido Socialista Português, ia conseguir sobreviver até 1933, altura em que a nova Constituição do Professor Oliveira Salazar, autorizou e reforçou ainda mais a sua ditadura, fazendo perigar ou extinguindo mesmo, toda a atividade partidária existente.
Mas naquela altura tinha conseguido sobreviver ao hara-kiri, autêntico suicídio coletivo, cometido pelos partidos e organizações congéneres, no país e no estrangeiro, nos anos vinte do século vinte, amargurados, por não terem conseguido evitar a primeira guerra mundial, onde trabalhadores que durante anos se tinham encontrado fraternamente nas reuniões e congressos operários, pela Europa fora, onde chegaram a ser padrinhos dos filhos uns dos outros, foram depois matar-se, olhos nos olhos, nas trincheiras das planícies francesas.
Mas com seiscentos demónios (e usando a linguagem áspera de salinidade do Capitão Haddock), o que é que têm a ver as questões sociais portuguesas, num artigo do Jornal da Economia do Mar?.
Julgo que têm, porque naquele encontro entre portugueses e espanhóis, no Verão de 1871, José Fontana, com receio dos esbirros da polícia, fez com que as reuniões fossem no meio do Tejo, algures entre Belém e a Trafaria.
Nessa mesma noite fomos ao Aterro, conta Jaime Batalha Reis, o Antero e eu, pagámos o bote a um barqueiro para nos deixar remar sozinhos no seu bote e fizemo-nos ao largo. A uma hora combinada, aproximámo-nos dum outro cais, onde o Fontana nos esperava com os internacionalistas.
E conclui:
Durante horas, nessa noite e nas seguintes, sobre o Tejo, enquanto eu remava, o Antero discutia com os emissários socialistas a revolução operária que já lavrava na Europa.
E a bem da Ideia, Batalha Reis, iria revelar-se um excelente remador.