Projecção

Ao longo da História Portugal tem-se revelado pioneiro em múltiplas áreas, das ciências à cultura, como ainda hoje, não raramente, sucede.

Um dos maiores dramas vividos ao longo das últimas décadas respeita exactamente à falta de capacidade de projecção internacional, quando não mesmo nacional, perdendo-se muitas vezes as mesmas ideias e respectivos projectos ou, pelo menos, não alcançando nunca a dimensão e amplitude que mereciam vir a atingir.

Numa primeira instância dir-se-á que a dimensão do nosso mercado e uma certa dificuldade de encontrar investimento adequado a dar outra dimensão aos mesmos projectos, estão na raiz desse drama. No entanto, observando mais atentamente, embora em certos momentos, tais circunstâncias não tenham deixado de pesar, como ainda hoje em determinados casos continuarão a pesar, o facto é que, em geral, se assim podemos dizer, o problema é bem mais grave e profundo, respeitando, essencialmente, a uma falta de visão ou ambição decorrente de uma incompreensível atitude de menorização do que é português, antecipada derrota e incompreensível depressão conduzindo sempre, como toda a depressão sempre tende a conduzir, a uma tão clamorosa quanto patética ausência de adequada iniciativa.

Portugal podia e devia, neste momento, estar a liderar a monitorização do Atlântico, conjugando e congregando, de forma única, as nações atlânticas da CPLP. E no entanto, nada, como já aqui o referimos e voltamos a insistir por se nos afigurar constituir-se como um dos maiores erros estratégicos que estamos a cometer sem que, de um ponto de vista político, alguém se afirme verdadeiramente preocupado e assuma consequente iniciativa tendente a alterar tal situação. Porque não o fazemos? Porque nos remetemos a um papel secundário, sem grandeza nem rasgo?

Para ilustrar o que aqui se diz, a recente visita presidencial à Noruega é um excelente exemplo em múltiplos aspectos.

Centrando-nos apenas nas questões do mar, havendo logo no primeiro dia da visita uma longa cerimónia no The Research Council of Norway, verificou-se, ao longo da mesma, um grande espanto e muita admiração por parte das entidades norueguesas presentes, pela qualidade, avanço e inovação dos projectos apresentados pelas empresas portuguesas.

Dir-se-á, numa primeira instância, ser simpático assim ter acontecido como, indiscutivelmente, não deixou de o ser. Todavia, se tivermos em conta existirem mais de duas centenas e meia de projectos em que cientistas de ambas as nações estão já a participar em conjunto, das ligações históricas que nos ligam á Noruega, embora mais distantes mais ténues do que com outras nações europeias, de todas as ligações que os noruegueses têm mantido também com as nações africanas de expressão portuguesa, entre outros aspectos, nos deixa, de facto, de surpreender que os noruegueses ainda se surpreendam tanto com os portugueses, o seu trabalho científico e capacidade empresarial que também têm. E no entanto isso sucede quando descobrem, com surpresa e espanto, não se limitarem os portugueses a serem os maiores importadores passivos do bacalhau que exportam.

Infelizmente, a falta de projecção do que Portugal é hoje conduz a estas situações um pouco ridículas e caricatas de não sermos reconhecidos senão pelo que menos importa, pelo mais trivial, como se fizesse sentido, por exemplo, perante uma visita de François Hollande a Portugal, reconhecer os franceses como os grandes consumidores de caracóis que também exportamos ou, um pouco mais sofisticado, das famosas «les portugaises» que tanto os animam.

Perguntar-se-á: e a culpa é dos Noruegueses? Não. A Ministra Norueguesa das Pescas, no seu discurso em Bergen, até tentou, simpaticamente, remontar aos idos do Séc. XII para denotar as ligações históricas entre ambas as nações. Não, o problema não é a Noruega, o problema é a nossa incapacidade de projecção como nação e, no caso presente, talvez, da própria Embaixada ou os nossos serviços diplomáticos que, seja por falta de meios, iniciativa ou seja o que for, não souberam dar outra dimensão à visita presidencial quando, como nação assumimos, inclusivamente, constituir-se a Noruega como um potencial parceiro estratégico na área do mar.

Uma falta de dimensão estratégica que se revelam, inclusive, nos próprios discursos oficiais, insistindo sempre na tecla de sermos importantes na intermediação das relações com os Países Africanos de Expressão Portuguesa, como se a Noruega não estivesse já presente e em força na África Ocidental, como se não tivesse sido a Noruega a ajudar a apresentação da pretensão de extensão dos limites da Plataforma Continental de Cabo Verde, em conjunto com mais sete nações africanas, à ONU, como se a Noruega não estivesse já presente em Moçambique e não tivesse a posição estratégica importante que detém na passagem do Atlântico para o Índico.

Claro que a nossa posição histórica em relação às nações que fazem parte da CPLP pode ser, e é, com toda certeza, importante, mas se lhes soubermos dar um verdadeiro conteúdo estratégico, nunca apenas pela língua e uma forma «simpática» muito nossa de sermos.

Entretanto, sim, as apresentações das empresas portuguesas que tivemos oportunidade de ver, sobretudo na área dos biorecursos, como, por ordem de entrada em cena, as de Helena Vieira, sobre a rede Bluebio Alliance; de Tiago Silva, da 3B’s Lab da Universidade do Minho; de António Isidoro, da Soja de Portugal; de Helena Abreu, da Algaplus; de Jorge Dias, da SPAROS e Nuno Cortez Coelho, da A4F, não sendo exactamente uma surpresa, mostraram bem porque podemos ter orgulho nos nossos talentos, na nova geração de novos talentos, e, consequentemente, real esperança no futuro.

E a Noruega também percebeu. Valha isso e que tudo quanto agora começa a desenhar-se crie rapidamente uma dinâmica que lhe seja própria e venha a dar resultados que todos esperamos ansiosamente que sucedam.



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