As empresas e os sindicatos aproximaram-se de um acordo para os estivadores no porto de Setúbal, quer em número, quer em salários. Mas enquanto as empresas exigiram o fim da greve ao trabalho suplementar no porto setubalense, o sindicato recusou essa condição se a ela não se associasse o que designa por discriminação aos seus associados em portos como Leixões e Caniçal. Sem entendimento nesta questão, a outra ficou contaminada e não foi possível chegar a acordo
Pedro Siza Vieira

Ficaram suspensas as negociações entre o sindicato dos estivadores do porto de Setúbal e as empresas de trabalho naquele porto que decorreram na Sexta-feira no Ministério do Mar, sem que se tenha chegado a um acordo final. Apesar de a ministra do Mar, que assumiu a mediação das negociações, ter admitido que existiu uma aproximação de posições, depois de três reuniões realizadas com o seu patrocínio.

Em comunicado emitido após a reunião, na Sexta-feira, o Ministério do Mar referia que a precariedade no porto de Setúbal podia ter acabado naquele dia, pois essa era “a vontade explícita deste Governo e de todas as partes sentadas à mesa das negociações”. Durante os três dias de negociações, “todas as partes concordaram em alterar o regime laboral no porto de Setúbal acabando com a precariedade”, referiu o Ministério do Mar.

Acrescenta o comunicado que “todas as partes concordaram em fixar quadros permanentes e aceitaram as principais condições contratuais; como concordaram e aceitaram a intervenção da Administração Portuária e do IMT” e que se conseguiu “mesmo garantir que os operadores, publicamente, revissem as suas condições aumentando as vagas inicialmente oferecidas”.

Segundo divulgou a ministra do Mar, em conferência de imprensa no mesmo dia, os empregadores terão aceitado contratar mais 56 estivadores efectivos para o porto de Setúbal em vez dos 30 originalmente propostos. E que houve uma aproximação das partes em relação aos salários.

Todavia, e sem que houvesse qualquer razão para que “os trabalhadores não tivessem a sua situação regularizada” nesse mesmo dia, segundo o comunicado do Ministério do Mar, não foi possível um entendimento definitivo. Isso porque os representantes dos estivadores de Setúbal, “em vez de discutirem a situação dos seus trabalhadores, preferiram discutir a situação nos portos de Leixões e Sines”, criando “conflitos em portos onde não existem conflitos e onde não têm uma representação significativa”, refere o mesmo comunicado.

Já na conferência de imprensa Ana Paula Vitorino tinha referido que “as empresas do porto de Leixões não são parte deste conflito, uma vez que não têm greve”, e que o sindicato maioritário do porto de Setúbal, aludindo ao Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística (SEAL), “tem uma greve de solidariedade com os trabalhadores de Leixões porque entende que alguns deles são discriminados”, apesar do sindicato maioritário no porto de Leixões, que não é o SEAL, “entender que não existe nenhum problema laboral” naquele porto.

Esta contradição de posições entre os dois sindicatos foi evidenciada numa reportagem da SIC na última Sexta-feira, com entrevistas a António Mariano, do SEAL, e a Américo Vieira e Arístides Peixoto, do Sindicato dos Estivadores de Leixões, entre outros, que revelaram um antagonismo suficientemente elevado para já ter gerado situações de insultos e agressões e que poderá chegar aos Tribunais. Se António Mariano considerou que existe uma guerra laboral contra o capital, os sindicalistas de Leixões acusam o SEAL de “terrorismo sindical”.

Uma rivalidade sindical que, nos portos de Leixões e do Caniçal (Madeira), se traduz em salários diferentes para os estivadores conforme o sindicato a que pertencem, discriminando os membros do SEAL, referiu António Mariano à imprensa no final da reunião de Sexta-feira, aludindo (no caso de Leixões) a um esquema que na entrevista à SIC classificou de “mafioso”. Uma tese que tem vindo a ser sucessivamente desmentida pelos representantes do Sindicato dos Estivadores de Leixões.

Esta matéria não foi deixada em claro pelo Governo. No seu comunicado, Ana Paula Vitorino deixou claro que “o Governo não pode, nem vai tomar parte numa guerra entre sindicatos” e lamentou que “os trabalhadores de Setúbal estejam a ser utilizados pelos seus representantes como moeda de troca para uma luta de poder sindical”.

Na conferência de imprensa posterior à reunião, a ministra do Mar já tinha aludido às queixas de discriminação do SEAL. “Fizemos a sugestão de que se existirem provas relativamente a isso, que sejam entregues ao Ministério Público”, referiu, afirmando também que foi solicitada à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) uma nova auditoria e um “trabalho exaustivo em todos os portos nacionais, que já está a decorrer, para identificar todas as questões que possam estar pendentes”, desde violações de lei a violações de contratos colectivos de trabalho.

