Ao longo dos últimos anos têm-se desmultiplicado os apelos ao regresso de Portugal ao mar. Compreende-se, não sem alguma ternura até, pela tão ingénua quanto louvável e genuinamente boa intenção, tais apelos mas, na realidade, não podemos também deixar de ter em atenção a circunstância de quanto esconde de equívoco não poder deixar de encerrar em si perigosas e tão prováveis quanto funestas consequências.

Na verdade, se na expressão «regresso» está suposto o «voltar a um lugar em que já se esteve», tanto como «voltar a uma realidade», mesmo que apenas metaforicamente seja, de algum modo, igualmente já conhecida, quando se afirma a necessidade ou se apela ao «regresso de Portugal ao mar», insinua-se a presunção de um antecipado conhecimento, cheio de si, dessa suposta realidade que Portugal será, forçosa e fatalmente será, uma vez regressado onde, afinal, nunca esteve.

Não, não se trata de afirmar «não regressarmos nunca ao lugar de onde partimos», como diria o celebrado poeta, nem negar a possibilidade de um auspicioso futuro caso Portugal saiba olhar para as potencialidades que o mar tem a oferecer na constituição desse mesmo futuro.

Nos idos de Quatrocentos e Quinhentos, Portugal olhou para além do mar, verdadeiramente, para além-mar. Soube aprender a navegar em todo o Atlântico e em todos os mares do mundo. Soube construir a Caravela, determinar o segredo dos Alísios, desenvolver a Balestilha, inventar o Canhão de Recuo e submeter todo o Índico ao seu poder de fogo. Soube aportar nas nas mais distante e remotas partes do Globo e regressar mas não era o mar o que o movia, sim o que estava para além, como, primordialmente, a chegada à mítica Índia e a possibilidade de destronar Veneza como Centro de Comércio da Europa a favor de Lisboa, enfraquecendo em simultâneo o poder Muçulmano a partir do seu coração bélico e comercial no Oriente.

Sim, tudo isso foi feito, de forma notável e única _ e por tudo isso naturalíssimo e justo o orgulho em quem o fez. Mas não há, hoje, regresso algum, seja ao mar ou seja ao que for do passado nesse literal sentido. Pensar o contrário e exaltar tudo isso como se plena actualidade fora e, consequentemente, de algum modo, tudo garantido estivera, é, no mínimo, tão grave quanto funesto erro de perspectiva.

Sim, o valor estratégico do mar para Portugal, mantém-se mas os desafios que hoje se colocam são completamente distintos do passado. Há novas possibilidades abertas com a futura Extensão dos Limites da Plataforma Continental, o que vale por dizer, novas possibilidades abertas com a extensão de jurisdição nacional a mais vasto solo e subsolo marítimo em pleno Atlântico. Mas não nos podemos iludir ou esquecer que essa mesma jurisdição não se aplica à Coluna de Água na área de Extensão dos Limites da Plataforma Continental, para além das 200 milhas, como hoje não se aplica já aquém, à Coluna de Água da Zona Económica Exclusiva, entregue à Comissão Europeia e todas as riquezas que o solo e subsolo marinho encerram não deixarão de suscitar a cobiça e, com toda a probabilidade e em consequência, novos problemas que temos de saber antecipar para devidamente os sabermos igualmente enfrentar.

Sim, teremos sempre também as pescas. Mas para além de uma renovação e modernização das frotas, optimização dos recursos e uma renovada capacidade de negociação, em primeira instância, com a União Europeia e, logo depois, eventualmente, com países terceiros, muito mais do que as pescas, o futuro está na Aquacultura, onde muito há ainda a fazer.

Sim, temos ainda os portos mas não temos Veneza alguma a destronar. Temos o Transporte de Curta Distância e tudo o que lhe está associado como uma oportunidade que temos de saber capitalizar e que não podemos perder.

E temos tudo o que é novo, da Robótica aos Bio-Recursos e às suas múltiplas aplicações, da alimentação à farmacêutica, cosmética e até aos novos materiais. E temos as Energias, como a Mineração em Alto Mar com todos os desafios implicados, como temos tudo o mais que se sabe e escusado será aqui estar a referir exaustivamente, bem como tudo quanto ainda não sabemos ou mal se vislumbra sequer mas sabemos termos de vir a ter a capacidade, imaginação e inventividade necessárias e suficientes para igualmente antecipar e solucionar antes de todos os mais.

Não, Portugal não tem de regressar ao mar. Portugal tem é de avançar para o mar numa perspectiva tão diferente quanto completamente distinta do passado porque o futuro de Portugal depende hoje do mar como nunca dependeu, seja em termos políticos, estratégicos ou económicos.

Do passado, importa o Espírito, apenas o Espírito, não a Letra. E é imperioso, determinante, crucial, entender isso em toda a sua mais vasta e ampla dimensão. Se assim não for, será catastrófico porque, entretanto, estamos em 2015 e no primeiro de cinco decisivos anos das nossas vidas. A Europa e o Mundo estão a olhar para o mar, a avançar para o mar e nós ou sabemos olhar entretanto também para as oportunidades que ainda temos e nos são dadas ou daqui a cinco anos desaparecemos, pura e simplesmente, como nação.

Não, não há melodramatismo, negra profecia, mau agouro. É apenas simples e racional antecipada constatação do facto do futuro de Portugal não estar, como nunca poderia ou poderá estar, em qualquer anacrónico regresso ao mar, como num regresso ao passado, mas numa realmente renovada e imaginativa recriação do seu possível futuro no mar.



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