A história dos que começaram a surfar, em Carcavelos, é simples: o surf era um modo de vida, hoje é mais um desporto. O último Sábado foi um grande dia para Carcavelos: o lançamento da Faculdade Nova e da loja da Quicksilver.
Quicksilver

Inaugurada no último  Sábado, a loja da Quicksilver, no famoso espaço do Narciso, já é icónica por toda a história de surf que carrega. Foi onde tudo começou, desde os mais conhecidos surfistas portugueses aos mais utilizados conceitos da modalidade. Carcavelos foi a maternidade do desporto em Portugal.

 

Desde cedo, existe uma “ligação muita próxima, não só dos surfistas de Carcavelos, mas de quase toda a gente dos anos 70” à praia de Carcavelos, o mesmo lugar em que se celebra o passado e o presente, na esperança de um futuro positivo para os surfistas vindouros” – principia assim o surfista Nuno Jonet, responsável por apresentar a loja aos inúmeros veteranos do surf que se reuniram naquele fim de tarde.

 

E nos primórdios dos tempos, como era o surf?

 

“Fazemos o campeonato nacional este ano ou guardamos para nós mais um aninho?” perguntava Nuno Jonet a João Rocha, juiz e grande surfista da época, um dos grandes impulsionadores na modalidade em Portugal, desde os anos 70. O surf em Carcavelos é antigo e tem muita história. História essa da qual João Rocha fez parte e continua a fazer nestes encontros que denomina de essenciais para o crescimento deste desporto em Portugal.

 

E numa sequela histórica divide o tempo: “o surf vem antes do 25 de Abril e há uma grande diferença entre as pessoas que faziam surf antes do 25 de Abril e as pessoas que começaram a surgir pós-25 de Abril e essa diferença acentuou-se por uma coisa – as pessoas que faziam surf antes do 25 de Abril, com o 25 de Abril foram embora e o contingente que fazia surf aqui em Carcavelos, deixou de existir”, explica João Rocha.

 

E é esse contexto que marca. “O contexto em que começámos a fazer surf era completamente diferente daquele que vocês conhecem hoje. Uma pessoa dizia vou fazer surf a Carcavelos e as pessoas começavam a rir-se e diziam: não há surf. Em Portugal, não há surf”. O que também o Director-Geral do Desporto em 1978 referiu, aquando da tentativa de um grupo de surfistas, do qual João Rocha fazia parte, de fazer, em Portugal, o Campeonato Europeu de Surf. Tentativa que rapidamente obteve não como resposta, por não ser o surf um desporto, nas palavras do tal Director.

 

Mas a verdadeira génese remonta a um quase lendário senhor: Narciso, pai, “uma pessoa que acreditou nos miúdos que faziam surf na altura e que acreditou ser possível trazer a Portugal outras selecções”, começando por edificar aquelas mesmas paredes, que mais tarde viriam a ser entre tantas coisas: um café, uma loja de fatos e pranchas de surf e agora, a Quicksilver.

 

Boas ondas, mas nem tudo era um mar de rosas

 

E as ondas, valeriam elas a pena? “Carcavelos tinha uma onda espectacular do lado esquerdo, em frente ao Calhau. Tinha uma excelente direita. Era uma praia extremamente perigosa, porque como as ondas eram certas, seja à esquerda, seja à direita, tinha umas correntes brutais, onde muita gente morria. E os surfistas que iam fazendo surf foram os responsáveis pelo salvamento de muita gente. O próprio senhor que edificou estas paredes foi uma das pessoas que teve a responsabilidade de, contra os cabos do mar, empregar os surfistas como nadadores salvadores. E só a partir dos resultados que obtivemos com o salvamento das pessoas é que a Marinha começou a perceber que o surf era importante para os socorros náufragos e abriu assim as portas”, conta entusiasmado o surfista.

 

Relembra ainda que nem tudo era fantástico – na parte final da praia, a norte, onde entre outras coisas se prestavam boas ondas, estavam esgotos abertos, tornando o surf e até banhos impraticáveis na área. Pelo que, pelo Verão, se colocavam inclusivamente cordas e bóias para limitar o acesso. E assim, narra João Rocha, viviam-se tempos difíceis de surf, fosse por causa dos banhistas, da poluição ou dos cabos.

 

E termina fazendo uma promessa: uma nova edição do livro «História do Surf em Portugal», actualmente esgotado, biografia do surf, desde os primórdios com tantas personagens que dele fizeram parte, desde as mais singelas idas à praia só para curtir as ondas, até às competições.

