Equilibrar energia, ambiente e sustentabilidade é um verdadeiro quebra-cabeças, ainda sem solução definitiva à vista.

Se bem que podemos dizer que o shipping é o modo de transporte de carga mais amigo do ambiente, considerando as toneladas de poluentes atmosféricos anualmente emitidas divididas pelas toneladas de carga transportadas em igual período, o mesmo já não se pode afirmar quando se têm em conta simplesmente as quantidades de poluentes atmosféricos emitidos e que tanto afetam as populações costeiras, em particular de Portugal e do norte da Europa.

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Principais rotas de navegação do planeta e localização de Portugal

Embora as emissões originadas por fontes terrestres de emissão de gases estejam a diminuir, as emissões de poluentes atmosféricos por parte dos navios deverão aumentar significativamente, em consequência do aumento de tráfego no hemisfério norte, em mais 5%, até 2020.

Calcula-se que as despesas de saúde na Europa devidas à contribuição das emissões de poluentes originadas pelo Shipping apenas, deverão aumentar de 7% em 2000 (ou seja €58,4 mil milhões de Euros) para 12% em 2020, atingindo um valor de cerca de €64,1 mil milhões de euros.

Embora a legislação europeia atual imponha limites às emissões de óxidos de azoto e óxidos de enxofre, existem muitos outros poluentes atmosféricos eventualmente mais danosos que aqueles, como sejam as partículas PM2.5, potenciadoras de cancro e outras doenças do foro respiratório.

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Escala temporal de implementação de acordo com a convenção MARPOL 73/78 Anexo VI para os limites de emissão de SOx e de NOx. (Fonte MAN – IMO MARPOL)

 

Como consequência da nova legislação, os operadores estão perante o momento da tomada de decisão quanto aos combustíveis a utilizar num futuro próximo, embora as diversas associações de armadores tentem a todo o custo protelar a entrada em vigor de tais leis. Alguns estados como os EUA e EU adiantaram-se à futura legislação da IMO propondo e impondo uma entrada em vigor de tais regulamentos mais rápida. Assim, os operadores de navios, terão que enfrentar decisões de avultados investimentos, sem a certeza quer da tecnologia a implementar quer da disponibilidade dos próprios combustíveis supostamente mais limpos, e muito menos dos preços daqueles a curto prazo. Acresce dizer, que embora acima da Biscaia no Mar do Norte e no Mar Báltico só seja permitida a navegação com combustíveis “limpos” ou a navios que disponham de sistemas de tratamento de gases que emitam equivalentes valores de poluentes àqueles combustíveis, a costa de Portugal Continental igualmente castigada pelo intenso trafego, não obriga à utilização de tais medidas aos navios que ao longo dela navegam.

 

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Zonas de emissões controladas da EU

A volatilidade dos preços dos combustíveis alternativos, as suas condicionantes em termos de propriedades físicas como sejam, temperatura de armazenamento, temperatura de ignição, poder calorifico, disponibilidade geográfica e os custos das conversões das instalações propulsoras e de produção de energia elétrica de bordo, produzem um autêntico puzzle difícil de montar por si só, quanto mais ainda quando a economia mundial se encontra em forte convulsão.

Qualquer solução para a conversão de um navio para queimar combustíveis “amigos de ambiente” como o gás natural, mesmo que para um pequeno navio porta contentores de 600 TEU de cabotagem muito utilizados no comércio europeu por fazerem o chamado “short sea” e mesmo navegação em águas interiores, custa no mínimo cerca de 5 M€. Um custo insuportável, quando os navios deste tipo têm em ´média mais de 10 anos de idade, ultrapassando mesmo os seus valores de mercado, pese embora estejam em perfeitas condições de operação.

Urge então que sejam desenvolvidas soluções tecnológicas financeiramente compatíveis com a realidade dos operadores existentes, bem como com as necessidades de controlo da poluição atmosférica, como por exemplo da utilização de outros combustíveis como o metanol ou a aplicação de scrubbers de baixo custo, sendo que estes, também, per si só, levantam problemas ambientais relativos aos seus efluentes liquidos.

Em termos simplistas, o custo da poluição atmosférica originada pelo shipping (e não só) tem sido suportada pelos estados através das suas despesas com a saúde para o tratamento das suas populações costeiras, ou seja, através de impostos. No entanto, a alternativa será o financiamento de tecnologias mais “limpas” por parte do consumidor através do acréscimo do preço dos bens de consumo transportados, ou seja do frete marítimo. Acresce dizer que, salvo algumas exceções, o frete se encontra perto do seu limite inferior de sustentabilidade do negócio.

A sustentabilidade e a globalização jogam aqui papeis cruciais, que têm a haver com a necessária produção local em detrimento da produção em zonas do globo muito distantes como a Ásia. O recurso a navios cada vez de maiores dimensões, e maior capacidade de carga, ajuda a “diluir” as emissões e custos, em particular porque asseguram o mesmo fluxo de carga, embora navegando a velocidades mais comedidas “slow steaming”, o que por sua vez levanta problemas de ordem tecnológica igualmente difíceis de resolver como seja a emissão para atmosfera do chamado “black carbon”.

O custo do combustível versus o valor de mercado do navio versus o número de horas que o navio vai operar dentro de uma zona de emissões controladas ECA (Emissions Controlled Area) e o preço futuro do frete irão ditar a conversão ou o abate de muitos navios, e por consequência também um forte impacto ambiental, a não ser que o consumidor final esteja disposto a pagar um acréscimo de custo pelos bens transportados, não se podendo assim aplicar a regra do poluidor pagador, mas sim a do consumidor pagador. A produção localizada, trás diversos benefícios sociais, como o emprego e sustentabilidade, que não são de desprezar.

A operação dos navios com base no LNG (Liquified Natural Gas), no Metanol ou no Gasóleo, ou a implementação de Scrubbers (lavadores de gases de evacuação) irão “chutar” muitos navios para fora do mercado nas principais rotas comerciais, originando o abate de navios ainda que em excelentes condições de trabalho, e por sua vez um outro problema de sustentabilidade ambiental.

A construção de navios energeticamente mais eficientes, ou o “revamping” energético dos existentes, com capacidade de queima de vários combustíveis não permite por si só resolver o problema, mas pode contribuir para um sensível abaixamento da poluição originada pelo shipping, na ordem de pelo menos 10%.



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