Quem também reagiu ao insucesso das três rondas de negociações foi a Operestiva – Empresa de Trabalho Portuário de Setúbal, quer na conferência de imprensa de Diogo Marecos, administrador da empresa, quer em comunicado. Neste último, a Operestiva referiu que não foi possível chegar a acordo apenas por motivos a que a empresa é alheia, como as situações dos portos de Leixões e Sines, em relação às quais acusa o SEAL de ser intransigente.

A Operestiva lembrou que no último ano, “disponibilizou-se para participar activamente numa alteração profunda das relações laborais no porto de Setúbal”, criando e abrindo “vagas para um quadro permanente de colaboradores” e que nos “últimos dias não se discutiram condições remuneratórias – que são bastante acima da média nacional”, sublinhando que esteve disponível para “aumentar a dimensão do quadro permanente inicialmente proposto”.

Em conferência de imprensa, Diogo Marecos referiu mesmo que nas três reuniões de negociações, “95 por cento do tempo foi passado a discutir Leixões” e que a empresa fizera quatro propostas ao sindicato, que as “declinou, uma por uma”.

No comunicado, a empresa deixou um aviso, lembrando que nesta semana “o porto de Setúbal deverá ter uma quebra de 70% na carga movimentada” e que “existe uma fuga consistente de clientes para outros portos, nomeadamente espanhóis”, o que levará a Operestiva a “proceder a uma avaliação” da sua “viabilidade económica”.

A fuga de carga do porto de Setúbal também preocupa o Governo, nomeadamente pelo impacto directo da paralisação laboral que já ascende a milhões de euros, segundo a ministra do Mar. Os impactos indirectos ainda estão a ser avaliados.

Ana Paula Vitorino aproveitou a ocasião para fazer referência à questão da precaridade laboral no porto de Setúbal, aspecto em que tem alinhado pela posição do SEAL. Considerou a situação dos estivadores eventuais drasticamente negativa no porto de Setúbal, onde 68% são trabalhadores precários, mas “que se pode resolver rapidamente”, referiu, antecipando que o Governo deseja situá-la abaixo dos 50% “numa primeira fase”.

E comparou-a com o plano nacional, em que “temos uma média de 2/3 de efectivos para 1/3 de eventuais”. No porto de Sines, a taxa de efectivos é de 70% e em Leixões é superior a 60%, adiantou a ministra. A esse propósito, também na Sexta-feira, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) veio desmentir que houvesse 150 trabalhadores eventuais no porto de Leixões, conforme divulgado pela RTP. Segundo a APDL, que repudiou “todas as informações falsas que têm vindo a ser divulgadas sobre os trabalhadores da estiva em Leixões”, naquele porto “trabalham 207 estivadores, dos quais 2/3 têm contrato de trabalho regular”.

Entretanto, também na Sexta-feira, pelas 17H00, terá terminado um embarque para o navio Patara de veículos da Autoeuropa que se encontravam parqueados no porto de Leixões.

O SEAL também reagiu ao insucesso das negociações de Sexta-feira. Conforme refere na sua página no Facebook, as empresas só aceitavam concluir um contrato colectivo de trabalho em Setúbal, como o sindicato exigia, “se, além da disponibilidade dos precários desse porto, a greve nacional ao trabalho extraordinário fosse levantada no porto de Setúbal e todos os estivadores, com contrato sem termo e precários, ficassem disponíveis para esse trabalho extraordinário”.

O sindicato acrescenta que “numa tentativa de acomodar essa pretensão patronal de misturar a questão local de Setúbal com a questão nacional de perseguição aos nossos associados”, propôs “a suspensão da greve ao trabalho suplementar apenas no porto de Setúbal, durante 15 dias, se no mesmo período o Governo se comprometesse a convocar os parceiros sociais dos portos onde existem as referidas perseguições e se pudessem comprovar e eliminar as referidas situações irregulares, a saber: o assédio sobre os nossos sócios em Leixões e no Caniçal (bem como o Acordo rasgado pelas empresas em Lisboa)”

Isto terá sido algo que o Governo se recusou a fazer, diz o SEAL, que só considera levantar a “greve às horas extraordinárias quando o Governo tiver capacidade política de sentar à mesa dos outros portos os parceiros sociais que conseguiu sentar em Setúbal em função do peso político e económico da Autoeuropa”.

Em conferência de imprensa, António Mariano confirmou o avanço das negociações relativamente ao porto de Setúbal, quer no plano do número dos estivadores a contratar (os tais 56 de um universo de 150, excluindo aqueles que durante o período de luta sindical assinaram contrato), quer no plano salarial (o SEAL terá partido de um mínimo de 1.400 euros).

Todavia, como as empresas de trabalho portuário de Setúbal fizeram depender isso do fim da paralisação ao trabalho suplementar no porto setubalense, que para o sindicato está relacionado com outra questão, o acordo não foi obtido, entende o SEAL. Nessa conferência de imprensa, António Mariano admitiu a disponibilidade do sindicato para prosseguir a negociação.



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