 

Carlos Vieira, o mais veterano dos veteranos no surf, como bom estudante que era, “fazia gazeta às aulas e vinha para a praia fazer surf”, confessa, explicando o modo mais natural de aprender: consigo mesmo e olhando alguns estrangeiros que por ali passavam. Não sendo surfista de Carcavelos, revela, fazia surf na linha, sobretudo em São Pedro, sua praia de eleição, que não deixou de ser um marco também na cronologia.

 

Também o próprio Narciso, neto, foi chamado a contar a sua história, mas não só, a história do seu avô. O famoso avô Narciso, que veio erguer a estrada da Marginal, teve a ideia de começar com uma barraquinha na praia, que se ampliou e gerou história numa página em branco. Narciso (neto), surfista criado em Carcavelos, que participou em competições, recorda a sua infância na praia que, como conta, “aproveitou aquilo que lhe foi dado” – Avôtrocinio – uma pessoa que queria ajudar a juventude que adorava e “adorava o surf porque o neto adorava o surf”.

 

E o Shop?

 

Invento em Espanha, leash nos Estados Unidos, mas shop em Portugal, e porquê? Explica Pi Garcia, que na altura “usavámos shop feito de elástico a metro e estávamos permanentemente a levar com as pranchas na cabeça. Depois começámos a ver que os bifes utilizavam uns tubos de borracha pretos com uma corda dentro e um velcro e começámos a fabricar os nossos shops – o que havia mais parecido? O tubo de clister”, conta em risos. Entretanto, um dia apareceu um shop, num saco de plástico com um cartão que dizia: Bilbo Surf Shop, na altura “miúdos” novos não sabiam inglês, e assim ficou denominado shop.

 

Quicksilver – a nova loja à beira da praia

 

Inaugurada oficialmente a loja da marca (Quicksilver, Roxy e DC) com 300 metros quadrados, em parceria com o Clube do Lombos, onde tem sede também a Federação Portuguesa de Surf, fará parte do Cascais Surf Center (um complexo que além de escola de surf, terá um bar, dois restaurantes, 2 skate-parks, um ginásio). No entanto, toda essa estrutura será onde está a loja actualmente, quando forem desbloqueadas as autorizações necessárias, e a loja passará para o outro lado. Obras que, segundo José Gregório, representante da marca em Portugal, se projectam para começar em 2019.

 

O Clube dos Lombos também faz parte: Jorge Vieira, Dirigente Desportivo do Clube, conta como cedo este fez parte das actividades desportivas da praia, tanto que o primeiro campeão nacional de Surf, Luís Inocente, participou no primeiro campeonato e quando lhe perguntaram qual era o clube dele, identificou-se como sendo da Quinta dos Lombos.

 

Quando chegou à praia, Jorge Vieira encontrou uma modalidade muito informal – “os praticantes faziam-no, uns por razões de lazer, paixão, alguns só faziam surf, viviam na praia, e não tinham relação com as outras responsabilidades da vida”, e foi quem começou a alinhavar o desporto como desporto, através do clube, que tantos nomes do surf carregou: Miguel Ximenes (Campeão Europeu no Euro Surf), Justin Mujica (Campeão Europeu EPSA), Nicolau Von Rupp (top Europeu Pro Junior), Eduardo Fernandes (Vencedor da última etapa do Circuito Nacional de Surf 2008), Aécio Flavio, Pedro Soares, Pecas ou Joana Andrade.

 

Este edifício, que domina como “grande referência da praia de Carcavelos, que nos últimos 30 anos viveu ameaçado da sua demolição” já vivia há alguns anos sob alçada de um sonho: “a nossa ambição era ficar com uma parte do edificio que não fosse demolida para podermos fazer as nossas instalações na praia, e lutámos por isso, até que em 2013 ou 2014 o Senhor presidente de Câmara, Carlos Carreiras, nos convida para uma parceria”. A partir daí, montaram um plano de requalificação do edifício e fizeram um concurso internacional para escolher parceiros que foi ganho pela Quicksilver. Aguarda-se um futuro ainda mais completo no Cascais Surf Center.

 



Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

«Foi Portugal que deu ao Mar a dimensão que tem hoje.»
António E. Cançado
«Num sentimento de febre de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio Ferreira
Só a alma sabe falar com o mar
Fiama Hasse Pais Brandão
Há mar e mar, há ir e voltar ... e é exactamente no voltar que está o génio.
Paráfrase a Alexandre O’Neill