Mapa Cor-de-Rosa, Síndrome

A invocação do Mapa Cor-de-Rosa desperta, em todos nós, Portugueses, as mais nefastas memórias, por vezes, bem mais emocionais do que racionais.

Por um lado, o fim do sonho de uma África Portuguesa de Angola a Moçambique e, por outro, a acentuação da agonia da Monarquia Constitucional, conduzindo até ao Regicídio infame do Rei D. Carlos e do Príncipe Herdeiro D. Luís Filipe.

Esquecendo o Regicídio, questão mais complexa e controvertida e que não vem agora ao caso, a questão do Mapa Cor-de-Rosa, do Ultimatum de Inglaterra à mais velha nação sua Aliada, Portugal, bem como a subsequente ocupação de territórios de interesse português, não podem deixar de ser entendidos como um acto perfeitamente lúcido e racional da sempre muito pragmática Álbion, agindo em defesa das suas superiores ambições económicas e estratégicas, perfeitamente personalizadas na tão visionária quanto sinistra figura, realmente muito britânica, de Cecil Rhodes, preconizando e defendendo acirradamente tanto uma África Inglesa do Cairo ao Cabo como um futuro Governo Mundial, de acordo com os preceitos da Loja por si fundada.

Factos históricos, como histórico foi Portugal, na circunstância, pouco mais ter a opor aos interesses das todo-poderosas norte-europeias nações de então, como de agora, principalmente, Alemanha, Inglaterra, França, e até a pequena Bélgica, pouco mais do que vagas pretensões e difusos direitos de pendor histórico. E sabe-se o que sucedeu.

Sabe-se também como, emocionalmente, reagiu a Velha e Lusa Nação, com muitos protestos de, contra os canhões, marchar, marchar, mas também como, na prática, sem força ou capacidade para sua projecção, se limitou, na realidade, a ver as tropas passarem, como hoje estamos em risco a ficarmos a ver, literalmente, os navios a passar.

A questão, decisiva, à época, era simples, muito simples até: tínhamos nós, ou não tínhamos, a capacidade de edificar um Estado, i.e., a capacidade de efectivar o Direito, nos territórios que reclamávamos como nossos? Manifestamente, não tínhamos. E como não tínhamos, tampouco capacidade houve de qualquer oposição às pretensões de terceiros.

Certo, fala-se da tese da «ocupação efectiva do território» mas falar apenas de «ocupação efectiva do território» é tão falacioso como redutor. A questão, então, como agora, era, é e sempre será, a do Estado, da efectivação do Direito, da capacidade, coerciva, se necessário, de imposição da Lei.

A História não se repete linearmente mas, pelas suas constantes, actualiza-se, transpõe-se, reflecte-se, sempre em renovados mas também homotéticos termos, se assim podemos dizer.

No Mar, amplo e vasto, nunca se falará, como evidente, pela sua própria natureza, em «ocupação» efectiva do território mas sempre em: Capacidade de garantir Segurança; Capacidade de garantir a sua Defesa, quer em termos de Ambiente quer, mais directa e estritamente, mesmo em termos puramente militares; Capacidade do seu reconhecimento e capacidade de consequente exploração científica e «inteligente» exploração mesmo física.

Temos essas capacidades?

Sabemos em que ponto estamos. De um ponto de vista político, muito se fala e se tem exaltado, os nossos futuros 4 milhões de km2 da futura área marítima portuguesa, uma vez reconhecida pela ONU a Extensão dos Limites da nossa Plataforma Continental, mas ilude-se o facto de a nossa jurisdição, para além dos limites da Zona Económica Exclusiva residir apenas sobre o solo e subsolo marinhos, não sobre a coluna de água. Como se ilude, para aquém, a mesma jurisdição sobre a coluna de água, a termos entregue, de facto, sem hesitação nem comoção, à Comissão Europeia, pelo famigerado Tratado de Lisboa, com aparente aplauso, ratificação pelo Parlamento e promulgação pelo Presidente da República, figura a quem cumpre, antes de mais e acima de tudo, zelar e pugnar pela defesa da «coisa pública» portuguesa.

Como sabemos em que ponto igualmente estamos sob um ponto de vista científico, ou seja, a vermos os Cruzeiros Científicos Alemães, Ingleses, Franceses e outros que mais, a passarem sem que muito nos macemos com isso. Longe da vista, longe do coração, como diz o povo _ e da cabeça, como já agora acrescentamos.

Não, a História não se repete mas não é necessária muita imaginação para antecipar a formação de uma futura Guarda Costeira Europeia ou seja lá o que for de equivalente. A União Europeia não existe senão como jogo de poder de quem, em clima de paz e aparente benevolência mútua, maior capacidade tem de a orientar em defesa dos seus próprios interesses. Simples constatação de um facto como os últimos acontecimentos das Dívidas Soberanas, como foi curiosamente designado, ou Crise Financeira, demonstrou sem margem para a mais leve dúvida.

A questão que se levante é igualmente muito simples: queremos ter consciência disto, plena consciência disto, ou aceitamos, um dia, não muito futuro, a possibilidade de alguém nos parafrasear as fulminantes palavras da mãe de Boabdil, não sem vergonha, menosprezo e repulsa, após a trágica queda e rendição de Granada: «chorais como fraca mulher, vós que não soubestes defender o vosso Mar como homens…».



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