Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa no transporte marítimo em 50% até 2050 e posteriormente eliminá-las integralmente era uma ambição dos Estados Membros. Mesmo entre os defensores de metas mais ambiciosas o resultado alcançado foi considerado um passo em frente no caminho para o cumprimento dos objectivos do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas
GNL

Os mais de 100 Estados reunidos na 72ª sessão do Comité de Protecção do Ambiente Marinho (Marine Environment Protection Comittee, ou MEPC) da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla inglesa), aprovaram a estratégia da instituição para reduzir as emissões anuais de gases com efeito de estufa provenientes do transporte marítimo em pelo menos 50% face a níveis de 2008 até 2050 e eliminá-las completamente tão cedo quanto possível até ao final deste século.

A estratégia agora aprovada prevê a inovação tecnológica e a introdução de combustíveis e/ou outras fontes de energia alternativas, a revisão de metas com base em estimativas sobre a redução das emissões e a adaptação gradual das exigências de eficiência relativamente à construção de cada tipo de navio tendo em vista diminuir a intensidade das emissões no transporte marítimo.

O objectivo é ir, tanto quanto possível, ao encontro da meta do Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas de garantir que o aumento da temperatura média global fique abaixo dos 2ºC face aos níveis pré-industriais e de desenvolver esforços para que limitar o aumento dessa temperatura até 1,5ºC até ao final do século.

Segundo algumas fontes internacionais, quase todos os 173 membros da IMO apoiaram o texto sujeito a aprovação. Terão sido levantadas objecções pelos Estados Unidos e Arábia Saudita. Já a Argentina e Brasil, que terão reagido contra o objectivo proposto, não terão feito incluir as suas objecções no texto final, abrindo caminho à sua aprovação.

A Baltic and International Maritime Council (BIMCO), uma organização internacional representativa de armadores e outros operadores do transporte marítimo, já se congratulou com o resultado obtido na reunião. Segundo Lars Robert Pedersen, Secretário-geral adjunto da organização e delegado à MEPC 72, “a IMO fez o que até hoje ninguém tinha feito: estabelecer um objectivo absoluto para a redução de emissões numa indústria inteira; é um marco no esforço para reduzir as emissões e algo para que todas as outras indústrias deviam olhar como fonte de inspiração”.

De acordo com a Clean Shipping Coalition (CSC), uma organização ambientalista não-governamental e não lucrativa vocacionada para as questões do transporte marítimo, os resultados da reunião são bem-vindos. Todavia, a CSC considera que “a ausência de um plano de acção claro para obter a redução de emissões, incluindo medidas urgentes de curto prazo, é fonte de preocupações”.

Já a Transport & Environment, uma entidade que reúne mais de 50 membros sem interesses lucrativos e opera em Bruxelas em prol de transportes ambientalmente mais limpos, pela voz de Bill Hemmings, seu Director, considerou que a IMO devia ter ido mais longe apesar da “oposição dogmática de alguns países chefiados pelo Brasil, Panamá e Arábia Saudita” e que pouca atenção foi prestada à oposição dos Estados Unidos. Mas admitiu que a decisão “coloca o transporte marítimo num rumo promissor” e que a descarbonização foi oficialmente adoptada.

Na opinião de John Maggs, presidente da CSC e consultor da Seas At Risk, uma organização internacional composta por várias organizações não-governamentais europeias que trabalha em defesa de ecossistemas marinhos sustentáveis, este é “um acordo importante e o grau de ambição que propõe irá requerer uma ampla adaptação para novos combustíveis e tecnologias de propulsão, mas o que se vai passar a seguir é crucial”. Segundo refere, “a IMO deve rapidamente introduzir medidas para cortar as emissões profundamente no curto prazo”.

Patrick Verhoeven, Director de Política e Estratégia da International Association of Ports and Harbors (IAPH), presente na reunião, considera que a sua organização começou por apoiar a proposta das Ilhas Marshall, outros Estados do Pacífico e Estados europeus de reduzir as emissões entre 70% e 100% até 2050. Mas admitiu que este acordo é um compromisso que a IAPH pode apoiar e que envia “um sinal poderoso ao mundo de que a indústria do transporte marítimo está empenhada na luta contra o aquecimento global”.

A Câmara Internacional da Marinha de Comércio (International Chamber of Shipping, ou ICS) também referiu que alguns Governos pretendiam metas mais ambiciosas, mas admite que os resultados alcançados na reunião são realistas e estão ao alcance do sector com o desenvolvimento e utilização generalizada de combustíveis de zero emissões de CO2. Uma utilização que consideram urgente colocar em prática.

A ICS considera igualmente que o objectivo agora acordado de melhorar a eficiência dos navios em 40% até 2030 face a níveis de 2008 e em 70% até 2050 é ambicioso mas alcançável, desde que os Governos reconheçam “a enormidade do desafio e facilitem o rápido desenvolvimento de novas tecnologias e novos combustíveis”, refere o Secretário-geral da ICS, Peter Hinchliffe.

A Comissão Europeia (CE) também saudou o acordo, considerando que é um bom ponto de partida e que permite rever medidas ao longo do tempo, embora a União Europeia (UE) tivesse desejado objectivos mais ambiciosos. A CE considera que o sector do transporte marítimo deve contribuir com a sua parte para cumprir o Acordo de Paris sobre fazer face às alterações climáticas e que o entendimento agora alcançado na IMO requer rapidamente medidas de redução de emissões, que devem ser implementadas até 2023.

A MEPC 72 também acolheu uma proposta para banir a utilização de combustíveis pesados para navios (heavy fuel oil, ou HFO) nas águas do Árctico. A proposta foi patrocinada pela Finlândia, Alemanha, Islândia, Holanda, Noruega, Nova Zelândia, Suécia e Estados Unidos. Uma proposta para banir os HFO do Árctico e simultaneamente avaliar o impacto da medida nas comunidades locais esteve em discussão e foi patrocinada por Portugal, Canadá, Reino Unido, Dinamarca, Austrália, Bélgica, República Checa, França, Irlanda, Estónia, Japão, Polónia, Liga Árabe, Espanha e Suíça.



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