O Silêncio do Mar

O silêncio do mar nem sempre significa só bonança mas também o momento que anuncia a aproximação das mais temíveis fúrias marinhas

Não, ninguém fala do mar. Sobre o mar, o silêncio é vasto e profundo como vastos e silenciosos os mais recônditos fundos marinhos. Esmagados pelo avassalador predomínio da economia, mais exactamente até, pelos número do deve e haver da contabilidade, o mar não conta. Afinal, que interesse pode ter o mar quando se entende que o mar não é senão mera questão poética, sentimental, afectiva, como agora se dirá, e a realidade, dura, nua e crua, são as contas a pagar no final do mês?

E no entanto …

E no entanto, se foi o mar que sempre nos salvou do movimento centrípeto de Castela, num primeira instância, como mais tarde de França e de Napoleão, para darmos apenas dois exemplos, também é hoje quanto ainda nos pode salvar de igual movimento de Bruxelas que nunca é apenas exclusivo movimento de Bruxelas mas de quem, em Bruxelas, na sombra das opacas instituições, tudo, ou quase tudo, manobra e domina.

Sim, já o afirmámos e reafirmámos mas, ainda assim, nunca será demais repeti-lo, até à plena exaustão: a importância do mar para Portugal é, antes de mais, política e geoestratégica, mas sendo-o, não significa também que, na ordem prática, seja a sua importância económica primordial porque, sem economia, não há política nem geoestratégia que o valha.

E no entanto, o silêncio é vasto e profundo, como sempre vasto e profundo foi o silêncio sobre o preceito instituído pelo Tratado de Lisboa em que a União Europeia se atribui a «competência exclusiva» de «conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas», não recordando nós uma pequena interrogação existencial, breve que fora, de qualquer deputado, ou mesmo do Presidente da República, sobre o verdadeiro âmbito, alcance e finalidade de tal preceito.

E no entanto …

E no entanto talvez bastasse ver quem, das nossas muito amigas nações europeias e do resto do mundo, mais Cruzeiros Científicos realiza, anual e tradicionalmente, no mar sob jurisdição portuguesa, com mais de 40%, com toda a certeza, senão mais, segundo dados do COI (Comissão Oceanográfica Intersectorial), sem qualquer acompanhamento nacional, e, correlacionando esse mesmos Cruzeiros com o registo de patentes biogenéticas marinhas, como o Comandante Jaime Ferreira da Silva o fez na nossa Conferência de Junho passado, para se fazer luz e se quebrar o vasto e profundo silêncio com um sonoro, ah!…

Mas não. O silêncio mantém, sempre, imperturbável.

E no entanto, entretanto, bem sabemos como não há afirmação no mar sem correlata acção e como não há acção que lhe valha sem economia, ou seja, sem adequada acção e investimento das empresas.

E no entanto …

E no entanto, como se tornou bem patente num recente debate na Universidade do Algarve com os deputados europeus relacionados com o mar, no caso, Ricardo Serrão Santos (PS), João Ferreira (PCP) e António Marinho e Pinto (PT), além de Cláudia Aguiar (PSD) que não se pronunciou sobre este particular, a unanimidade e veemência na condenação da avidez da livre iniciativa e das empresas em geral, foi bem clara, assim como, consequentemente, no que respeita aos assuntos do mar, dever tudo ser deixado ao cuidado do Estado, e aparentemente só ao Estado, desde a responsabilidade de monitorização, vigilância e fiscalização do que aí se passa, até ao próprio desenvolvimento e exploração empresarial e tecnológica das novas fronteiras marítimas.

E em paralelo, como temos assistido, os tímidos avanços na descida do IRC de forma a fomentar o investimento nacional e estrangeiro, conjugado com os muito pálidos esforços numa mínima segurança jurídica e fiscal, libertando as empresas e a iniciativa particular, começam a afigurar-se já hoje uma mera quimera.

E para cúmulo, como sabemos também, a falta de meios para o Estado fazer seja que investimentos significativos for neste momento, bem como um Estado, qualquer Estado, metido a empresário não resulta senão, sempre, ou quase sempre, pelo menos, salvo raras excepções, se as há, num calamitoso erro, tudo isto conjugado, não augura nada de bom. E tanto mais quanto, como também se sabe, tendo a natureza horror ao vazio, como a política tem horror ao vazio, o reflexo e repercussão de todo este vasto e pesado silêncio, espelho do terrível vazio de pensamento e acção que em relação ao mar vivemos, não é difícil de prever.

É terrível?

É. Como é terrível ter de escrever isto e ter de reconhecer que, a ausência de qualquer autêntica visão atlântica, de saber olhar politicamente para Portugal como a nação marítima que é, quase não existe.

Sim, é terrível, e tão mais terrível quanto sabemos como os próximos anos, até 2020, irão ser decisivos para a afirmação da Europa no mar, com o Horizonte 2020 a distribuir milhões dedicados aos assuntos marítimos, com a agravante de sabermos também não estarmos sozinhos, como a Europa também o sabe e não esquece, por exemplo, o começa a suceder na Ásia. Essa é a circunstância. Assim, ou temos consciência disso e nos preparamos devidamente, ou perdemos o passo, talvez definitivamente, com a agravante de ficamos não apenas atrasados, como sucedeu na fase da Industrialização, mas à margem, completamente à margem, sem voz, autonomia, real e efectiva independência.

Não é melodramatismo, é apenas a mais pura e dura natureza das coisas.

Além do mar, quer de um ponto de vista político e geoestratégico, quer de um ponto de vista económico, por tudo quanto a partir do mar será possível desenvolver, explorar e inovar, que temos nós a oferecer à Europa e ao Mundo?

Não é nisto que temos de pensar?

Mas onde está quem pense nisto e a tudo isto dê verdadeiro eco?

Ah!, o terrível, pesado, vasto e profundo silêncio do mar.



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