Num seminário internacional sobre as estratégias marítimas para o século XXI, o mar português foi objecto de análise preferencial pelos oradores, no plano económico, estratégico, ambiental e da segurança
Macaronésia

A jurista e docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Marta Chantal Ribeiro, espera que em 2018 abram negociações para “um acordo de implementação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para a conservação e utilização sustentável da biodiversidade além da jurisdição nacional”, segundo afirmou numa intervenção dedicada ao tema «A governação ‘possível’ do mar: um olhar prospectivo sobre o quadro jurídico internacional», realizada esta semana no âmbito do seminário internacional Estratégias Marítimas para o séc. XXI na Escola Naval.

Depois de admitir que existem várias propostas em aberto, a jurista manifestou convicção em que uma estrutura global que venha a ser criada no quadro dessas negociações se alimente das estruturas de decisão de organismos regionais de gestão de áreas marinhas protegidas e que as complemente com medidas que sejam vinculativas para os Estados parte dessa estrutura global bem como para os Estados membros das estruturas regionais. Admitiu ainda que actualmente existe uma “tensão entre desenvolvimento de áreas marinhas protegidas e a apetência que começa a haver por recursos minerais que se localizem precisamente dentro dessas áreas ou nas suas fronteiras”.

Outro orador foi André Panno Beirão, da Escola de Guerra Naval do Brasil, que numa intervenção sobre a «A territorialidade do mar», traçou uma breve evolução do Direito do Mar para concluir, numa linguagem mitológica, que continua a existir um “duelo entre Neptuno, o rei do mar, e o Leviatã, ou seja, o Estado”, que se tem traduzido por “uma territorialização crescente dos mares”, em que o Leviatã ganha ao Neptuno.

Desafiado a comentar uma opinião de David Milliband, ex-Secretário de Estado para as Relações Externas (2007 a 2010) no Governo britânico chefiado por Gordon Brown, segundo o qual o alto mar é comparável a um Estado falido, carente de uma intervenção externa conjunta para o gerir e controlar, André Panno Beirão referiu que a ideia de Estado falido adquiriu projecção na sequência do exemplo da Somália, que implicou uma acção conjunta de Estados contra a pirataria marítima. Mas acrescentou que no caso de um Estado falido, há quem perca – o Estado – e quem ganhe – no caso em análise, os armadores, que cobram mais para navegar naquela zona, as seguradoras, que cobram mais pelos prémios de viagens naquela zona, e a indústria de defesa, que vende mais meios para enfrentar a pirataria.

Já João Confraria, economista e docente na Universidade Católica, aproveitou a ocasião para, numa intervenção sobre «O Mar na Economia Portuguesa», abordar o tema do aproveitamento do mar na perspectiva do interesse público. E considerou que os objectivos na gestão dos recursos marítimos são o crescimento económico (avaliado pelo Produto Interno Bruto, ou PIB, o indicador mais utilizado para o efeito), a rendibilidade social do investimento realizado e a adopção de critérios de sustentabilidade e precaução na utilização desses recursos.

Durante a sua intervenção, a propósito da realidade portuguesa, considerou que “não se pode dizer que estejamos a ser bem-sucedidos na gestão dos recursos marítimos”, apoiado em dados da Conta Satélite do Mar, e exemplificando com a ausência de um cluster marítimo competitivo, “muito menos de um hypercluster”, um termo usado há alguns anos por Hernâni Lopes e que foi mais “uma ideia de marketing”.

Na opinião de João Confraria, a estratégia a seguir para valorizar o mar em termos de PIB e Valor Acrescentado Bruto (VAB) deve passar pela densificação das relações inter-industriais, pois entende que as actividades “estão isoladas umas das outras”, e pela preocupação com a qualidade de produtos, que deve ser privilegiada, quer porque Portugal sempre vingou com produtos de qualidade, quer porque o país não tem dimensão para vingar pela quantidade.

Outro orador presente foi Félix Ribeiro, investigador e docente do Instituto Português de Relações Internacionais, que dedicou a sua apresentação ao tema das «Estratégias de Desenvolvimento para Economia Portuguesa do Mar», considerou que os oceanos vão continuar a ter importância na logística e transporte marítimo, nas indústrias de petróleo e gás, no aproveitamento de outros recursos minerais, na pesca e na aquacultura, na bioteconologia e na engenharia (por via das tecnologias sub-aquáticas). E defendeu que os oceanos conferem a Portugal influência estratégica e recursos.

Félix Ribeiro defendeu que no caso português, as prioridades estratégicas marítimas devem consistir em alargar a oferta exportadora, fomentar o relacionamento com operadores globais (dado que os oceanos estão sujeitos aos seus interesses) e criar projectos para adaptar os nossos estuários às alterações climáticas.



Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill