Parece iminente a discussão em Conselho de Ministros da introdução da tonnage tax em Portugal. Nos termos propostos pelo Governo, a medida enfrenta alguma contestação. Ou por motivos técnicos ou por excluir o MAR ou ainda por aproximar os regimes contributivos dos tripulantes dos dois registos de navios: o convencional e o internacional da Madeira.

O Governo prepara-se para levar a Conselho de Ministros, eventualmente hoje, uma proposta de lei para criação de um regime especial de tributação aplicável ao transporte marítimo, vulgarmente conhecido por tonnage tax, e de um regime especial de benefícios fiscais e contributivos aplicáveis aos respectivos tripulantes.

Com esta medida, o Governo pretende “promover a marinha mercante nacional, com vista a potenciar o alargamento do mercado português de transporte marítimo e o desenvolvimento dos portos nacionais e da indústria naval, a criação de emprego, a inovação do sector e o aumento da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa, com o consequente aumento da receita fiscal”, segundo a versão da proposta a que tivemos acesso.

Desta forma, o Executivo quer contrariar o que considera ser o “acentuado declínio” da frota de marinha mercante constante do registo convencional de navios e o declínio “do peso económico do transporte marítimo na economia nacional”, que quase anularam as “oportunidades de emprego marítimo, acentuando o afastamento das novas gerações relativamente a esta actividade marítima”, diz o diploma.

Na prática, a proposta destina-se a aumentar a competitividade da indústria do transporte marítimo através da redução substancial dos impostos a pagar pelos armadores, que deixam de pagar imposto clássico em função do rendimento (IRC) para passarem a pagar essencialmente com base na tonelagem dos navios. O tema não é novo entre o sector, nalguns casos é mesmo reclamado há muito, mas a solução prevista não parece reunir consensos, segundo apurámos.

Segundo o texto da proposta, poderão adoptar este novo regime navios que, “cumulativamente, estejam registados no registo convencional português, sejam estratégica e comercialmente geridos a partir de um Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu…” e estejam afectos a um elenco de actividades ali descritas.

A exclusão dos navios registados no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) e a aproximação do regime contributivo dos tripulantes de navios do registo convencional ao regime aplicável aos tripulantes do MAR são claras mas parecem gerar preocupação nalguns segmentos do sector. Actualmente, no MAR, a taxa de contribuição dos tripulantes por conta de outrem para o regime geral da Segurança Social é de 2,7%, cabendo 0,7% aos trabalhadores e 2% às entidades empregadoras.

Segundo algumas fontes, a proposta não está a ser bem recebida no Governo Regional da Madeira. O nosso jornal questionou o Executivo madeirense, através da Secretaria Regional das Finanças e Administração Pública, sobre o acompanhamento dado a esta matéria e a posição sobre a mesma, mas até ao momento ainda não obtivemos resposta.

Outras fontes alegam que no próprio Executivo falta unanimidade quanto à proposta, ou pelo menos, quanto ao seu conteúdo. Não conseguimos confirmar a informação, embora tenhamos questionado o Ministério das Finanças sobre a importância da criação de uma tonnage tax em Portugal, a exclusão do MAR do novo regime e o impacto que isso poderá ter para a economia madeirense e ainda sobre eventuais divergências no Governo sobre a matéria. Peremptório, o Ministério das Finanças respondeu-nos que não tem comentários a fazer sobre este assunto.

Entre outras disposições, a versão da proposta a que tivemos acesso prevê, no art.º 2º, nº1, f), que “a matéria coletável seja determinada através da aplicação de coeficientes, a determinar em função de escalões de tonelagem líquida de arqueação, a fixar entre € 0,20 e € 0,75 diários por cada 100 toneladas líquidas de arqueação”.

Prevê também a “possibilidade de que a matéria coletável a determinar possa ser reduzida até 50% e 25% no período de tributação do início da actividade e no período de tributação seguinte, respectivamente, excepto nos casos em que tenha ocorrido cessação de atividade há menos de cinco anos”.

A proposta estabelece ainda “a possibilidade de estabelecer uma redução entre 10% a 20% do quantitativo da matéria coletável previsto na alínea f) no caso de navios ou embarcações com arqueação superior a 50.000 toneladas líquidas que recorram a mecanismos de preservação ambiental do meio marinho e de redução dos efeitos das alterações climáticas”. A alínea f) refere-se ao art.º 2º, nº1, f), que citámos acima.

No mesmo artigo, no seu nº2, a proposta prevê também “uma isenção de IRS para as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios registados no registo convencional português” e a extensão do regime de Segurança Social dos tripulantes de navios registados no MAR aos de navios registados no registo convencional (avaliável a cada três anos, “devendo verificar-se, em função da evolução do emprego marítimo, o alargamento proporcional da protecção social conferida aos tripulantes, nos termos da lei”).

A proposta prevê ainda que os aderentes a este novo regime, que é opcional, devem permanecer nele pelo menos cinco anos. A cessação da sua aplicação “impossibilita o sujeito passivo de voltar a aceder a este regime no prazo de cinco anos após a data de produção de efeitos dessa cessação”, refere-se no diploma.

Como esta legislação envolve matéria fiscal que integra a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, a sua aprovação carece de autorização legislativa do Parlamento.

Paralelamente, pode ser considerada uma legislação que configura um auxílio de Estado existente em quase todos os Estados Membros da União Europeia (UE), pelo que carece igualmente de uma aprovação pela Comissão Europeia (CE). Segundo nos recordou uma fonte próxima do sector, em 2016, a Suécia procedeu a uma iniciativa semelhante e a CE, numa atitude aparentemente inédita nesta matéria, prescindiu da autorização, viabilizando a introdução da tonnage tax no país. O que, além de criar um precedente, segundo a mesma fonte, pode indiciar que não dificultará a aprovação no caso português.

Há no entanto quem entenda que tratando-se de um auxílio de Estado e sujeito a aprovação pela CE, esta legislação não merecerá a concordância da instituição europeia. Quem assim o entende recorda que na maioria dos países da UE só podem aderir ao mecanismo da tonnage tax os armadores com operações no país da legislação em causa (no caso de Portugal, só armadores com a gestão técnica em Lisboa, Porto, ou Funchal, por exemplo) porque não faria sentido um Estado tributar uma entidade sem operações no interior das suas fronteiras. Como nesta proposta se prevê que possam aderir à tonnage tax empresas com operações noutros países, o novo regime peca por uma ilegalidade a que a CE não deixará de estar atenta.



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